terça-feira, 25 de outubro de 2016

LIVRO NOVO: A PRIMEIRA PEDRA

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terça-feira, 30 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - ESCLARECIMENTOS




Os personagens Rustom e Cauê fazem parte de uma obra de ficção, apenas para mostrar alguns assuntos atuais que vêm tomando conta das discussões dos brasileiros. Com relação ao acidente da TAM, em momento nenhum esse livro tem a intenção de apontar culpados quanto ao acidente, muito menos denegrir a imagem de autoridades e empresas. Os depoimentos foram baseados nos publicados na mídia, proferidos pelos próprios parentes das vítimas em seus momentos de desespero.
            Referente ao personagem Rustom ser Emo e gay não quer dizer que seja proposital a classificação quanto a sua orientação sexual. Como ele diz no decorrer da história, nem todos são iguais, possuem personalidade própria, e que a tribo é um estilo musical, confirmado por outros pertencentes dela. Procurei mostrar da maneira mais imparcial possível o que são, como se comportam e os motivos, evitando adotar estereótipos.
            Lembrem-se: “A graça de viver, está nas diferenças.”


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 21


Alguns meses se passaram. O tratamento da Soraia surtiu efeitos mais que satisfatórios, pois a tornou outra mulher, mais feliz e segura de si mesma, além de exteriorizar sua beleza que se escondia por trás da tristeza. Nessa manhã acordei com a feliz notícia de que ela ganhou o primeiro lugar no concurso de Miss São Paulo, podendo mostrar àquelas pessoas que por diversas vezes a humilhou, o quanto se enganam com as outras, e de que o mundo dá voltas, onde somente os derrotados permanecem parados no mesmo lugar.
            O processo sobre as agressões contra a Jéssica e sua turma está correndo na justiça, enquanto todos nós, cidadãos de bem, torcemos para que os culpados sejam punidos, aliviando parte da dor das famílias que tiveram seus parentes vitimados pela violência gratuita provocada por jovens da classe média. Para nossa surpresa a Bianca decidiu testemunhar a nosso favor e contra sua amiga, deixando-me muito feliz. Pena que nem todos receberão o castigo merecido, pois o Cristiano e seus amigos faleceram há duas semanas, ao baterem o carro contra um poste durante a madrugada na Avenida Nove de Julho. Testemunhas disseram que estavam em alta velocidade, e a perícia constatou que o álcool foi o culpado pelo acidente.
            Até o momento não se ouve mais falar em crise aérea no país. Pousos e decolagens operando dentro da normalidade, e reparos foram efetuados nas pistas de Congonhas, depois de quase um ano enfrentando problemas e descasos.
            Hoje, vivo apenas por viver. Cada dia que passa, um pedaço de mim vai embora, deixando um buraco que não para de crescer, formando um poço de lágrimas sem fim, onde me afogo na saudade, e por mais que eu grite ninguém pode me salvar.

            Podem separar nossos olhares, mas nunca nosso coração.


sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 20




No sexto dia após o acidente, acordei com uma sensação estranha. Nada mais fazia sentido pra mim, tamanho era o vazio que aquele desastre me deixou. Ainda vestindo apenas uma cueca samba-canção, desci até a cozinha para beber um copo d'água, e ao chegar avistei a Soraia e o Kico sentados à mesa conversando com minha mãe.
            Assim que perceberam minha presença, pararam de falar.
-Bom dia!
-Bom dia!... Filho... Preciso falar com você...
-É, Tom...
            No fundo eu já sabia, e a presença dos meus dois melhores amigos à uma hora daquela só confirmaram minha suspeita:
-É o que estou pensando, não é?
-Foi identificado o corpo do Cauê.
-Corpo? Que corpo? Meu Cauê não é um corpo... Nós vamos pra praia, mãe... Vamos conhecer o mar... Ele disse que iria esperar por mim, ele prometeu...
            Chorando, a Soraia abraçou-me dizendo:
-Miguxo... Ele está presente... Em nossos corações pra sempre...
-Por que as pessoas têm que morrer, Sô?
-Não sei...
-Roubaram a minha vida, Sô.
-Nós estamos aqui para te apoiar, Tom.
-Mãe...
-Oi?
-Eu tô morrendo...
-Por favor, não diga uma coisa dessas...
            A identificação mais rápida do corpo do Cauê foi possível graças à Soraia, que comunicou o IML sobre o bracelete que supostamente ele estaria usando no momento do acidente, o mesmo bracelete que eu havia lhe dado antes de embarcar para sempre.
            Eu já não tinha mais lágrimas para chorar. Recebi um abraço como conforto, porém, remédio algum poderia curar minha dor. Eu já não sentia mais fome, sede, sono. Para dormir eu precisava da ajuda de remédios, pois nada mais eu sentia, como se deixasse de existir, de viver.
            Graças à Soraia e sua mãe, todos os trâmites burocráticos foram resolvidos para a liberação dos corpos, pois eu não tinha condições físicas nem psicológicas pra isso. É em hora como essa que nós vemos quem são nossos amigos de verdade, e graças a Deus eu tinha eles por mim.
            Acordei no dia seguinte graças à minha mãe, que entrou ao quarto trazendo em suas mãos um terno preto, pois se dependesse de mim, dormiria pra sempre. Ainda um pouco tonto, levantei-me da cama e perguntei:
-Mãe... De quem é isso?
-Seu.
-Pra quê?
-É que hoje terá a missa de sétimo dia das vítimas na Catedral da Sé...
-Missa... Nós vamos rezar pelo meu mozinho?
-Sim, meu querido.
-Eu tenho que vestir essa roupa?
-Sim.
-Tudo bem. Eu vou tomar um banho e já visto.
-Só não demore, porque a missa está marcada para daqui a pouco.
-Tá.
            Por baixo do terno vesti uma camiseta, com uma foto do Cauê estampada nela, assim como minha mãe, a Soraia, e todos aqueles que se sentiram solidários comigo.
            Chegamos à igreja e logo entramos. Estava lotada. Sentamo-nos à primeira fileira, onde estava reservada para os familiares. Eu parecia estar anestesiado, pois não sentia nada. Emocionada, a irmã da Irene veio cumprimentar-me, dando um forte abraço e molhando meu ombro com suas lágrimas. Segurando um lenço branco em sua mão esquerda, ela assuou o nariz e caminhou em direção à outra fileira.
            Permaneci sentado, calado, ferido. Enquanto a missa não começava eu observava o coroinha ascendendo as velas do altar. Na primeira fileira, uma senhora segurava em suas mãos um objeto, provavelmente pertencia ao seu ente querido vítima do acidente. A cada pessoa que a cumprimentava ela iniciava um ataque de choro, como se revisse os momentos de tortura, vendo quem ama sendo consumido pela parede de chamas daquela noite.
            Olhei para meu lado esquerdo e avistei a imagem de Nossa Senhora sentada, e em seus braços segurava seu filho Jesus, ferido. Fiquei imaginando a dor que ela sofreu naquele instante, incontavelmente maior que a minha, pois sendo mãe o sofrimento é indescritível.
            Acariciando meu cabelo, minha mãe disse:
-Você está bem, filho?
-Eu nunca estarei bem, mãe.
-Não fale assim, Tom...
-Mãe... Alguma vez você já se imaginou dentro de um tudo de vidro, sem oxigênio?
-Não.
-Pois é assim que estou me sentindo... Sufocado.
            Assisti à missa calado, com a cabeça apoiada ao ombro de minha mãe. Meus pensamentos estavam longe, perdidos, gritando por socorro em um deserto de tristeza. Ainda faltando um pouco para terminar a missa, o padre pediu para que eu fosse à frente, ou melhor, prestar uma homenagem ao Cauê.
            Não hesitei. Levantei-me de onde estava e caminhei em direção ao púlpito enquanto era aplaudido.
-Boa noite!
-Boa noite!
-Bem... Não estou em condições de falar muito, assim como a maioria de todos vocês, mas farei um esforço pelo grande amor que sinto... Perder alguém que se ama não é fácil. Somente quem já passou por isso sabe o quanto dói, marca... Está sendo muito difícil pra mim ter que me conformar com essa perda, e claro, já se tornou uma ferida incurável dentro do meu peito. Tem uma música que se chama “Cidade triste”, cujo a letra diz tudo que sinto nesse momento. Por isso, irei cantá-la agora, dedicando ao Cauê e todas as vítimas desse trágico acidente...
            Quando a banda começou a tocar a melodia, pensei que não iria conseguir continuar. Comecei a chorar, relembrando os momentos em que fui feliz ao lado do meu mozinho, e quando estava quase desistindo senti uma leve brisa me tocar. Naquele momento eu percebi que não estava sozinho, e que o Cauê estava ali, ao meu lado, esperando ansioso pela minha homenagem.

Cidade triste

A, dor, de ter ver ir embora,
Fechando as portas,
não dá pra entender

Eu, vi, a cidade sumindo,
Não têm mais sentido,
Não é mais, o meu lugar

Já tentei me perder,
pra não sofrer,
Agora tudo lembra você

E essa solidão,
que me faz ver

A cidade dos sonhos,
Não tem mais o brilho,
Tudo o que é belo se foi
Agora só restou uma cidade triste (cidade triste)

Composição: Indisponível
Intérprete: Juliana Baroni

            Fui aplaudido de pé. Olhando aquela multidão de pessoas a minha frente, percebi que consegui comover boa parte delas, além do padre também.
            A meu pedido, o corpo do Cauê foi cremado, e suas cinzas jogadas por mim ao mar, onde um dia eu havia prometido levá-lo para conhecer. Foi um momento muito especial, onde a brisa do mar cortando meu rosto fez-me sentir sua presença ali, comigo, como se quisesse me dizer que estava tudo bem, e que ainda me amava.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 19



A pedido da minha mãe, acabamos voltando para o aeroporto, pois a chuva começara a cair novamente. Nem a TAM nem a Infraero passavam qualquer tipo de informação sobre as vítimas. Era uma angústia que não tinha fim, e como se não bastasse o desrespeito com os familiares, o descaso nos faziam sofrer ainda mais.
-Filho... Não acha melhor irmos para casa?
-Mãe... Cadê o meu Cauê?
-Eu... Não sei, filho...
            Deixei em seu colo.
-Mãe... Por que Deus faz isso com a gente?
-Faz o quê?
-Tira de nós quem amamos?
            Emocionada, ela tentou explicar:
-É... É porque o Cauê era um garoto muito especial, por isso Deus o chamou mais cedo pra perto dele.
-Eu tô sofrendo muito...
-Filho, vamos pra casa... Não irá adiantar muito ficarmos aqui...
-Eu só saio daqui quando souber se ele realmente embarcou naquele avião.
-Se você soubesse o quanto eu estou sofrendo vendo você nesse estado...
            Com o olhar perdido, falei:
-Mãe... Eu e o Cauê vamos pra praia na sexta-feira... Vou levá-lo para conhecer o mar. Ele vai adorar...
-Filho...
-Está sentindo essa brisa?
-Estou.
-É ele, mãe... É o Cauê me tocando... Como ele havia prometido no telefone...
            Acariciando meus cabelos ela começou a chorar, e como se voltasse à realidade, chorei, desesperado:
-Aonde ele foi?... Sumiu sem me dizer nada... Será que ele não sabe que estou com saudade? Ele não pode me deixar aqui esperando...
-Rustom, você não está bem, filho.
-Mãe... Ele prometeu que iria voltar... Cadê meu amorzinho?

"-Você está bem?
-Estou... Cadê o Emílio?
-Quem é Emílio?
-Meu cachorro."

"-Faça-me feliz, Tom?
-Como?
-Torne-me seu... Por completo."

            Já passava das onze e meia da noite quando a Justiça de Porto Alegre tentava uma medida para obrigar a TAM a liberar a lista de nomes dos passageiros do voo JJ 3054, mas foi somente às meia noite e meia que a TAM divulgou seu 4º comunicado em seu site, com uma lista parcial de passageiros e funcionários:

                                  “COMUNICADO TAM 4 

               Todos nós da TAM expressamos os mais profundos sentimentos aos familiares e amigos dos passageiros, funcionários e tripulantes da empresa que estavam no vôo número JJ 3054, acidentado hoje no aeroporto de Congonhas.

Até o momento os nomes confirmados a bordo do vôo JJ 3054 são:

AKIO IWASAKI
ANDREA ROTA SIECZKOWSKI
ANDREI FRANÇOIS MELLO
CARLOS GILBERTO ZANOTTO
CASSIO VIEIRA SERVULO DA CUNHA
CLOVE MENDONÇA JUNIOR

FABIOLA KO FREITAG (funcionário TAM)
MARCEL CASSAL VICENTIM (funcionário TAM)
MICHELLE SILVEIRA UNTERBERGER (funcionário TAM)
RICARDO KLEY SANTOS (funcionário TAM) 
VINICIUS COSTA COELHO (funcionário TAM)

           A TAM está com seu Programa de Assistência às Vítimas e Familiares ativado desde os primeiros momentos após o acidente e disponibilizou um número de chamadas gratuitas voltado para o atendimento aos familiares dos passageiros e tripulantes deste vôo: 0800 117900.
               Qualquer outra informação relevante será comunicada imediatamente pela TAM.”  

            O sono vinha, mas a vontade de dormir não. Enquanto minha mãe falava com a Soraia pelo telefone, percebi pela sua expressão facial que logo não receberia boas notícias.
            Ao receber a confirmação através da minha mãe que o meu mozinho embarcou naquele voo, tive a certeza de que minha vida acabava ali.
-Tom...
-Oi?
-Humpf...
-Já divulgaram alguns nomes das vítimas...
            Comecei a chorar de soluçar, e olhando fundo em seus olhos questionei:
-Fala... Fala que ele não tava... Fala?
-Filho... Você precisa ser forte...
-Não... Não fala isso, mãe... Aonde foi o meu menino especial?
-Filho...
            Revoltado, gritei:
-Não é possível que Deus me tirou aquele que me deu sentido à vida... Nãooooooooooooooooooo... Como dói, meu Deus... Me leve com eleeeeeeeeeeeeeeeeeeeee... Me leve com você, Cauê... Eu não quero mais viver... Por quê? Por que você me deixou?

“-Alô?
-Alô... É o garoto dos meus sonhos que está falando?
-Sim... Dos seus sonhos mais reais!"

-Tom... Não fique assim... O céu ganhou mais um anjo, por isso que...
-Ah meu Deus!...Ele não pode ter me deixado...
-Calma, filho...
-Nãooooooooooooooooo... Diz que não é verdade... Diz que não é verdade...

"-Posso te contar um segredo, Tom?
-Pode!
-Pensei em você o final de semana inteiro."

"-Tom...
-Eu?
-Como é o vermelho?
-Bem... O vermelho é uma cor muito bonita, viva, chama atenção...
-É parecida com o verde?
-Hahaha... Não, o vermelho é uma cor muito mais quente, agressiva..."

-Eu queria muito poder dizer que...
-Não pode ser... Mãe... Nós vamos à praia... A gente combinou que nunca mais iríamos nos separar... Ele prometeu...

"-Você me promete uma coisa, Tom?
-O quê?
-Quando eu não estiver ao seu lado, você jamais me esquecerá?
-Mas por que isso?
-Promete?
-Só se você também me prometer...
-Eu prometo!"

“Assim não vale, Tom...
E por que não?
Porque você já conhece há mais tempo do que eu...
Hahaha... Isso é papo de quem está com medooooo...
Então me dê um beijo para me encorajar?”

-Filho...
-Ai meu peito... Ai...
-Rustom, calma...
-Deus... Cadê você agora que eu mais preciso?
            Suas palavras foram bloqueadas pela emoção que lhe apossou naquele momento. Todos os momentos em que passamos juntos vieram à tona, como um filme em minha memória. Seu sorriso iluminado, seu toque carinhoso, o beijo romântico, sua voz doce. Eu não me conformava em ter perdido aquele que um dia me ensinou que viver era a melhor coisa do mundo, e que não existe vida sem amor.
            No aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, familiares e amigos das vítimas receberam a divulgação parcial da lista de passageiros através de uma rádio, pois segundo funcionários da companhia TAM do aeroporto Salgado Filho, a empresa havia bloqueado o sistema por segurança, partindo de São Paulo o bloqueio.

“-Promete que vai me esperar?
-Pra sempre.
-Eu Emo você!”

“-Você me perdoa?
-Eu te amei desde a primeira vez que te conheci... A gente não perdoa um amor, apenas sente.”

            Foram filhos que perderam pais, mães que perderam filhos, maridos que perderam esposas, e todos com suas profundas feridas se perguntando: Até quando isso? Quantas pessoas mais serão necessárias perderem suas vidas para que os responsáveis pelo controle aéreo do país reveja nosso sistema?
            Dois dias se passaram e até aquele momento apenas 36 passageiros haviam sido identificados pelo Instituto Médico Legal. A empresa TAM informou que a capacidade da aeronave era de 174 passageiros e 11 tripulantes, sendo 185 no total, porém, houveram 187 mortes constatadas devido à presença de dois bebês de colo a bordo.
            Foram dias de angústia, sofrimento, tortura para todos aqueles parentes que aguardavam o corpo de seu familiar para poder enterrá-lo com dignidade, aliviando parte de um sofrimento eterno.



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 18



Enquanto as equipes de bombeiros faziam buscas às vítimas, familiares e amigos aguardavam por informações que nunca chegavam. No aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, uma sala foi reservada pela Infraero aos amigos e parentes dos passageiros.

"Vocês estão lhe dando com vidas, gente... Vida aqui fora e vidas que estão aqui ainda, que estão tendo dor, sofrimento."

            Já em Congonhas, foram direcionados para a sala de autoridades do aeroporto. Preferi não ir e aguardar por informações no próprio saguão, acompanhando a movimentação dos militares.
            Às 20h14 a companhia aérea TAM divulgou uma nota oficial sobre o acidente em seu site:

"A aeronave da TAM Airbus A320, vôo JJ 3054, que partiu de Porto Alegre, às 17h16, com destino ao aeroporto de Congonhas (SP), sofreu acidente no pouso no aeroporto em São Paulo.
Neste momento não podemos determinar a extensão dos danos ou de possíveis lesões sofridas pelos ocupantes do avião, passageiros e tripulantes. Uma equipe da TAM já está no local e outros técnicos da companhia estão a caminho. A assistência de emergência também está sendo prestada pelo Corpo de Bombeiros, Infraero e outras autoridades aeronáuticas.
A TAM já ativou seu Programa de Assistência às Vítimas e Familiares e disponibilizou um número de chamadas gratuitas voltado para o atendimento aos familiares dos passageiros e tripulantes deste vôo: 0800 117900.
Qualquer outra informação relevante será comunicada imediatamente pela TAM."

            O meu mundo desabou naquele momento. Impossível descrever a dor que senti no instante em que vi a possibilidade de ter perdido o grande amor da minha vida, dor essa que não tem cura, remédio, nem como explicar. Parecia que haviam feito um buraco em meu peito, deixado após arrancar meu coração em um único golpe fatal.
            Parte de mim deixava de existir. Ao nosso lado uma senhora chorava, segurando uma criança em seu colo que lhe perguntou:

“-Vovó... A mamãe já está chegando?
-Acho que a mamãe não vai mais voltar...
-Por quê?
-Porque a mamãe foi pro céu...”

            Sorte tiveram dois casais que conseguiram falar com seus parentes e receber a feliz notícia de que haviam deixado de embarcar no voo 3054. Por mais que eu tivesse certeza de que era o mesmo voo em que o Cauê e sua mãe embarcaram, agarrei-me na esperança deles terem mudado, se atrasado, pois haviam dito que alguns passageiros que eram para seguir no voo 3054, trocaram ou deixaram de embarcar.
            Eu pensei que fosse morrer junto, e para ser sincero, naquele momento essa foi a minha vontade. Meu olhos pararam de ver, meu coração parou de bater, meu pulmão de respirar. As lágrimas já haviam secado, e a única vontade que eu tinha naquele momento era de acordar, acordar de um pesado que parecia num ter mais fim.
            Abraçado à uma senhora, um rapaz dizia:

“-Ela tem que estar naquele avião de Curitiba, dona Vanda.
-Se Deus quiser.”

            Tocada, minha mãe falou:
-Deus nunca nos desampara, moço...
-É nele que estou me apegando agora.
-É seu parente?
-Minha esposa...        
            Abraçando o rapaz, a senhora completou:
-É a minha filha... Está grávida...
            Tanto sofrimento, tanta dor, tantas pessoas querendo apenas uma coisa naquele momento: informação. Sentei-me ao chão anestesiado pelo pesar da situação. No prédio da TAM Express, onde o avião havia colidido, bombeiros lutavam contra o incêndio de grandes proporções para resgatar os funcionários da empresa que trabalhavam no local no momento da colisão.
            Todos os meios de comunicação no Brasil estavam focados como tema principal o acidente, tornando-se notícia no mundo inteiro.
            Agachando-se de frente para mim, minha mãe questionou:
-Rustom... Vamos para casa, você não está bem...
            Não consegui falar, pensar, mover-me. Apenas meu corpo estava ali, pois minha alma vagava pelo ar, procurando uma razão pra viver, meu complemento chamado Cauê. Assim como eu, todos os familiares e amigos das vítimas só queríamos o que era nosso por direito: informação sobre quem havia embarcado naquele avião.
            Eu já não aguentava mais tanta tortura. Atravessei à Avenida Washington Luiz correndo em direção ao local da colisão. Toda a região ao redor foi isolada. O trânsito teve que ser direcionado para outras avenidas, causando um verdadeiro caos na zona sul de São Paulo.
            Ver aquele fogo ardendo e parte da cauda do avião sendo consumida me fez cair em si. O desastre levou apenas 28 segundos para acontecer, mas que marcaria eternamente a vida dos brasileiros.
            Cruzei a fita de isolamento e caminhava em direção aos destroços quando fui impedido por um bombeiro:
-Você não pode ficar aqui...
-Parte da minha vida pode estar la dentro...
-Lamento, mas é muito arriscado você ficar aqui.
            Nesse momento uma funcionária da TAM Express que se equilibrava na marquise do prédio pulou de onde estava, entrando em óbito com o impacto da queda. Minha mãe ficou horrorizada. Aquela cena foi traumatizante, ver o desespero daquela jovem mulher de cabelos lisos, que mesmo sendo aconselhada pelos bombeiros em permanecer onde estava, viu uma chance de se salvar e não morrer queimada pulando.
            Inferno. Essa foi a única palavra que eu consegui encontrar para descrever aquele ambiente. Enquanto o fogo ardia, eu conseguia ouvir os gritos dos bombeiros, funcionários da empresa que ainda permaneciam no interior do prédio, familiares. Junto com eles era possível ouvir a angústia, o medo, da dor de perder quem se ama. Olhando os destroços se perdendo às chamas, tentava imaginar o Cauê ali dentro, e só de pensar uma fisgada suprimia meu peito.


terça-feira, 23 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 17


No outro dia, assim que acordei telefonei para a Soraia. Conforme havia prometido para o meu amorzinho, aqueles que haviam lhe feito mal não ficariam impunes, e eu não poderia mais perder tempo, pois a experiência própria havia me dado a prova de que o silêncio custa muito caro.
-Alô?
-Oi... Por favor, a Soraia?
-Olá, Tom!
-Olá... Tudo bom com a senhora?
-Tudo sim. Aguarde só um instante que irei chamá-la.
-Obrigado.
-Alô?
-Oi Sô!
-Oi miguxo!
-Eu... Estou indo à delegacia fazer a denúncia contra aqueles...
-Quer que eu vá com você?
-Eu quero sim.
-Minha mãe vai sair com o carro... Você vai estar com o seu?
-Vou... Pode deixar que eu passo ai e te busco.
-Ótimo! Você se importa se o Kico for junto? É que ele dormiu aqui em casa e...
-Por mim não há problema algum...
-Você parece não estar muito bem, Tom...
-Estou precisando conversar um pouco...
-Claro! Irei ouvi-lo com prazer.
-Obrigado, miguxa.
-Até mais tarde.
-Até!
            Após o almoço, passei na casa da Soraia e seguimos logo depois para a delegacia, munido de todas as provas que havia conseguido. A queixa foi registrada mais rápido do que eu esperava, e se dependesse de mim, a justiça seria feita.
            A presença dos meus dois melhores amigos me fez bem, além do conforto de ouvir uma palavra amiga no momento em que eu mais precisava.
-Tom... Deus nos coloca à prova para testar até onde somos capazes de chegar, o tamanho de nossa fé...
-Talvez seja... Mas nos faz tão mal...
-Eu sei, mas tudo isso serve para que nos fortaleça cada vez mais.
-É tão bom ouvir uma palavra amiga...
            Dando-me um abraço a Soraia falou:
-Agora chega de tristeza. Vamos falar de coisas boas.
-E qual é a nova?
            Respondendo por ela, o Kico disse:
-A Soraia irá se inscrever no concurso de Miss Brasil.
-Sério?
-Sim... Graças ao Cauê...
-É mesmo, ele havia pedido... Nossa!
-O que foi?
-Que dia é hoje?
-Dezessete de julho, por quê?
-Se eu não me engano, é hoje que ele volta...
-Que legal!
-Eu vou para casa...
-Nós também vamos, pois com esse tempo chuvoso só dá vontade de ficar em casa namorando.
-Então vamos que eu deixo vocês em casa.
-Tudo bem...
            Enquanto caminhávamos até o carro a Soraia pegou seu celular e telefonou para a Jéssica, debochando de sua cara após a queixa que havíamos prestado contra ela e sua corja. Confesso que até senti vontade de participar, mas a ansiedade em rever o Cauê era tão grande que meus pensamentos foram longe.
            Cheguei em casa e avistei minha mãe sentada ao sofá, com a mão cobrindo seu rosto. Percebendo que algo havia acontecido, tranquei a porta e sentei-me ao seu lado perguntando preocupado:
-Mãe... Está tudo bem?
            Sem se mover ela respondeu:
-Por que você não me contou que é gay?
            Levantei-me do sofá assustado.
-Quem te falou isso?
            Olhando em meus olhos e chorando ela falou:
-Não sei... Alguém me ligou e disse que você namorava um aleijado...
            Gritei:
-Ele não é aleijado.
-Então é verdade!
-Eu... Eu sou gay sim.
-Ah meu Deus!
-Calma, mãe... Não precisa ficar assim... Isso não é um bicho de sete cabeças.
-Você fala como se fosse fácil viver nessa situação...
-Claro que não é fácil...
-Para uma mãe, qualquer comportamento de um filho que fuja do considerado comum pela sociedade causa preocupação... O mundo é cruel, Rustom...
-Como... Você ficou sabendo disso?
-Alguém me ligou e disse que você estava tendo um caso com um colega de classe... Mas não se identificou.
-Era voz masculina? Feminina?
-Parecia uma mulher.
            Nesse momento o telefone da sala tocou. Limpando suas lágrimas minha mãe atendeu, com a voz embargada:
-Alô?
            Apenas com o olhar ela contou-me quem era. Peguei o telefone para confirmar:
-Alô?
-Oi mozinho!
-Oi!... Cauê, você poderia me ligar daqui a pouco?
-Mas é que... Tudo bem.
-Depois eu te explico.
-Tá bom.
            Desliguei o telefone e logo em seguida ela olhou-me, e pela forma pedia a confirmação daquilo que já suspeitava:
-Sim, mãe... É ele.
            Após levantar-se do sofá ela subiu a escada em direção ao seu quarto, chorando. Confesso que fiquei triste pela forma com que ela ficou sabendo. Acredito que saber por você é bem melhor do que pela boca alheia, mas já que a verdade já havia sido exposta, não havia mais nada que eu pudesse fazer, aliás, havia sim, e o culpado pagaria muito caro.
            Subi para meu quarto triste, angustiado. Sempre tive um bom relacionamento com minha mãe, e todo aquele clima acabou fazendo-me mal, além do mais, ambos passamos por maus momentos menos de vinte e quatro horas antes. Deitei-me à cama pensando na vida, e assim acabei adormecendo.
            Acordei algum tempo depois, com o telefone tocando. Atendi bocejando:
-Alô?
-Tom?
-Oi Cauê... Desculpas por àquela hora...
-Aconteceu algum problema?
-Alguns... Você já me conhece, né?
-Claro... Do fio da cabeça aos pés.
-Cauê... Minha mãe descobriu tudo sobre nós.
-Mas como?
-Ligaram pra ela e contaram.
-Ligaram?
-Sim.
-Mas quem ligou?
-Não tenho certeza, mas desconfio da Jéssica.
-Safada.
-Deixe isso pra lá... Sabia que eu estou com saudade de você?
-Eu também... Mas eu tenho uma boa notícia...
-Qual?
-Estou voltando hoje para São Paulo.
-Sério?
-Sim...
-Que horas?
-Por volta das seis da tarde eu desembarco em Congonhas.
-Então eu vou te buscar no aeroporto.
-Oba!
-Em qual voo você vem?
-Ah... Não estou com os bilhetes aqui... Devem estar com a minha mãe, mas depois eu te ligo e passo.
-Ótimo!
-Não aguento mais esperar para ficar ao seu lado novamente.
-Ainda hoje você vai estar.
-E ninguém irá nos separar.
-Nunca mais.
-Te amo.
-Eu também.
            Desliguei o telefone feliz da vida. Peguei uma roupa e fui tomar um banho antes de sair. O relógio do meu quarto marcavam quatro horas. Ao sair do banheiro, voltei ao quarto com a toalha enrolada à cintura, peguei o secador de cabelo e voltei ao banheiro. Calcei o tênis e logo em seguida passei aquele perfume que o Cauê gostava.
            Desci à escada colocando a carteira no bolso traseiro da calça, quando minha mãe surpreendeu-me perguntando:
-Aonde você vai?
-Mãe!... Eu...
-Sem mentiras, Rustom... Por favor.
-Está bem... Eu vou até o aeroporto encontrar o Cauê. Posso usar seu carro?
-Eu vou com você.
-Tudo bem, eu vou de ônibus... O quê?
-É isso mesmo que você ouviu... Quero ir também.
            Aproximando-se de mim ela disse:
-Quero conhecer o responsável por fazer seus olhos brilharem, sorrir o dia todo...
            Eu não acreditei quando ouvi minha mãe falar aquilo.
-Você não está com raiva de mim, mãe?
-Raiva por quê? Por você ser esse menino maravilhoso que você é?
            Demos um forte abraço. Naquele momento eu tive a certeza de que não estava sozinho no mundo. Por mais que minha mãe tivesse enfrentado uma vida difícil em sua infância, chegando até a passar fome, nunca a vi maltratando alguém, querendo se vingar do mundo quando parecia que todos haviam virado às costas para ela. Sempre que eu precisava ela estava lá, com seu colo pronto para eu chorar, acompanhado de um carinho, uma palavra otimista para me dizer, no momento certo.
            Enquanto minha mãe dirigia, conversávamos:
-Por que você escondeu isso de mim, Rustom?
-Eu não tive intenção de te enganar, mentir... Quis poupá-la...
-Você deveria ter me contado.
-E te fazer sofrer? Correr o risco de ser rejeitado?
-Eu nunca faria isso.
-Não é tão fácil assim, mãe... A gente não sabe como será a reação de nossos pais...
-Humpf...
-Além disso, é constrangedor abrir sua sexualidade aos pais... É como um filho hétero dizer à mãe que prefere garotas com seios maiores, menores, genitália depilada de certa forma...
-Mas é diferente.
-Não, não é... Eu não sou anormal... Minha sexualidade não pode vir à frente de meus valores, não precisa ser exposta...
-Rustom... Isso tem alguma coisa a ver com suas brigas nos colégios?
-Sim.
            Foi bom ter esclarecido tudo de uma vez, sem mágoas e ressentimentos. Senti-me mais aliviado, sem culpa ou sensação de estar enganando alguém. Sei que sou uma pessoa de sorte por ter uma mãe como a minha, que mesmo sofrendo por ter um filho diferente, acolheu-me em seus braços.
            Ao entrarmos na Avenida Washington Luiz ela quis saber:
-E esse Cauê... Como ele é?
-O garoto mais perfeito do mundo... É carinhoso, meigo, inocente, puro...
-Você está feliz com ele?
-Muito!... Ele me ensinou muitas coisas...
-Ah é?... Como o quê, por exemplo?
-Graças ao Cauê eu aprendi que o valor das coisas não está em quanto elas custam, mas sim no tamanho da satisfação que podem proporcionar... E que a beleza das coisas está além do que os olhos podem ver...
-Que lindo!
-Você vai adorá-lo, mãe.
-Só pelo fato de fazer meu filho feliz eu já gosto dele... Você está com os dados do voo ai?
-O Cauê ficou de me retornar para me passar...
-Será que ele já não ligou?
-Não sei... O meu celular está sem sinal.
-Eu já falei pra você trocar de operadora... Olha que chuva?
-Ainda bem que já estamos perto.
-Só espero que o aeroporto não feche por conta disso.
-Ou o voo atrase...
            Chegamos ao aeroporto. Fazia frio naquele começo de noite em São Paulo, além de chover. Após deixarmos o carro no estacionamento, seguimos para a área de desembarque para esperar pelo Cauê.
            Enquanto caminhávamos pelo saguão, minha mãe apontou para o portão e falou:
-Vamos aguardar ali.
-Tá bem.
            Peguei em sua mão e a coloquei em meu peito dizendo:
-Olha como eu estou?
-Nossa!... Tudo isso é ansiedade?
-Não... É amor, mãe.
            Nesse momento ouvimos um forte barulho, seguido de um leve tremor. Pareciam fogos, devido ao breve clarão duplo que veio de fora, mas sabíamos que não era. Minhas pernas começaram a tremer. Olhei para minha mãe tentando achar uma resposta, mas seu silêncio também indiciava sua dúvida.
            O relógio do painel do aeroporto marcavam 18h51. Pouco tempo depois, começaram a desembarcar os passageiros de um voo vindo do sul. Após um forte aperto em minha mão, minha mãe falou:
-Será que ele está nesse?
-Não sei... Deixa eu tentar ligar pra ele...
-Mas filho, se ele ainda estiver no avião não poderá atender...
-Mas se eu ligar e der caixa postal saberei que ainda está voando.
            Peguei o telefone celular do bolso, e antes de começar a discar para o Cauê, notei que havia uma mensagem na caixa postal. Com o sorriso de orelha a orelha, exclamei:
-Tem recado na caixa postal!... Será que é o Cauê?
-Ouve para saber de quem é.
-É o que vou fazer...
            Digitei a senha e logo em seguida comecei a ouvir o recado do Cauê, como já suspeitávamos.

“Oi Tom!... Estou morrendo de saudade, não tirei seu bracelete nem por um minuto do braço... Estamos embarcando para São Paulo... Agora são 17h00... Os dados do voo... Ops!... É o voo 3054 da companhia TAM. Acredito que por volta de 18h50 estaremos pousando em Congonhas... Estou um pouco angustiado... Deve ser a saudade. Bem... Preciso desligar, tá? Olha... Todas às vezes em que você sentir a brisa do ar te tocar, sou eu lhe fazendo carinho. Um beijo, te amo!”

            Desliguei o telefone com o sorriso que ia de orelha a orelha. Naquele momento eu fui ao céu e voltei num piscar de olhos. A sensação que sentimos quando vivemos um amor é inexplicável, assim como a alegria que percorria minhas veias.
            Olhando-me minha mãe afirmou:
-Era ele...
-Sim... Ai mãe, não vejo a hora de poder abraçá-lo novamente...
-Em qual voo ele vem?
            Quando eu ia responder, nossa atenção foi desviada para uma mulher que começou a gritar descontroladamente, jogando-se ao chão desesperada, amparada por duas pessoas que, assim como ela, também choravam:

“Não... Meus filhos não...”

            Fiquei assustado. O clima começou a mudar naquele aeroporto. No inicio não se sabia o que havia realmente ocorrido, mas algum tempo depois já estava claro que se tratava de um acidente.
            Várias pessoas começaram a correr em direção ao balcão da TAM, enquanto dois bombeiros passaram por mim apressados, pedindo para que as pessoas abrissem passagem. Um tumulto começou a se formar, e preocupado, parei um homem que passava por nós apressado e perguntei:
-Moço, por favor, o que está acontecendo?
-Parece... Que um avião caiu...
-Avião? Ah meu Deus!
            Meu coração apertou. Um frio pela espinha subiu-me arrepiando todos os pelos do corpo. Minha frequência cardíaca duplicou, e as lágrimas começaram a descer sem que eu pudesse controlar. Horrorizada, minha mãe deu-me um abraço. Trêmulo, eu disse:
-Mãe... Estou com medo...
-Calma, Rustom... Vamos até o balcão da TAM ver se conseguimos alguma informação sobre o voo do Cauê.
            Várias pessoas começaram a se dirigir para o aeroporto, familiares e amigos. Muita gente passava por nós, aflitas, angustiadas, chorando. Até aquele momento, a Companhia aérea não tinha nenhuma informação concreta para nos passar, pedindo para que aguardássemos apenas. Uma espera angustiante, feita de dor, sofrimento.
-Ai, mãe...
-O que foi, filho?
-Diz que nada disso está acontecendo?
-Rustom... Não se precipite, filho...
            Meu peito apertou, e uma angústia enorme invadiu-me sem pedir licença. Tentávamos saber o que de fato havia acontecido, mas ninguém sabia nos dar qualquer tipo de informação.

"Eu só ouvi o barulho da queda do avião e o relâmpago na janela da cozinha, eu estava fazendo a janta, a geladeira tremeu eu vi um clarão. Na hora pensei que fosse um relâmpago."

"A gente só escutou o estrondo e saiu correndo, só depois a gente ficou sabendo do que aconteceu."

            Será que o voo dele atrasou? Será que pegou outro voo, perdeu o avião? Mas se ele estiver lá, será que sobreviveu? Geralmente, parentes das vítimas de acidentes aéreos se apegam à qualquer esperança que possa haver, mesmo às mais remotas, e comigo não foi diferente.

"Não dão uma informação decente, e ficam tratando a gente como se nós fossemos criminosos, é vergonhoso o que está acontecendo."

“Eu não sei o que vai acontecer agora, não sei qual o procedimento que vai ser tomado, como que eu vou chegar até meu filho.”

            Por volta dás 19h20 A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmou que 176 pessoas estavam a bordo da aeronave acidentada. Boatos e contradições haviam por todos os lados, deixando os familiares confusos e aumentando ainda mais nossa dor e sofrimento.
-Nãooooooooooooooooo... Não pode ser...
-Rustom...
            Ajoelhei-me ao chão.
-Deus... Não me abandone agora, por favor...
-Calma, filho... Vamos ter fé que...
-É o voo que ele disse que iria estar...
-Mas talvez ele não embarcou...
-Ai mãe, meu peito dói... Pelo amor de Deus, mãe... Me ajuda?...
-Como eu posso te ajudar, filho?
-Tira essa dor de dentro de mim, mãe?

            Recebi um abraço como resposta, mas a dor que eu estava sofrendo, assim como todos os familiares que ali estavam, não havia remédio que a confortasse, curasse aquela ferida que sangrava sem parar.