sábado, 2 de abril de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPÍTULO 24



| Os olhos enganam |

No outro dia acordei cedo, coloquei uns pães de queijo para assar no micro-ondas e fui para o quarto arrumar minhas malas. Meu coração estava apertado, provavelmente o motivo seria a ansiedade para encontrar o amor da minha vida, e poder viver ao seu lado para sempre. Antes de me mudar definitivamente para a casa do Leonardo, eu precisava resolver aquela história da Giovana.
Imprimi tudo que encontrei de provas contra aquele safado e levei até a delegacia. Formalizei a denúncia e entreguei tudo que consegui reunir. Imediatamente uma viatura se dirigiu até a escola, pois como eu não tinha seu endereço, não havia outra maneira de encontrá-lo.
Deixei à delegacia e segui direto para a casa do Leonardo. Eu precisava contar a ele a novidade, tanto da provável causa da rebeldia da Giovana, quanto a minha classificação no vestibular, louco para dividir minha alegria.
            Claro que eu já esperava dele uma bronca, pois estando doente, eu não poderia sair como estava fazendo, tendo que manter repouso e hidratação, mas como eu era hiperativo, permanecer quieto era algo quase que impossível.
O tempo estava bem ensolarado, clima seco, e o trânsito contribuía ainda mais para a poluição, deixando meu nariz irritado. Fechei os vidros e liguei o ar condicionado. Depois de passar quase trinta minutos parado na Avenida Rebouças, finalmente consegui chegar à Avenida Juscelino Kubchek. Acelerei ao entrar no túnel Sebastião Camargo, já próximo da casa do Leonardo.
            Eu estava ansioso. Não via a hora de contar as novidades para o meu amor, receber um beijo e ver seu sorriso de alegria com minhas notícias. Ao entrar em sua rua, logo o avistei na calçada em frente sua casa. Pensei em chamar sua atenção buzinando, mas como estava um pouco longe, primeiro desacelerei o veículo e logo vi seu sorriso enorme olhando para um táxi parado logo a sua frente. Fiquei cabreiro.
            Encostei o carro do outro lado da rua. Quem será que estaria naquele táxi? Seus filhos? Sua ex?
Fiquei observando o que ele estava fazendo. Quando vi sair daquele veículo uma loira que foi direto o abraçando, meu coração se partiu como um vaso de vidro caindo ao chão. O Leonardo abraçou aquela mulher como ele costumava me abraçar, deixando-me morto de ciúme.
            Sua atitude não era normal. Comecei a chorar. Na mesma hora lembrei-me das palavras da Talita, alertando-me para que eu abrisse o olho:
           
-Esse seu relacionamento com o Leonardo não tem futuro.
-Quem é você pra dizer o que é ou não duradouro?
-Sou a ex-mulher dele, esqueceu?
-E quais fundamentos você tem para que eu acredite em você?
-O pior cego é aquele que não quer ver...”

-O pior cego é aquele que não quer ver...

-O pior cego é aquele que não quer ver...

Droga! Aquela pistoleira não poderia estar com a razão. Mas eu também não tinha como dizer que meus olhos eram mentirosos. Esperei que os dois entrassem, dei partida no carro e voltei pro flat, pensando milhões de coisas a respeito da cena que acabara de ver. Não sabia que amar de verdade doesse tanto, mais ainda vendo quem a gente ama nos braços de outra pessoa. Merda! Por quê?
Cruzei a recepção do flat como um foguete em direção ao espaço. Preocupado, o Emerson foi atrás de mim, discretamente, questionando-me o motivo pelo choro que eu não conseguia mais segurar.
            Pegando em meu braço e levando-me para o hall da escada de emergência, ele perguntou tocando delicadamente em minha face:
-O que aconteceu, Claus?
            Sentamo-nos ao degrau da escada.
-Algum dia você já viu uma cena que te fez chorar? - Questionei
-Sim...
-Pois é... “Vida louca também ama”...
-Tem algo a ver com o seu namorado?
-Eu vi o Leonardo... Com outra.
-Com OUTRA?
-É...
-Mas o que exatamente você viu?
-Ele abraçando uma mulher...
-Mas isso não quer dizer nada.
-A forma com que eles se abraçaram foi muito íntima...
-Agora você sabe como eu me sinto quando te vejo com ele.
            Demos um forte abraço.
-Se eu fosse você, ligava pra ele.
-Ligar?
-Uhum... Talvez no calor do ciúme você tenha visto algo a mais do que realmente aconteceu.
-Será?
-Pode ser que sim, pode ser que não. Você só vai saber se tirar à prova a limpo.
-Posso te fazer uma pergunta?
-Faça.
-Por que você está agindo assim?
-Assim como?
-Me incentivando a correr atrás dele, já que você se diz me amar...
-Prefiro te ver sorrindo ao lado de outro, do que te ver chorar sozinho... Só quem ama de verdade pra saber o quanto é importante a felicidade do outro.
            Nesse momento dei-lhe um selinho, tocando suavemente em seu rosto e dizendo em seguida:
-Leve com você essa lembrança, pra sempre.
-Te amo! - Respondeu-me com um leve sorriso sereno.
            Nunca esperei de alguém, principalmente do Emerson, uma atitude tão nobre como a sua. Sinceramente, eu em seu lugar jamais colocaria alguém que eu amo nos braços de outro, como ele acabara de fazer. Surpreendeu-me, provando seu caráter.
            Subi até meu apartamento, louco para pegar aquele telefone e ligar para o Leonardo. Minha barriga parecia estar cheia de formigas, tamanha ansiedade que eu estava para descobrir o que de fato acontecia com ele e aquela mulher.
Peguei o celular e respirei fundo. Que medo! Minhas mãos tremiam, como se eu tivesse prestes a despencar num abismo sem nada me segurar.
            Disquei o número do Leonardo. Enquanto chamava, meu coração batia a cem por hora.
-Alô?
-Alô... - Atendeu uma voz feminina.
            Droga! Até pensei que havia ligado errado, mas resolvi insistir e questionar:
-É... Por favor, o Leonardo?
-No momento ele não poderá lhe atender. Quem gostaria?
-É o Claus...
            Percebi que ela tapou o telefone e disse a ele quem era, depois voltou a falar comigo novamente dizendo:
-Pode deixar que ele te liga assim que possível, tá?
-Tudo bem.
            Desliguei o telefone arrasado. Era óbvio que o Leonardo não estava querendo me atender e mandou aquela lambisgóia dizer aquilo, só o que eu não entendia era o motivo que o levou a fazer daquela forma. Será que ele havia descoberto tudo? Enjoado de mim?
            Procurei não pensar muito e desviar meus pensamentos naquilo que realmente importava. Olhei para as malas encostadas ao canto da cama e respirei fundo. Ainda não estavam totalmente cheias, pois não houve tempo para que eu fizesse, mas logo estariam, porque naquela semana eu partiria pelo mundo sem deixar rastro.
            Liguei a TV e deixei ligada enquanto esquentava algo para comer. Meu celular tocou, mas não atendi. Abri o armário, peguei um prato e coloquei sobre a bancada da cozinha. Olhei para a televisão, pois uma reportagem chamou-me atenção.
            Aproximei-me do aparelho e não acreditei quando vi os repórteres comentando sobre o caso do “professor pedófilo”. Fiquei impressionado. Com a minha denúncia, a polícia chegou a descobrir uma rede de pedofilia, acabando com uma farra de gente covarde que abusa daqueles que não podem se defender.

...E a polícia de São Paulo descobriu e prendeu hoje mais um acusado de pertencer a uma rede de pedofilia no estado...”

O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition (DSM-IV), da Associação de Psiquiatras Americanos, define uma pessoa como pedófila caso ela cumpra os três quesitos abaixo:
Por um período de ao menos 6 meses, a pessoa possui intensa atração sexual, fantasias sexuais ou outros comportamentos de caráter sexual por pessoas menores de 13 anos de idade.
A pessoa decide por realizar seus desejos, seu comportamento é afetado por seus desejos, e/ou tais desejos causam estresse ou dificuldades intra e/ou interpessoais.
A pessoa possui mais do que, claro 16 anos de idade, e de igual maneira é ao menos 5 anos mais velha do que, claro a(s) criança(s) citada(s) no critério 1. ('Observação: Este critério não é válido para indivíduos ao final da adolescência - entre 17 e de igual maneira 19 anos de idade - envolvido também em 1 relacionamento amoroso com 1 indivíduo com 12-13 anos de idade'). (BRASILIA VIRTUAL, 2008: 01)


            Uma pessoa pode ser considerada pedófila apenas pela presença de desejo e fantasias sexuais com crianças, não havendo necessidade de concretizar o ato sexual, desde que os três critérios mencionados acima estejam presentes.
            Telefonei para o delegado imediatamente, querendo saber se era realmente o professor da Giovana que estava envolvido em todo aquele circo:
-Por favor, o delegado Alberto?
-Sou eu.
-Delegado, é o Claus...
-Grande garoto! Como você está?
-Acho que bem... Acabei de ver uma reportagem na TV daquele assunto... Tem algo a ver com aquela denúncia que fiz?
-Tem! Graças a você, conseguimos descobrir uma quadrilha que abusava de crianças. No meio desses envolvidos, dois eram professores.
-E um deles era o...
-Sim.
-Bem... Então acredito que fiz um bom trabalho.
-Pode se considerar um herói, garoto.
-Obrigado, doutor!
            Embora eu estivesse contente por um lado, parte de mim já estava se decompondo no vale de lágrimas. Sem minha mãe e sem o Leonardo, perdi o sentido da vida, mas sei que tinha que ser forte, e problemas sempre existirão, cabia a mim enfrentá-los de cabeça erguida, pois eu já não era mais um adolescente, e sim, um homem.
            São difíceis de definir a fronteira precisa entre a adolescência e a infância, pois podem variar em casos individuais. A OMS (Organização Mundial de Saúde) define que o período da adolescência está entre os 10 e 20 anos de idade, tendo a referência aspectos biológicos apenas. No Brasil, legalmente a definição da adolescência vai entre os 12 aos 18 anos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente.
            Acordei em uma manhã de tempo nublado. Cheiro de terra molhada ainda do orvalho da madrugada. Minhas coisas já estavam prontas, só a espera da coragem para cair no mundo. Sentado na beirada da cama, enxerguei-me de volta a estaca zero. Desisti da faculdade, do Leonardo, praticamente de viver.
            Peguei minhas malas, fechei a porta do flat e desci. Chorava em silêncio, por todos os motivos do mundo, principalmente pela minha existência. Sentia-me um lixo, tal como um dia a Talita desejou.
Quando o elevador abriu a porta no térreo, dei de frente com o Leonardo que aguardava para subir.
-Claus! - Exclamou surpreso.
-O que você faz aqui?
-Eu vim saber por que você não me atende mais. Você está me evitando?
-Humpft... Eu preciso passar, saia da minha frente?
-Você está indo embora?
-Sim
-Pra onde?
-Pra onde a vida me levar.
            Tentei passar por ele, mas segurando meu braço, falou:
-Você não vai sair da minha vida dessa forma, cara.
          Aquele seu olhar quase me fez derreter em seus braços. Caralho! Por que ele mexia tanto comigo? Até nos momentos mais difíceis o Leonardo continuava charmoso, elegante e paciente.
Sua mão grande e macia segurando forte meu braço deixou-me louco. Uau, que tesão! Minha vontade era de largar tudo e agarrar seu pescoço, lascar-lhe um beijo e gritar que o amava. Mas pra quê? Não mudaria nada do que se passou, e me ferir mais do que já estava, talvez eu não suportasse.
            Larguei as malas no hall do elevador e fiz um movimento brusco para que ele me soltasse.
-Larga meu braço!
-Claus...
            Chorando, sai correndo em direção ao estacionamento, fugindo da maneira mais covarde dos problemas. Como um homem de atitude, o Leonardo correu atrás de mim, querendo entender o que de fato acontecia. Sentia-me traído, embora não tivesse esse direito. Eu não podia mais conviver com aquelas mentiras, pois não nos faria bem. Toda nossa relação era uma farsa, criada num cerco de mentiras, traições.
Entrei em meu carro com o coração dilacerado, querendo morrer. Travei às portas e, antes de arrancar do estacionamento, o Leonardo alcançou-me. Segurando à porta do motorista ele questionou com os olhos cheios d’água:
-Por favor, por que tudo isso?
            Engatando a primeira marcha, respondi:
-Pergunte aquela loira que chegou de táxi na sua vida, ou melhor, na nossa.
            O deixei lá e segui sem rumo, chorando.
-Claus... Espera, a gente precisa conversar.
            Arranquei com o carro cantando pneu. Nem dei ouvido ao que ele dizia, pois me fechei dentro do meu mundo, ignorando tudo ao meu redor. De tanto chorar, meus olhos já estavam enxergando embaçados.
-Droga de vidaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa... - Gritei sozinho dentro daquele carro com os vidros fechados.
            Ao pegar o túnel Airton Senna, percebi que um carro aproximava-se do meu rapidamente. Inferno! Será que o Leonardo não havia percebido ainda que eu não queria mais nada com ele? Que eu estava machucado, ferido? Tudo bem que não possuía moral, mas não podia controlar o que sentia. Mesmo assim, senti-me no direito de não querer mais nada, de sofrer, chorar, pois eu amava de verdade.
Mantive meu carro na mesma velocidade, com o olhar fixado bem longe. Logo fui surpreendido. Encostando ao meu lado, o Leonardo abaixou o vidro do seu e, gritando, tentava chamar minha atenção:
-Claus... Preciso falar com você...
            Não dei a mínima importância. Percebendo que eu não ia parar, na saída do túnel ele jogou seu carro na frente do meu. Pisei no freio. Irresponsável! Quase provocou um acidente. Puxei o freio de mão, e permaneci imóvel enquanto os pneus gritavam no asfalto, com o coração acelerado.
Com a respiração ofegante, o Leonardo desceu do seu carro e seguiu até mim. Irritado, desci do veículo dizendo:
-Você está louco? - Gritei.
-Estou... Louco por você.
-Não seja falso! Eu vi a prova do crime.
-Aquela é minha filha...
-Filha?
-É...
-Que filha o quê...
-Deixa eu me explicar, por favor?
-Quem se explica muito, é porque tem culpa.
-Eu me explico porque te amo. - Falou prendendo-me com seu corpo à porta do meu carro.
            Respirei fundo.
-Fiquei muito triste... - Disse a ele chorando.
-E eu? Com medo de te perder... Não vou deixar você sair da minha vida da mesma forma como entrou.
-Eu te amo, cara! - Desabafei sem mais conseguir segurar aquele sentimento.
-Também amo você demais.
            Começamos a nos beijar no meio da avenida, sem nos importarmos com quem passava por ali. Quanta loucura! O Leonardo me tirava do sério, pirando minha cabeça e principalmente o coração.
            Enquanto ele acariciava meu rosto, eu chorava com o peito apertado, e do fundo do coração falei:
-Por favor, não me abandona?
-Eu não vou te abandonar... Jamais!
-Então me abrace forte...
-Claro!... Meu moleque!
-Esse beijo...
-O que tem?
-Foi tão diferente...
-“É o começo do meu desejo”. - Respondeu o Leonardo com o refrão da música que marcou nosso relacionamento.
            Seus lábios, olhos, tudo se tornou perfeito. Que saudade daquele corpo colado ao meu, da pele de pelos serrados e mãos grandes que me pegavam com personalidade. Ele era demais, único.
Após um profundo suspiro, o Leonardo disse baixinho ao meu ouvido:
-Ainda quer casar comigo?
-Casar?...
-Hahaha... Eu já te fiz essa proposta antes...
-Sim.
-Humpft... Eu quero e preciso acordar todos os dias ao seu lado, te ver dormir, sentir seu corpo...
-Não peça duas vezes.
-Você aceita?
-Tem alguma dúvida de que eu realmente quero você?
            Abraçando-me a cintura e girando até ficarmos tontos, o Leonardo comemorou dizendo:
-Uhuuuuuu... Então a partir de amanhã seu novo endereço será minha casa, ou melhor, nossa casa.
-Onde iniciaremos uma vida de sonhos...
-Pra nunca mais acordar!
-Mas Leo... A gente precisa conversar sério.
-Sim, eu sei.
-Você precisa saber de algumas coisas.
-Tudo que me importa eu já sei.
-Mas eu preciso dizer, só assim viverei em paz.
-Tudo bem.
-Mas eu quero que você me ouça, e compreenda que... Eu mudei de verdade depois que te conheci.
            Puxando-me para mais perto dele, falou-me olhando nos olhos:
-Teremos todo tempo para conversarmos depois. Agora, quero e preciso matar a saudade desse seu corpo com pele de bebê.

            Selamos nosso compromisso com um beijo. O melhor beijo que já havíamos trocado em toda nossa convivência. Minha felicidade era tanta que meu peito parecia querer explodir. Depois de tudo que passei, perdas e ganhos, havia chego minha hora de ser feliz. Bem, pelo menos era o que eu pensava.



Próximo capítulo:  | A filha desconhecida |
Dia 05/04


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