CAPITULO 2 - MUDANDO DE SALA
Durante aquela noite tive um pesadelo horrível
com o Cauê. Talvez fosse a preocupação e ansiedade pelo que acontecera, porém,
mesmo sendo um sonho deixou-me muito angustiado. Ao acordar não conseguia me
lembrar de nada. Olhei no relógio e faltavam dezessete minutos para as seis.
Bocejando, desci até a
cozinha. A cafeteira estava ligada. Logo apareceu meu pai, que me cumprimentou
com um “bom dia” seco e a cara fechada, típico mau humor ao acordar que ele
tinha como ninguém mais. O clima entre ele e minha mãe parecia não estar nada
bem.
De
óculos escuro e colocando os brincos, minha mãe apareceu à cozinha exclamando:
-Bom dia!
-Bom dia, mãe!
-Rustom, vou precisar do carro hoje.
-Tudo bem, eu pego um ônibus.
-Não é necessário. Eu te deixo na faculdade e depois vou trabalhar.
-Ah... Tudo bem então.
Sem dizer nada, meu pai saiu
batendo a porta da sala. Enquanto isso eu e minha mãe tomávamos nosso café,
calados. Achei estranho ela usar um óculos escuro dentro de casa, mas também
fiquei sem graça de perguntar.
Já no carro, o caminho todo
ela foi calada, dando respostas fechadas ao que eu perguntava. Às vezes eu
percebia em minha mãe uns comportamentos estranhos, pensava até que fosse
coisas de mulher, e por isso evitava querer saber mais do que ela quisesse me
contar.
Ao
chegar na faculdade, nos despedimos com um beijo, em seguida ela foi trabalhar.
Eu sentia que alguma coisa havia acontecido, mesmo não me contando, eu a
conhecia, e tinha certeza que queria me contar, mas lhe faltava coragem.
Na hora do intervalo desci até
a praça de alimentação para comprar um sanduíche de pão sírio que eu adorava.
Sobre os azulejos brancos das paredes havia um cartaz informando os alunos
sobre as novas carteirinhas da escola, próximo ao portão que dava acesso ao
prédio de Medicina. Ouvindo meu MP5 notei que as mesas estavam vazias, e
ao aproximar-me mais avistei o Cauê tomando seu suco de melão.
Comprei
meu sanduíche, aproximei-me dele e tapei seu olho, de forma a brincar com o
Cauê. Ao tocar em minhas mãos ele deu um sorriso e exclamou em seguida:
-Rustom!
-Acertou! Posso me sentar aqui com você?
-Mas é claro... Queria muito te rever.
-Ah é?
-Sim... Para lhe agradecer por ontem.
-Eu também queria te ver.
-Sério?
-É... Para ter certeza que você está bem.
-Poderia estar melhor se as pessoas me entendessem.
-Por que está dizendo isso?
-Porque o pessoal da sala fica me caçoando...
-Caçoando por quê?
-Porque não enxergo.
-Humpft... Que idiotice...
-Fico muito triste...
-Essas pessoas não sabem reconhecer o verdadeiro valor das outras.
-Acho que vou desistir de fazer faculdade.
-Por causa disso?
-É...
-E vai entregar o ouro na mão do bandido?
-Como assim?
-Se você desistir, eles vão se sentir vitoriosos e você estará dando
razão a eles...
-Mas eu fico muito chateado.
-Pois não fique. Mostre a eles que você é mais forte do que aquelas
piadas destrutivas.
-Humpft... Você não sabe o quanto suas palavras me fazem bem.
-Posso te contar um segredo?
-Pode.
-Eu também me senti super bem na sua companhia.
-Sério?
-Sim...
-Nossa!... Ninguém nunca disse isso para mim antes.
-Nunca?
-Nunca.
-Então agora eu disse. Pronto.
Sem
que eu esperasse ele começou a chorar.
-Ei... Por que você está chorando?
-Porque fiquei emocionado.
-Nossa... Eu que sou o Emo e você quem chora.
-Emo?
-É...
-O que é isso?
-Bem... Emo é um estilo de música mais sentimental dentro da categoria
do Rock.
Emo
é a abreviação da palavra inglesa Emotional, pertencentes a um gênero de
música denominado Emotionalcore, derivado do Hardcore.
Originalmente o termo foi dado às bandas do cenário Punk da cidade de Washington,
que compunham num ritmo mais emotivo que o habitual.
Hoje
em dia, Emo tornou-se um rótulo para os adolescentes que usam roupas com
pelo menos dois números menores que seu biotipo, com franjas caídas sobre os
olhos, mochilas com bottons e chaveiros com bichos presos aos zíperes,
munhequeiras, entre outros.
Esboçando
um pequeno sorriso o Cauê exclamou:
-Que legal!
-Legal nada, se você soubesse o tanto de preconceito que já sofri e
ainda sofro por isso.
-Não entendo...
-O quê?
-Se você é uma pessoa pelo amor, por que existem aquelas que não gostam?
Os
Emos se autodefinem como sensíveis, carinhosos, calmos e que não gostam
de briga, querem apenas amar e serem amados. Por chorarem com frequência e pela
forma com que se tratam entre si acabam sendo mal compreendidos, recriminados,
marginalizados, agredidos verbalmente e fisicamente por outras tribos,
ofendidos, vítimas de preconceito quase que constante.
Existem várias versões
que tentam explicar a origem desse termo, mas a versão mais aceita como sendo a
real é a de que o nome foi criado por publicações alternativas, tal como o
fanzine Maximum RocknRoll e também a revista Thrasher, para falar
sobre a nova geração de bandas de hardcore emocional que mostrava no
meio dos anos 80, derivadas de algumas bandas da gravadora Dischord de Washington.
No
Brasil, o estilo Emo começou a ganhar muita influência a partir de 2003,
começando por São Paulo e espalhando-se depois para todo o país, influenciando
adolescentes não apenas a um estilo musical, mas também pelo comportamento
emotivo e tolerante de ser. Dentro da cultura alternativa, quando alguém
demonstra muita sensibilidade diz-se que é ou está tornando-se Emo.
-Na verdade, a maioria daqueles que não gostam nem sabem o motivo,
simplesmente não gostam porque o colega disse que também não curtia. Não
fazemos nada de mal a ninguém, apenas acreditamos no amor.
"Esses
dias na escola eu estava respondendo o caderno de perguntas da minha melhor
amiga, e tinha uma questão perguntando o que a pessoa achava dos Emos. Ela
respondeu que Emo era uma palhaçada e que eram gays. Fiquei muito chateada com
ela, chegando a conclusão de que ela não gosta de mim, não era minha amiga
verdadeira, porque se fosse não iria estar falando isso dos Emos e me apoiaria
em qualquer mudança." (Srtá Nahty, 15 anos, São Paulo)
-Eu imagino, Rustom...
-Posso te contar um segredo?
-Claro!
-Eu já fui expulso de três colégios em um único ano.
-Nossa!... Pelo fato de ser Emo?
-Não, por envolvimento em brigas.
-Mas você não disse que é contra tudo isso?
-E sou, mas diferente da maioria dos Emos, não sei apanhar e ficar
calado.
-Batiam muito em você?
-Tentavam, mas eu sei me defender muito bem, e também não sou de chorar
por qualquer coisa.
-Entendo.
-Vamos subindo? O professor já deve estar na sala...
-Tudo bem.
Ao
nos levantarmos, peguei em seu braço quando ele falou:
-Não...
-O que foi?
-Deixe que eu seguro em você.
-Ah!... Tudo bem...
-As pessoas têm mania de pegar pelo braço da gente e puxar de uma forma
que machuca...
-Sério?
-Sim... Fora aquelas que gritam no nosso ouvido achando que além de
cego, somos surdos.
-Que horror! Acontece muito isso?
-Sim, principalmente quando pedimos ajuda ou informação na rua...
Enquanto
caminhávamos em direção ao elevador, notei que algo de estranho estava acontecendo.
As pessoas passavam por nós rindo, cochichando. O motivo eu descobri logo,
assim que percebi um papel colado às costas do Cauê onde estava escrito “me
chute”.
Tratei
de tirá-lo sem que ele percebesse, pois poderia magoá-lo ainda mais do que já estava.
Esse tipo de coisa deixa-me revoltado, pois enquanto somos punidos e obrigados
a nos esconder para demonstrar o amor, guerras acontecem diante aos nossos
olhos em plena luz do dia.
Após
acompanhá-lo até sua sala, voltei para a minha que ficava ao lado. O segundo
dia de aula até que foi melhor que o primeiro, pois a matéria era mais
interessante e o professor, jovem, bem mais comunicativo e espontâneo. Ele
parecia ter “recarregado as baterias” , pois passou tanta lição que meu braço
já começava a doer.
Ao
término da aula, juntei minhas coisas na mochila e parei em frente a sala do
Cauê para ver se ele já estava de saída, mas ao aproximar-me avistei o ambiente
vazio, provavelmente já haviam sido dispensados mais cedo. Desci pelo elevador
de serviço, deixando o prédio da faculdade pelo acesso da praça de alimentação
Seguia
tranquilamente pela calçada em direção à estação de metrô, quando do outro lado
da rua avistei o Cauê, caminhando em passos curtos em direção ao ponto de táxi,
com o auxilio de sua vareta. Atravessei à rua e dirigia-me até ele quando dois
rapazes o cercaram. Após tirarem a vareta de sua mão, atiraram ao chão seus
livros, e sem entender o que acontecia, o Cauê começou a chorar, apreensivo.
-Por favor, não me machuquem...
-Olé... Olé...
-Pára, por favor, pára...
Corri
até eles e arranquei a mochila do Cauê da mão de um dos caras.
-Tira a mão dele... Eu já chamei a polícia, você tá ferrado...
Apreensivos,
os garotos saíram correndo sem olhar para trás. Caído ao chão, o Cauê chorava
com sua cabeça apoiada sobre seu braço esquerdo. Ver aquela cena partiu-me o
coração. Abaixei-me à sua frente, e acariciando seu cabelo falei:
-Ei... Calma, já passou...
Ao
erguer sua cabeça, notei que o seio direito de sua face estava ferido,
decorrente da queda provocada por um empurrão de um dos garotos.
Peguei
em seu braço e o ajudei a levantar. Entregando seus livros em sua mão falei:
-Não se preocupe, eles já foram.
Tremendo,
ele disse com a voz embargada:
-Obrigado... É você, Rustom?
-Sim...
-Nossa!...
-O quê?
-Você está sempre me ajudando...
-Vai ver é coisa do destino.
-Você acredita em destino?
-Acredito que nós fazemos nosso destino... Para onde você estava indo??
-Para o ponto de táxi.
-Vamos de metrô...
-Estou com medo de andar de metrô.
-Por quê?
-Hoje pela manhã eu fui empurrado e acabei caindo...
-Nossa! Mas não se preocupe, eu estou aqui com você. Ninguém irá te
empurrar.
-Você promete?
-Sim... Confia em mim?
-Humpft... Confio.
-Bem... Guarde esse dinheiro para tomar um sorvete, deixe que eu te
acompanho...
-Só se você aceitar tomar esse sorvete comigo.
-Tenho outra opção?
-Não.
-Então ta, eu aceito.
-Oba!
-Agora deixa eu te ajudar...
Enquanto
caminhávamos íamos conversando:
-Rustom...
-Pode me chamar de Tom.
-Tom?
-É...
-Tudo bem, Tom... Eu ainda não devolvi sua blusa ainda porque minha mãe
lavou e não deu tempo de secar, mas não se preocupe que logo ela estará de
volta aos seus braços.
-Ah! Obrigado, mas não precisa de tanto...
-Minha mãe estranhou um pouco.
-O quê?
-Os desenhos dela...
-Você se refere aos rebites?
-O que é rebite?
-São aqueles ferrinhos que têm na manga.
-Ah!... Não, foi os botões... Tanto que ela duvidou quando eu disse que
era de um menino, mas depois que você me contou que é Emo eu to começando a
entender.
-Entender o quê?
-Que todo Emo é gay.
-Isso não é verdade.
-Não?
-Não... Os Emos são sensíveis, gostam de amor e carinho, mas nem todos
são gays. Têm aqueles garotos que cumprimentam os amigos com um beijo na boca,
mas isso não altera a sexualidade deles, pois as meninas que os atraem...
-Nossa!... Pensei mal de você então.
-Por quê?
-Porque achei que você fosse gay.
-Mas eu sou gay.
-Oh!... Eu já não estou entendendo mais nada.
-Hahaha... Deixa pra lá...
-Então ta...
Mesmo não
enxergando, o Cauê possuía uma percepção muito aguçada, conseguindo identificar
os sentimentos de alguém apenas por um gesto, voz, respiração, uma
sensibilidade inigualável que me deixava impressionado.
A
aula estava um saco. O professor pouco falava, em compensação encheu a lousa de
textos, mal dando tempo de respirar enquanto escrevíamos. Quando deu a hora do
intervalo, todos respiraram aliviados, e com razão, pois meu braço já estava
doendo.
Desci
a escada em direção ao jardim, e logo ao pisar à grama avistei o Cauê sentado
em uma das mesas. Suspirei fundo. Caminhei em sua direção e antes que eu
dissesse qualquer coisa ele exclamou:
-Tom!
-Nossa!... Como você sabe que sou eu?
-Reconheci pelo seu perfume.
-E se fosse outra pessoa usando o mesmo perfume que eu?
-Sei reconhecer o seu perfume misturado ao cheiro de sua pele.
-Uau! Eu já ia te procurar...
-Ah sim, não esqueci de sua blusa. Minha mãe já lavou e...
-Não se preocupe. O motivo foi outro...
-Qual?
-Eu queria saber como você estava, apenas.
-Humpft... Eu estou bem.
-Que bom!... Seu rosto está bem melhor...
-Minha mãe colocou um pouco de gelo para diminuir o inchaço.
-E deu resultado.
-Acho que sim, pelo menos não está doendo tanto.
-Humpft... Como foi seu segundo dia de aula?
-Chato. Não gostei muito do pessoal da minha sala...
-Qual curso você está fazendo?
-Direito.
-Eu também!
-Nossa! Por isso sua sala é ao lado da minha.
-Que bacana!
Enquanto conversávamos, achando
que eu não ia perceber, um garoto trocou discretamente o tubo de ketchup
pelo de pimenta. Sem perceber, o Cauê pegou o vidro de pimenta e quase colocou
em seu sanduíche, mas antes que isso acontecesse, eu o avisei:
-Não!
-O que foi?
-Um imbecil trocou por pimenta o ketchup...
-Humpft... Eles não cansam de me agredir...
-Agredir?
-É... Não só fisicamente como ontem, mas com piadas, ofensas...
-Que tipo de agressão mais você sofreu?
-Humpft... Deixe pra lá, não vale a pena falar disso.
-Não. As pessoas não podem abusar de você devido sua condição.
-Eu já estou acostumado...
-Mas você não deve aceitar tudo isso calado.
-E o que eu posso fazer?
-Cobre seus direitos.
-Eu tenho medo... As pessoas são más...
-Não precisa ter medo, agora eu estou aqui pra te ajudar.
-Mas você não está ao meu lado o tempo todo.
-Humpft... Não se preocupe. Hoje mesmo vou pedir para mudar de sala,
assim ficarei mais próximo de você.
-Tudo isso por mim?
-Não só por você, mas para acabar com um pouco
das injustiças que somos vitimados no dia a dia.
-Ah!
-Estou indo até a secretaria.
-Tudo bem.
-Nos vemos depois?
-Claro!
Todo
início de ano letivo é aquele tumulto. Problemas com os cartões RA, confusão
com boleto de matrícula, acumulam o trabalho da secretaria, e aqueles que
precisam de uma simples informação acabam prejudicados.
A
fila na secretaria estava enorme. Peguei a senha de número 122 e fiquei
aguardando ser chamado.
-Bom dia!
-Bom dia!... Eu quero saber o procedimento para
mudar de sala.
-Por qual motivo você quer mudar de sala?
-Não estou me adaptando nessa turma que estou.
-É que todo início de aula é assim, mas depois
os alunos acostumam.
-Sim, os alunos sim, mas eu não sou os alunos,
sou um aluno e sei o que eu quero. Por favor, faça minha transferência para a
turma ao lado.
-Olha, eu não sei se será possível...
-É possível sim. Por gentileza, me transfira.
-Humpft... Qual é o seu RA?
Depois
de muito insistir, finalmente consegui a transferência para a turma do Cauê. O
que faltava era boa vontade daquela funcionária, pois a turma dele havia metade
dos alunos que a minha, sendo assim não
haveria problema quanto a disponibilidade de vaga.
Alguns
dias se passaram. Cheguei à faculdade ansioso, não vendo a hora de contar ao
Cauê a novidade. Peguei uma carona com minha mãe, como fazíamos sempre que ela
iria precisar do carro durante as tardes. Enquanto aguardava o elevador, avistei
o Cauê entrar pelo acesso de apoio, ao lado das catracas.
Aproximando-me
dele exclamei:
-Que bom que te encontrei!
-Bom dia, Tom!
-Uau... Você está com um ar de felicidade...
-Sim, estou muito feliz...
-Posso saber o motivo?
Colocando
o pé direito à frente ele disse sorrindo:
-Veja!... Ganhei da minha mãe.
-Que lindo tênis!
Ainda
estava um pouco cedo para o início da aula, sendo assim, seguimos para o
jardim, e envolta do chafariz continuamos a conversar:
-Minha mãe é tão boa comigo...
-Eu percebo que você fica feliz com coisas bem simples.
-O valor das coisas está na satisfação que elas podem trazer...
-Ganhar um presente de quem a gente gosta não tem preço mesmo.
-Minha mãe falou que ele é vermelho.
-Sim, é muito bonito.
-Tom...
-Eu?
-Como é o vermelho?
-Bem... O vermelho é uma cor muito bonita, viva, chama atenção...
-É parecida com o verde?
-Hahaha... Não, o vermelho é uma cor muito mais quente, agressiva...
-Nossa!... Deve ser muito linda.
-Tenho uma novidade que vai te deixar ainda mais feliz.
-Qual?
-A partir de hoje eu começo a estudar na mesma sala que você.
-Sério?
-Sim.
-Que notícia maravilhosa!
-Agora eu vou estar do seu lado, ninguém mais te fará mal.
Demos
um abraço e logo depois seguimos para a sala de aula. No início passei desapercebido
entre os alunos do primeiro A, mas nem precisei fazer nada para que fosse
notado e assim começassem as provocações.
Piadinhas
rolavam a solta no decorrer da aula, porém, não afetaram-me nem um pouco.
Sentado à carteira ao meu lado o Cauê aproximou-se de mim sussurrando:
-Está vendo? É todo dia assim...
-É só fingir que não é com você.
-Às vezes é difícil...
-Você já denunciou à coordenação o ocorrido no
primeiro dia de aula?
-Humpft... Não...
-Por quê?
Antes
que ele respondesse o professor pediu atenção:
-Pessoal, silêncio... Prestem atenção aqui...
Abram o livro na página 37 e observem o capítulo 12...
Durante
o primeiro período de aula tivemos o esclarecimento de alguns capítulos do
livro e exercícios complementares. Pra mim foi fácil, pois a turma em que eu
estava anteriormente já havia feito aqueles exercícios, estando adiantados com
relação a sala do Cauê.
No
horário do intervalo segui até a coordenação. Sentada em uma mesa estava a
recepcionista, que mesmo notando minha presença, não parou de digitar no
computador à sua frente.
-Bom dia?
-Bom dia! Posso ajudar?
-Eu quero falar com o coordenador do curso de Direito.
-Ah!... Com a Gabriela... Bem, ela ainda não chegou...
-E que horas ela chega?
-Não sei se ela vem hoje...
-Como não? Então quem responde pelo curso nesse momento?
-Agora não tem ninguém...
Com
uma pasta na mão e falando ao celular finalmente a Gabriela chegou.
Levantando-se da cadeira a recepcionista disse à ela:
-Gabriela, esse rapaz quer falar com você...
Desligando
o celular a Gabriela disse:
-Depois eu te ligo, tchau... Você quer falar comigo?
-Sim.
-Pode falar.
-Prefiro que seja em um local reservado.
-Vamos até minha sala então.
Entregando-lhe
um papel, a recepcionista falou:
-Gabriela, o professor Ricardo deixou esse recado pra você.
-Obrigada!
Seguimos
pelo corredor até sua sala. O barulho do contato de seu salto com o piso soavam
num alto eco. Tirando uma chave de sua bolsa ela lamentou:
-Nossa!... Hoje o trânsito está um caos... Pode entrar...
-Obrigado!
Após
fechar a porta ela disse:
-Sente-se... Em que posso te ajudar?
-Eu quero fazer uma denúncia.
-Denúncia?
-Sim...
Colocando
um chiclete em sua boca ela questionou:
-Qual seria?
-Há alguns dias um colega de classe sofreu um trote violento...
-Desculpe, mas qual é o seu nome?
-Rustom.
-Rustom, a faculdade não permite que trotes aconteçam dentro dos campus,
mas não temos como impedir que isso aconteça fora... Além do mais, a prática de
trote é normal em grandes universidades.
-Entendo, mas o trote que meu amigo sofreu foi na piscina aqui do
campus... Se é que se pode chamar aquilo de trote, pois pra mim foi uma
tentativa de homicídio.
Apoiando-se
ao encosto da cadeira ela questionou:
-E o que te fez supor que houve uma intenção homicida nisso?
-Acha normal um grupo de garotos jogar uma pessoa que não sabe nadar em
uma piscina semi-olímpica?
-Mas nossa piscina possui bóias, bordas, sinalização... Mesmo não
sabendo nadar, identificar as bóias e chegar até elas é simples...
-Não para um deficiente visual.
-Como?
-Gabriela, estamos falando de um deficiente visual.
-Um cego?
-Sim...
-Seria o Cauê do primeiro A?
-Exato.
-Bem, nos falamos há poucos dias e ele nunca tocou nesse assunto...
-Acontece que ele tem medo.
-Humpft... Você sabe quem são esses garotos que o jogaram na piscina?
-Não me recordo da fisionomia deles.
-Há alguma outra testemunha que possa reconhecê-los?
-Acredito que não.
-Nesse caso não posso fazer nada...
-Como não?
-Não há como fazer uma acusação sem ter um culpado.
-E essas câmeras do circuito interno servem para quê?
-Para a segurança de vocês.
-E que segurança é essa que mal consegue identificar um momento como
esse?... Como faço para solicitar essa gravação?
-As filmagens ficam armazenadas em um servidor... E há três dias nós
tivemos um problema e perdemos todos os dados armazenados...
-Ou seja, nada poderá ser feito. Estou certo?
-Humpft... Infelizmente.
-Que absurdo!
Deixei
sua sala indignado com o descaso. O que me deixou pior foi a indiferença com
que a Gabriela tratou o caso, agindo com naturalidade e não demonstrando em
nenhum momento espanto ou qualquer surpresa quanto ao fato.
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