CAPITULO 1
DESILUSÕES DA VIDA
Para a humanidade, o “sentido da vida” ainda é
uma incógnita. Já para os poetas e caretas, o “sentido da vida” é Amar, o que
pra mim não passava de uma tolice.
O mundo em que um dia eu acreditei fazer parte,
na verdade nunca existiu. Minha vida inteira, passado, presente e sonhos foram
construídos sobre mentiras, como um castelo de cartas esperando a primeira
ventania para se dissipar. Somente quem passou pela experiência que eu passei
pode descrever a dor incurável que nos tormenta, a paz tirada e nunca mais devolvida.
Por que eu, Deus? Por que me faz, ainda hoje, lembrar como se fosse ontem? Até
quando serei condenado a carregar essa dor de uma alma que se tornou
hemofílica?
A história que contarei a partir de agora, é a
vida de um cara que conheceu, mesmo desacreditando, o verdadeiro Amor. De um garoto
arrependido, que daria sua vida para poder voltar no tempo e fazer diferente.
-Gael... Gael... Já são
oito e meia! – Acordava-me minha mãe.
-Já vou levantar... –
Respondi cheio de preguiça.
-Deixei leite quentinho
no fogão. Na geladeira tem salame, manteiga, requeijão e peito de peru
defumado. O pão e a geleia estão sobre a mesa. Não se atrase! –
Disse dando-me um beijo na testa.
Sempre morei em São Paulo. Quando eu tinha
dezoito anos meu pai foi embora de casa, fugindo com a melhor amiga de minha
mãe. Semanas depois veio a surpresa: ganharíamos um irmão.
Meu sonho de iniciar a faculdade parecia ter
chegado ao fim, tendo eu a responsabilidade de ajudar a sustentar a casa, pois
era o filho mais velho, já com o terceiro a caminho. Mas logo a esperança
voltou a reinar, pois minha mãe foi promovida na empresa em que trabalhava como
Corretora de Imóveis. Com uma renda maior, o dinheiro que eu ganhava passei a
investir na tão sonhada graduação em Enfermagem.
Ouvi
a porta da sala fechar. Coberto apenas por um lençol, de corpo nu, levantei-me.
Caminhei até o banheiro, cambaleando de sono em meio ao silêncio da casa vazia.
Levantei a tampa do vaso sanitário com os olhos entreabertos, de pênis ereto e
bexiga cheia. Aliviado, voltei ao quarto, peguei uma roupa e fui tomar um
rápido banho quente. A preguiça era muita, mas a necessidade de cumprir os
compromissos era maior.
Todos
os dias eu seguia a mesma rotina. Acordava, ia pra faculdade e depois ao
shopping, onde trabalhava como Vendedor em uma loja de grife esportiva. Naquele
dia, em especial, eu pude acordar um pouco mais tarde devido a ter apenas a
entrega de um trabalho acadêmico.
Sentei-me à mesa da cozinha para tomar café. Fiz
um breve sanduiche de pão, queijo branco e salame, acompanhado de um suco de
laranja que já estava pronto na geladeira.
Segui
para a faculdade feliz da vida por ser sexta-feira. A manhã estava ensolarada,
brisa suave, prometendo um dia perfeito para curtir.
“Se o seu coração é
absoluto e sincero, você naturalmente se sente satisfeito e confiante, não tem
nenhuma razão para sentir medo dos outros.” – Dalai Lama
Embora
não houvesse aula normal, aquela sexta-feira foi corrida. O shopping estava
lotado, a loja teve um ótimo movimento e consegui fazer várias vendas boas.
A única coisa ruim, ou melhor, as coisas ruins em
trabalhar em shopping é o tempo que nos consome e a inveja de algumas pessoas
que não conseguem se destacar naquilo que fazem.
-Parabéns, Gael!
Arrasou hoje! – Disse Gabriela, uma das vendedoras da loja.
-Obrigado! Bateu sua
meta?
-Finalmente! Dois dias
antes de fechar... Agora tô suave! E você?
-Consegui também. Hoje
vou dormir em paz. – Brinquei.
-O mês que vem vai ser
paulera...
-Nossa! Nem me fale,
Natal vai ser corrido...
-Vou indo, gatão.
-Tá certo. Até amanhã!
-Até. Beijo gente! – Despediu-se
ela passando por baixo da porta da loja entreaberta.
Assim que deixei o trabalho telefonei pra casa.
Ninguém atendeu. Mandei uma mensagem de texto pra minha mãe que logo respondeu
com outra, comunicando-me que não voltaria pra casa.
Num volto hj pra ksa
To na casa da sua tia
Bjs
Entrei no metrô, que por sinal estava lotado. Para
alguns a diversão estava só começando, enquanto que para mim, a cama era meu
destino final.
CAPITULO
2
UMA TRANSA E NADA MAIS
Cheguei em casa já passavam das 23h00. As luzes
estavam apagadas, e apenas o abajur sobre a mesinha de canto permanecia aceso. Deixei
a mochila sobre o sofá da sala e ali mesmo comecei a tirar a roupa.
Caminhava
em direção à cozinha quando o telefone tocou.
-Alô?
-Gael? –
Questionou meu irmão do meio.
-Fala, Jeferson?
-A mãe tá ai?
-Não... Hoje ela vai
ficar na casa da tia Lúcia...
-Tá certo. Já saí da
aula, vou dar um rolê com a galera...
-Toma cuidado com esses
cara que você tem saído...
-Sei me cuidar, mano. O
Dudu tá ai?
-Não, a mãe levou com
ela.
-Então beleza!
-Só voltam domingo.
-Tá bom.
Dudu,
nosso irmão caçula, adorava passar os finais de semana na casa da tia Lúcia,
onde podia brincar com nossos primos, todos na mesma faixa etária. Já eu e o
Jeferson não gostávamos muito, pois quase não havia o que fazer para pessoas de
nossas idades.
Desliguei
o telefone e troquei de roupa. Já que passaria o restante da noite em casa e sozinho,
resolvi pedir uma pizza.
Procurei o telefone da pizzaria na porta da
geladeira, mas não encontrei. Embora estivesse um pouco cansado, não desisti e
fui comprá-la pessoalmente, afinal, a pizzaria ficava apenas a duas quadras de
casa.
Entrei
no elevador. Olhei no relógio e já eram quinze para meia-noite. De bermuda,
regata e chinelo caminhava pela calçada sob um céu estrelado de uma noite de
verão.
Ao chegar na pizzaria avistei um belo rapaz
sentado na porta. Imediatamente pensei besteira, e quando meu olhar foi
correspondido empolguei-me ainda mais. Pele branquinha, mãos grandes. Aquele
garoto não deveria ter mais que vinte anos, no ponto do “abate”. Cheguei a
pensar que fosse um cliente aguardando pelo seu pedido, mas quando o rapaz questionou
ao balconista quantas pizzas já estavam prontas para entregar descobri que era
muito mais que um cliente. Fiquei excitado só de imaginá-lo em cima daquela
moto, suando de tanto trabalhar.
Mediante
a situação, mudei de ideia. Pedi para que minha pizza fosse entregue em casa,
já o imaginando indo entregá-la. Ao questionarem o sabor, respondi olhando para
ele:
-Calabresa!
Esboçando
um leve sorriso ele olhou-me ao mesmo tempo em que subia em sua moto. Que
tesão! Moleque de tudo, corpo magro e pernas ágeis empurrando aquele pedal.
-Seu pedido já está em
preparação. A previsão é de quarenta minutos. –
Disse o rapaz do caixa, mal humorado e horroroso por sinal.
Quando
percebi que ele não era o único entregador daquela pizzaria deixei claro para o
chato do caixa que só aceitaria se fosse aquele loirinho gostoso quem a
levasse, obviamente não com essas palavras.
Voltei
pra casa e fui direto tomar banho. Minha imaginação estava a mil, claro, não
perderia a oportunidade de arriscar naquele motoqueiro.
Ao terminar, enrolei apenas uma toalha à cintura
e tratei de interfonar para o porteiro pedindo:
-Douglas... Logo mais deve
chegar uma pizza que encomendei. Como não vou poder descer pra pegar, deixe que
o rapaz suba, beleza?
-Tudo bem...
-Valeu.
Voltei
ao meu quarto e passei um óleo de amêndoas no corpo como sempre fazia. Na sala
desliguei a TV e acendi o abajur. Não demorou muito e a campainha tocou. Liguei
o rádio e coloquei uma música lenta pra tocar.
Respirei
fundo. Abri a porta e lá estava ele, segurando o meu jantar. Naquela noite ele
ia ser meu, disso eu tinha certeza, e não sossegaria enquanto não conseguisse o
que tanto queria.
-Sua pizza! – Falou
ele olhando-me de cima a baixo vestido com apenas uma toalha.
-Entre...
-Não posso, tenho
outras entregas para fazer e...
-Deixa disso... Não vai
demorar!
-Licença...
Ele
sabia muito bem o que eu queria, e eu também sabia que ele estava querendo.
Propositalmente deixei a toalha cair, era o convite que faltava.
Fechei
a porta. Enquanto isso ele já foi pegando em minha cintura. Joguei aquela pizza
sobre o sofá e começamos a nos beijar. Safado! Eu tinha certeza que ele estava
me querendo, e antes que eu o pedisse já foi descendo suas calças.
Enquanto aquele motoqueiro suado mordia minha
orelha, ao mesmo tempo gemia em meu ouvido deliciosamente. Sem contar aquela
língua rígida descendo pela minha virilha antes de provar do meu sabor.
-Hum!... Eu sabia que
você tinha “a pegada”. – Sussurrei.
-Você quer rola? Então
toma, filho da puta! – Respondeu ele, também sussurrando.
Transamos
na sala mesmo, no sofá, no tapete, sobre a mesa. De bonzinho ele só tinha a
cara, porque na transa ele era muito experiente. Sabia fazer muito bem, porém,
não deixei a desejar, mostrei a que vim e o surpreendi, e a expressão em sua
face foi notória e, acima de tudo, satisfatória.
-Bom, agora preciso ir. –
Disse o motoqueiro colocando a camisa.
-Tá certo...
-Valeu, cara!
-Até.
Após
apertar minha mão como um amigo, saiu da mesma maneira que entrou, deixando em
mim aquele vazio que me envolvia todas às vezes que terminava uma transa.
Ainda
no escuro, deitei-me ao tapete da sala, de corpo. Com o olhar perdido, refiz,
como toda vez que algo desse tipo acontecia, uma reflexão. E a conclusão foi
mais uma vez unanime: usado como um objeto. Transar sempre foi uma de minhas
diversões prediletas, porém, depois de gozar eu sentia uma forte angústia,
quase sempre um arrependimento instantâneo e temporário. Certa vez combinei de
passar a noite com um rapaz que eu queria muito ficar, e depois de transar, uma
vontade imensa de ir embora me tomou de tal forma a me incomodar. Assim que ele
dormiu, deixei o motel e nunca mais quis vê-lo.
Nessas horas de conflitos eu contava com uma
amiga, Solange, única pessoa em quem eu confiava e desabafava sobre essas
coisas.
-Oi Gael!
-Oi Sol! Tá ocupada?
-Estou jantando... E
você?
-Também. –
Respondi desanimado.
-Olha, já entreguei seu
curriculum aqui no RH do hospital, falei de você pra selecionadora e agora é só
aguardar que logo eles te chamam. – Avisou-me ela.
-Você acha que tenho
chance? – Perguntei desanimado.
-Claro! Você é uma
ótima pessoa, ética, responsável... Só não vou afirmar que vão te chamar
amanhã, por exemplo, porque você sabe que nesse período de festas o país para,
né?
-Sei bem como é.
-Mas me conte... O que
você tem? Sinto sua voz triste...
-Será que existe depressão
pós-sexo? – Perguntei.
-Depressão pós-sexo?
Como assim?
-Acabei de transar com
o entregador de pizza... Estou me sentindo muito mal.
-Gael! –
Exclamou abismada. - Mas por que você
está assim? Foi ruim?
-Não... Foi muito bom
até, mas sabe quando você olha pra pessoa e ela se vai como se nada tivesse
acontecido?
-Nunca passei por isso,
mas acho que posso imaginar como seja...
-Você transa com alguém
que mal te beija e se despede como um amigo...
-Credo!
-Fico me sentindo um
objeto... Bate uma angústia, um aperto no peito, como se você valesse apenas um
jato de porra...
-Oh amigo! Não fica
assim...
-Vamos deixar isso pra
lá.
-Mas Gael, isso é culpa
sua também, porque você disse que não estava a fim de se envolver com ninguém.
-Eu sei... Na verdade
tenho medo de me envolver e depois passar pelo que passei no passado, mas ao
mesmo tempo sinto falta de alguém para me dedicar, oferecer meu amor, cuidar,
abraçar... Fazer coisas simples, como ir ao cinema ou tomar um sorvete no
parque. Entende?
-Claro que te entendo!
Posso te dar um conselho de amiga?
-Sim.
-Abra seu coração,
deixe que alguém te faça feliz... Se permita ser feliz!
-Será que estou
preparado pra mais uma decepção?
-A vida é uma
constante, Gael. Seja um lutador, e não um derrotado. Aposto que esse cara deve
tá com outro alguém curtindo o maior love, enquanto você tá aí cultivando essa
fossa...
Após
um profundo suspiro, respondi:
-Só o tempo dirá.
-Ele sim é o melhor
remédio. Amore, preciso voltar pro meu plantão.
-Tá bom, vai lá.
-Beijos e se cuida, tá?
-Você também. Bom
trabalho!
Adormeci
na sala, deitado sobre aquele sofá, sem nem tocar naquela pizza, sendo a única
testemunha da minha angústia e lágrimas na face.
“Toda ação humana, quer
se torne positiva ou negativa, precisa depender de motivação.” – Dalai
Lama
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