A pedido da minha mãe,
acabamos voltando para o aeroporto, pois a chuva começara a cair novamente. Nem
a TAM nem a Infraero passavam qualquer tipo de informação sobre as vítimas. Era
uma angústia que não tinha fim, e como se não bastasse o desrespeito com os
familiares, o descaso nos faziam sofrer ainda mais.
-Filho... Não acha melhor
irmos para casa?
-Mãe... Cadê o meu Cauê?
-Eu... Não sei, filho...
Deixei em seu colo.
-Mãe... Por que Deus faz
isso com a gente?
-Faz o quê?
-Tira de nós quem amamos?
Emocionada, ela tentou explicar:
-É... É porque o Cauê era
um garoto muito especial, por isso Deus o chamou mais cedo pra perto dele.
-Eu tô sofrendo muito...
-Filho, vamos pra casa...
Não irá adiantar muito ficarmos aqui...
-Eu só saio daqui quando
souber se ele realmente embarcou naquele avião.
-Se você soubesse o quanto
eu estou sofrendo vendo você nesse estado...
Com o olhar perdido, falei:
-Mãe... Eu e o Cauê vamos
pra praia na sexta-feira... Vou levá-lo para conhecer o mar. Ele vai adorar...
-Filho...
-Está sentindo essa brisa?
-Estou.
-É ele, mãe... É o Cauê me
tocando... Como ele havia prometido no telefone...
Acariciando meus cabelos ela começou a chorar, e como se
voltasse à realidade, chorei, desesperado:
-Aonde ele foi?... Sumiu
sem me dizer nada... Será que ele não sabe que estou com saudade? Ele não pode
me deixar aqui esperando...
-Rustom, você não está
bem, filho.
-Mãe... Ele prometeu que
iria voltar... Cadê meu amorzinho?
"-Você está bem?
-Estou... Cadê o Emílio?
-Quem é Emílio?
-Meu cachorro."
"-Faça-me feliz, Tom?
-Como?
-Torne-me seu... Por completo."
Já passava das onze e meia da noite quando a Justiça de
Porto Alegre tentava uma medida para obrigar a TAM a liberar a lista de nomes
dos passageiros do voo JJ 3054, mas foi somente às meia noite e meia que a TAM
divulgou seu 4º comunicado em seu site, com uma lista parcial de
passageiros e funcionários:
“COMUNICADO
TAM 4
Todos nós da TAM expressamos os
mais profundos sentimentos aos familiares e amigos dos passageiros,
funcionários e tripulantes da empresa que estavam no vôo número JJ 3054,
acidentado hoje no aeroporto de Congonhas.
Até
o momento os nomes confirmados a bordo do vôo JJ 3054 são:
AKIO
IWASAKI
ANDREA
ROTA SIECZKOWSKI
ANDREI
FRANÇOIS MELLO
CARLOS
GILBERTO ZANOTTO
CASSIO
VIEIRA SERVULO DA CUNHA
CLOVE
MENDONÇA JUNIOR
FABIOLA
KO FREITAG (funcionário TAM)
MARCEL
CASSAL VICENTIM (funcionário TAM)
MICHELLE
SILVEIRA UNTERBERGER (funcionário TAM)
RICARDO
KLEY SANTOS (funcionário TAM)
VINICIUS
COSTA COELHO (funcionário TAM)
A TAM está com seu
Programa de Assistência às Vítimas e Familiares ativado desde os primeiros
momentos após o acidente e disponibilizou um número de chamadas gratuitas
voltado para o atendimento aos familiares dos passageiros e tripulantes deste
vôo: 0800 117900.
Qualquer outra informação
relevante será comunicada imediatamente pela TAM.”
O sono vinha, mas a vontade de dormir não. Enquanto minha
mãe falava com a Soraia pelo telefone, percebi pela sua expressão facial que
logo não receberia boas notícias.
Ao receber a confirmação através da minha mãe que o meu
mozinho embarcou naquele voo, tive a certeza de que minha vida acabava ali.
-Tom...
-Oi?
-Humpf...
-Já divulgaram alguns
nomes das vítimas...
Comecei a chorar de soluçar, e olhando fundo em seus
olhos questionei:
-Fala... Fala que ele não
tava... Fala?
-Filho... Você precisa ser
forte...
-Não... Não fala isso,
mãe... Aonde foi o meu menino especial?
-Filho...
Revoltado, gritei:
-Não é possível que Deus
me tirou aquele que me deu sentido à vida... Nãooooooooooooooooooo... Como dói,
meu Deus... Me leve com eleeeeeeeeeeeeeeeeeeeee... Me leve com você, Cauê... Eu
não quero mais viver... Por quê? Por que você me deixou?
“-Alô?
-Alô... É o garoto dos
meus sonhos que está falando?
-Sim... Dos seus sonhos
mais reais!"
-Tom... Não fique assim...
O céu ganhou mais um anjo, por isso que...
-Ah meu Deus!...Ele não
pode ter me deixado...
-Calma, filho...
-Nãooooooooooooooooo...
Diz que não é verdade... Diz que não é verdade...
"-Posso
te contar um segredo, Tom?
-Pode!
-Pensei
em você o final de semana inteiro."
"-Tom...
-Eu?
-Como
é o vermelho?
-Bem...
O vermelho é uma cor muito bonita, viva, chama atenção...
-É
parecida com o verde?
-Hahaha...
Não, o vermelho é uma cor muito mais quente, agressiva..."
-Eu queria muito poder
dizer que...
-Não pode ser... Mãe...
Nós vamos à praia... A gente combinou que nunca mais iríamos nos separar... Ele
prometeu...
"-Você
me promete uma coisa, Tom?
-O
quê?
-Quando
eu não estiver ao seu lado, você jamais me esquecerá?
-Mas
por que isso?
-Promete?
-Só
se você também me prometer...
-Eu
prometo!"
“Assim
não vale, Tom...
E
por que não?
Porque
você já conhece há mais tempo do que eu...
Hahaha...
Isso é papo de quem está com medooooo...
Então
me dê um beijo para me encorajar?”
-Filho...
-Ai meu peito... Ai...
-Rustom, calma...
-Deus... Cadê você agora
que eu mais preciso?
Suas palavras foram bloqueadas pela emoção que lhe
apossou naquele momento. Todos os momentos em que passamos juntos vieram à
tona, como um filme em minha memória. Seu sorriso iluminado, seu toque
carinhoso, o beijo romântico, sua voz doce. Eu não me conformava em ter perdido
aquele que um dia me ensinou que viver era a melhor coisa do mundo, e que não
existe vida sem amor.
No aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, familiares e
amigos das vítimas receberam a divulgação parcial da lista de passageiros
através de uma rádio, pois segundo funcionários da companhia TAM do aeroporto
Salgado Filho, a empresa havia bloqueado o sistema por segurança, partindo de
São Paulo o bloqueio.
“-Promete
que vai me esperar?
-Pra
sempre.
-Eu
Emo você!”
“-Você me perdoa?
-Eu te amei desde a
primeira vez que te conheci... A gente não perdoa um amor, apenas sente.”
Foram filhos que perderam pais, mães que perderam filhos,
maridos que perderam esposas, e todos com suas profundas feridas se
perguntando: Até quando isso? Quantas pessoas mais serão necessárias perderem
suas vidas para que os responsáveis pelo controle aéreo do país reveja nosso
sistema?
Dois dias se passaram e até aquele momento apenas 36
passageiros haviam sido identificados pelo Instituto Médico Legal. A empresa
TAM informou que a capacidade da aeronave era de 174 passageiros e 11 tripulantes,
sendo 185 no total, porém, houveram 187 mortes constatadas devido à presença de
dois bebês de colo a bordo.
Foram dias de angústia, sofrimento, tortura para todos
aqueles parentes que aguardavam o corpo de seu familiar para poder enterrá-lo
com dignidade, aliviando parte de um sofrimento eterno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário