Dizem que se leva um minuto para conhecer uma pessoa especial, uma hora para amá-la e uma vida inteira para esquece-la. Por mais que o tempo passe, existem coisas que jamais apagaremos da memória, cicatrizes deixadas pela vida que nos acompanharão pra sempre.
Filho de pais alemães, nasci e cresci em São Paulo, onde morei por treze anos até minha família voltar à Europa. Devido a crise que o continente enfrentou pós guerra, a empresa em que meu pai trabalhava encerrou suas operações no Brasil, o transferindo para a matriz em Berlim.
Aceitar a idéia foi difícil, principalmente pelas razões climáticas, os amigos. O que eu não sabia, era que minha vida mudaria para sempre.
Em meu quarto eu lia um livro que trouxera do Brasil, somente com a luminária ao lado direito da minha cama ligada, além do aquecedor. O frio que fazia naquela noite despertava-me vontade de chorar, mesmo agasalhado.
A primeira noite foi a pior de todas, pois não tínhamos vestimentas apropriadas para aquele clima, nos fazendo quase congelar.
Logo quando o dia amanheceu meu pai foi trabalhar, ficando apenas eu, meu irmão e minha mãe. Desci para tomar café da manhã, tremendo feito uma vara verde.
Colocando o bule sobre à mesa, minha mãe falou:
-Hans, preciso que você vá comigo até a loja de tecidos.
-Fazer o quê, mutter?
-Vou comprar tecido. Não temos muito dinheiro para gastar com alfaiate e precisamos de boas vestimentas para passar o inverno.
-Por que a senhora não leva o Patrick?
-Porque ele ficará estudando.
-Humpft... Tudo bem.
Mesmo que eu não concordasse em ir, ela obrigaria-me de qualquer jeito. Nossa educação sempre foi muito rígida, tendo os pais como soberanos de tudo. Claro que eu não concordava com tais regras, porém, contrariar não adiantaria muito, apenas levaria-me para cama mais cedo, e certamente acompanhado de uns puxões de orelha.
Caminhando apressado, tentava acompanhar os passos de minha mãe em direção à loja de tecidos.
Tomando a frente, minha mãe empurrou a porta, entrando rapidamente, comigo logo em seguida. Quase a deixei bater, pois ventava muito naquele momento.
Aproximando-se do balcao, mamae olhava de um lado pro outro as pilhas de tecidos, ao mesmo tempo em que tirava suas luvas.
Não demorou muito para que uma senhora nos abordasse:
-Bom dia!
-Bom dia. Quero ver alguns tecidos para fazer roupas de inverno.
-Ah sim! Acompanhe-me, por favor. - Disse aquela senhora caminhando em direção às prateleiras.
A loja tinha alguns adereços estranhos, provavelmente provindos de outra cultura. Conforme minha mãe ia pedindo, o senhor que estava no balcao ia medindo, cortando e embrulhando os tecidos.
Ambiente sombrio, cheirava a couro. A porta de entrada nos permitia visualizar os bondes e pessoas pela rua passar, pois da metade para cima era de vidro.
Depois de muito esperar, eis que ouço meu nome:
-Hans... - Chamou minha mãe.
-Senhora?
-Venha me ajudar com os pacotes.
-Sim.
Quando voltei ao balcao e vi aquela pilha de pacotes amontoados, tive vontade de chorar. Nunca pensei que minha mae fosse comprar tanto, sobrando, claro, para eu carregar.
-Quanta coisa! - Exclamei abismado.
Dando a volta pelo balcao, o senhor de cara feia disse:
-Aguarde um momento que vou lhe ajudar com os pacotes.
-Sim. - Respondeu minha mae colocando suas luvas.
Caminhando por um longo corredor, gritou o senhor:
-Eliezer!... Eliezer!...
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