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De volta |
Voltando para São
Paulo, abraçado ao Leonardo eu olhava pela janela, vendo as nuvens passearem, no
silêncio da minha tristeza, até assustá-lo com uma repentina coceira.
-Caraca!
-O que
foi?
-Meu
braço está coçando...
Puxando a manga da
minha blusa, ele falou:
-Deixa eu
ver...
-Ui...
-Nossa!
Está bem vermelho... Não fica coçando, pode manchar!
-Eu não aguento.
-Você é
alérgico?
-A quê?
-A picada
de mosquito.
-Ah!...
Sim, sou.
-Não
fique coçando porque se não vai acabar ficando marcado.
-Tudo
bem.
Pouco tempo depois o
avião pousou no aeroporto de Congonhas. Caminhava em passos lentos, cabisbaixo.
Minhas pernas estavam fracas, assim como meu emocional.
Descíamos à escada
rolante quando o Leonardo perguntou:
-Você
está com fome?
-Estou.
-Então
vamos almoçar. Depois eu te deixo em casa.
-Mas tá
cedo pra almoçar...
-Então a
gente toma um café da manhã bem reforçado.
-Tá bom.
Por mais que eu tentasse esquecer, o rombo em meu peito lembrava-me a todo
instante a ausência de minha mãe. Perder um parente dói, machuca fundo. A
saudade aperta o peito, aumenta a cada dia, sem remédio que possa nos curar.
Cheguei em casa anestesiado, sem nada físico que eu pudesse sentir. Coloquei o
cartão à porta, entrei e deixei meu celular sobre a mesa, cabisbaixo, querendo
morrer. Ao caminhar em direção ao quarto, olhei para a porta da varanda e avistei
a Talita sentada no sofá. Que susto! O que aquela bruxa fazia em minha casa?
Depois de levar um susto, perguntei emputecido:
-O que
você faz aqui?
-Nossa! É
assim que me recebe?
-Eu
deveria te receber com uma bomba, mas como eu não tenho no momento...
-Não seja
ingrato!
-Sai da
minha casa!
-Hahaha...
Sua casa?
-Sim.
-Pois
fique você sabendo que vou dar ordem de te colocarem pra fora hoje mesmo.
-Você
pode tentar, quem sabe consegue.
Levantando-se do sofá, ela falou:
-Claus...
Se você desistir do nosso acordo voltará a ter aquela vidinha medíocre de
antes...
-Estou
pouco me importando pro futuro, Talita.
-Mas e o
futuro de sua mãe? Vai deixar a coitada...
-Ela
morreu!
- Falei interrompendo-a.
-Mas...
Como?
-Não te
interessa! Aposto que você veio até aqui só pra rir da minha cara.
-Você
sempre fazendo mau juízo de mim... Juro que eu não sabia!
-Não me
pergunte mais nada. Respeite minha dor, se é que você saiba o que é ter
sentimento.
-Calma...
Não sou essa víbora que você pensa...
-Tá, tá...
Agora me deixe em paz e saia da minha casa.
Tentando envenenar-me contra o Leonardo, a Talita começou:
-Esse seu
relacionamento com o Leonardo não tem futuro.
-Quem é
você pra dizer o que é ou não duradouro?
-Sou a
ex-mulher dele, esqueceu?
-E quais
fundamentos você tem para que eu acredite em você?
-O pior
cego é aquele que não quer ver.
-O quê?
Tocando em minha mão, ela apertou dizendo:
-Querido,
nós sabemos que o Leonardo não é homossexual.
-E...?
-Eu acho
que ele tem uma amante.
-Amante?
Como você sabe?
-Tenho
minhas suspeitas.
Afastei-me dela dizendo:
-Não
acredito em você... Está querendo destruir a
minha felicidade porque está com inveja... Venho aqui me envenenar, não foi?
-Que
isso! Eu sou uma mulher honesta.
-Hahaha...
Honesta, você? Pois pegue o dicionário pra eu rever o significado dessa
palavra, pois acho que não assimilei quando aprendi na escola...
Irritada, ela rebateu:
-Ora,
garoto... Você tem cara de quem nunca foi à escola...
-Para sua
informação, fiz vestibular ontem, e se Deus quiser passarei.
-Sim, vai
passar no concurso de gari... Varrendo as ruas de São Paulo, comendo marmita em
potes de plástico feito cachorro de pobre.
Abri a porta expulsando-a:
-Fora da
minha casa.
-Sua
casa...
Parada, ela não se movia. Caminhei até onde ela estava, peguei pelo seu braço e
a carreguei até a porta dizendo:
-Sai da
minha casa agora, porque eu nunca mais quero olhar pra essa sua cara, nem
sentir esse seu cheiro de perfume importado circulando em meu território.
-Seu
burro! Eu te dei a oportunidade de subir na vida, mas você é tão tapado que nem
sabe aproveitar as oportunidades.
-Intenções
como as suas, o inferno tem de monte.
-A gente
até pode tirar uma pessoa da pobreza, mas nunca a pobreza da pessoa.
-Vá pro
inferno!
- Gritei batendo a porta.
Se a intenção dela era me irritar, acabou conseguindo. Como poderia existir uma
pessoa tão ordinária como aquela? Às vezes eu chegava a sentir pena da Talita,
pela sua pobreza de espírito em achar que tudo na vida resumia-se em DINHEIRO.
Pessoas gananciosas assim acabam destruindo a si mesmas, e eu acordei a tempo
de não ir pro mesmo caminho.
Três dias se passaram.
Durante esse tempo, não sai de casa, aliás, não coloquei o pé pra fora do
quarto. Eu estava muito triste, angustiado. Todos os dias chorava olhando as
fotos da minha mãe, sonhando com ela e pedindo para que viesse me buscar. Só
passando pela situação para saber o quanto dói, pois é uma dor que machuca a alma
como brasa que não para de queimar.
O dia lá fora estava sol, céu limpo, e eu dentro de casa com tudo fechado. O
telefone celular começou a tocar. Como ele estava na sala, tive que ir até lá
atender, correndo.
Ao abrir a porta do
quarto senti muito frio. Levei a mão à cabeça e reparei que estava com febre
alta, provavelmente pela situação de tristeza em que eu me encontrava naquele
momento. Todas as janelas estavam fechadas, sendo assim, eu não tinha outro
motivo para sentir frio, pois não havia corrente de ar.
Antes que eu atendesse, o celular parou de tocar. Levei-o para o meu quarto e
deitei-me à cama novamente, cobrindo-me com dois grossos cobertores e suando
como uma cachoeira. Não demorou muito e o telefone tocou novamente. Era o
Leonardo.
Atendi desanimado:
-Alô?
-Oi meu
moleque!
-Oi...
-Hum...
Pela sua voz você parece não estar muito bem... Aconteceu algo?
-Não
sei... Acho que vou pegar um resfriado.
-Por quê?
-Estou
com muita febre.
-Tadinho
do meu moleque! Vou sair daqui da clínica às onze horas. Quer almoçar comigo?
-Claro!
Passa aqui pra me buscar?
-Por que
você não vem direto?
-Não
estou me sentindo muito bem para dirigir, mô.
-Tudo
bem.
-Obrigado!
-Beijão!
-Te amo!
Assim que desliguei o
telefone, interfonei para a recepção avisando ao recepcionista para que quando
o Leonardo chegasse, deixasse-o entrar sem precisar me avisar.
Enquanto assistia TV, a
campainha tocou. Ainda eram dez horas, fazendo-me achar que o Leonardo tivesse
saído mais cedo.
Levantei-me e fui até a
sala atender. Ao abrir à porta fiquei surpreso. Era o Emerson, que fechou à
porta logo após entrar sem que eu o convidasse. Que atrevido! Sua expressão
facial parecia um pouco chorosa, fazendo-me estranhar seu comportamento.
Encostando-se à ela,
ele falou:
-Eu
precisava te ver...
-Mas o
que é isso? Você invade minha casa desse jeito como...
-Desculpa.
-Fala?
-Cara...
Terminei meu noivado.
-E...?
-Como
assim “E”? Fiz isso por sua causa...
-Por
minha causa?
-Sim.
Afastei-me dele.
-Ei... Eu
nunca pedi a você que fizesse isso.
-Sei que
não, mas... Você mexeu muito comigo, Claus.
-Olha, eu
não tinha a intenção de ter nada com você além de sexo.
Percebi que ele ficou triste.
-Estou
curtindo muito você, cara. Não se afaste de mim, por favor? - Falou aproximando-se
de mim.
-Podemos
ser amigos, então...
Pressionando-me à parede, ele falou:
-Eu topo
fazer sexo com você sem compromisso...
Colocando a mão à frente, interrompi:
-Emerson,
acho que você não entendeu. Eu estou namorando sério...
-Mas
quando a gente saia você já estava namorando.
-Sim, mas
naquela época eu não o amava.
-E agora,
você o ama?
-Demais!
Querendo chorar,
percebi que ele estava se segurando para não se debulha em lágrimas. Mas não
havia mais nada que pudesse fazer. Continuar enganando o coitado eu já não
podia, porque notei sua desesperada paixão, além da descoberta do amor pelo
Leonardo, que me fez enxergar a vida de uma outra maneira.
Após um profundo suspiro,
o Emerson perguntou:
-Posso te
pedir um último abraço?
-Claro!
Dei-lhe um abraço
apertado, e logo em seguida ele roubou-me um beijo.
-Desculpa!
-Eu é
quem peço desculpa.
Cabisbaixo, bateu a
porta. Ao mesmo tempo em que fiquei feliz, também me entristeceu o fato de
tê-lo feito sofrer. Saber que existem pessoas que nos amam é muito bom, porém,
apertou-me o coração não poder corresponder.
Confesso que tive vontade de chorar. Depois de me apaixonar pelo Leonardo de
verdade, tornei-me um mantegão, mais coração que razão. Virei um cara mais
sensível, emocionando-me com maior facilidade. Não tinha do que reclamar. A
sensação de amar alguém é inexplicável, faz um bem enorme a todos os sentidos,
e melhor ainda quando somos correspondidos, assim como eu estava.
Voltei para o quarto e fiquei assistindo um documentário sobre golfinhos no
canal a cabo. Minha febre não baixava, e uma vontade de vomitar começava a
incomodar-me.
Por volta de meio dia o Leonardo chegou. Finalmente! Colocando só a cabeça à
porta, ele perguntou:
-Psiu...
Como é que o meu moleque está?
-Oi,
Léo!... Não estou muito bem.
-Ainda
passando mal?
-Sim.
-Deixa eu
ver como está...
Tocando em minha testa,
ele exclamou:
-Nossa!
Você está muito febril.
Peguei em sua mão.
-Deite
aqui comigo um pouco?
- Perguntei fazendo manha.
Depois de tirar seu
jaleco, ele deitou-se comigo à cama e deu-me um abraço por trás, envolvendo-me
em seus braços da forma que eu mais gostava. Senti que estava no céu, abraçado
por um anjo. Ficamos dez minutos deitados daquela forma, enquanto o Leonardo
paparicava-me o tempo todo, beijando meu pescoço. Pra falar a verdade, ele
estava me estragando.
Teve um momento que levantei correndo e segui direto para o banheiro. Aquela
não era hora de me dar diarreia. Inferno! Nem deu tempo de fechar à porta.
Preocupado, o Leonardo foi até lá e questionou:
-Claus...
O que você comeu de diferente?
-Nada...
-Muito
estranho. Desde quando você está se sentindo mal?
-Começou
hoje.
-Está
sentindo dores musculares?
-Tô.
Voltando ao quarto, ele abriu a porta do armário e começou a pegar uma peça de
roupa minha dizendo:
-Você
precisa ir para o hospital urgente.
Fiquei assustado.
-Por quê?
-Porque
tenho minhas suspeitas, mas não posso dizer com certeza. Você vai precisar
fazer alguns exames.
-Exames?
-Sim.
Pronto. Será que eu estava com algum câncer? DST? Seria um castigo divino por
tanta maldade que havia cometido?
Confesso que tive medo. Logo agora que tudo na minha vida estava dando certo,
acontece uma desgraça.
Preocupado, pedi:
-Amor...
Por favor, não esconda nada de mim...
-Alguma
vez eu já escondi alguma coisa de você?
-Não.
-Pois é.
Fazendo-me um carinho,
ele olhou em meus olhos e disse:
-Meu
moleque, eu não quero te assustar. Por isso prefiro não alarmar.
-Tudo
bem, eu confio em você.
Era só o que faltava, eu estar condenado à morte. A melhor coisa a fazer era
não ficar pensando besteira, e tentando não pensar em nada que permaneci o
caminho todo, até o hospital.
O bom de namorar um médico é que você tem sempre um atendimento personalizado,
uma profissão onde os profissionais se respeitam muito, e os familiares melhor
tratados.
Durante todo o tempo ele ficou ao meu lado, dando-me apoio, incentivo. Pelo
telefone celular o Leonardo desmarcou vários compromissos. Claro que ele não me
falou nada, mas eu não era burro e percebi que a todo momento sua secretária
ligava para refazer sua agenda.
Quanto transtorno! Enquanto aguardava deitado em uma das poltronas de couro da
enfermeira, o Leonardo foi até mim, abaixou-se à minha frente e falou-me com sinceridade
após um profundo suspiro:
-Meu
moleque, os sintomas que você apresentou podem indiciar quatro tipos de
doenças...
-Que
doenças?
-Dengue,
malária, febre amarela...
-Ah
caraca!
-Eu já
suspeitava que fosse dengue ou febre amarela, porque lembrei do carocinho que
você me mostrou no avião... Lembra?
-Sim.
Estou condenado então.
-Não fale
assim!
- Disse bravo.
-Desculpe...
Eu... Terei que ficar internado nesse hospital?
-Sim.
Comecei a chorar.
-Por que
você está chorando?
- Perguntou o Leonardo acariciando minha testa.
Peguei em sua mão.
-Não
quero ficar nesse hospital sozinho...
-Psiu...
Você confia em mim?
-Confio!
-Preste
atenção... Eu não vou te abandonar nesse hospital, entendeu?
-Eu te
amo, Leonardo!
-Também
amo você.
Demos um forte abraço.
-Você vai
ficar internado somente hoje, porque outros exames precisam ser feitos. Se não
for nada de muito grave eu te levo pra minha casa e cuido de você.
-E eu vou
ter que tomar remédio?
-Ainda
não sei o que será necessário, vai depender do resultado dos exames.
Nada em nossa vida acontece por acaso, e minha situação naquele momento era consequência
das maldades que eu pratiquei, e embora eu já estivesse arrependido, ainda não
era suficiente.
A dengue é uma doença infecciosa febril transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, causada por um vírus da
família Flaridae. Atualmente, a doença é vista como um dos principais problemas
de saúde pública em todo o mundo.
Ao todo existem quatro tipos de dengue, levando em consideração que o vírus
causador dessa doença possui quatro sorotipos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Até
o momento a dengue tipo 4 só foi encontrada na Costa Rica, apresentando no
Brasil os tipos 1, 2 e 3.
Sozinho naquele quarto gelado de hospital, eu não conseguia dormir. Virava de
um lado para o outro, olhando aquelas paredes opacas, sem vida ou cores. As
horas não passavam. Parecia que eu estava ali há meses, anos, e não fazia nem
três horas que o Leonardo havia me internado.
Batendo à porta, a enfermeira entrou exclamando:
-Com
licença!
-Entre...
-Está
tudo bem?
-Sim. - Respondi após um
suspiro.
-Caso
você sinta algum desconforto, é só acionar a enfermagem apertando aquele botão
vermelho.
-Tudo
bem... Eu não estou com sono...
-Quer ver
um pouco de TV?
-Não,
meus olhos doem.
-Ah!
Com toda gentileza ela cobriu-me até o peito, ligou o rádio bem baixinho,
apagou a luz e deixou-me ouvindo. Pouco tempo depois adormeci.
Falando clinicamente, a dengue pode se apresentar de quatro formas diferentes.
Na Infecção Inaparente, a pessoa está infectada pelo vírus, porém, não
apresenta nenhum sintoma. Nessa classificação, apenas 20% das pessoas
contaminadas ficam doentes.
A Dengue Clássica pode ser confundida com a gripe devido a semelhança dos
sintomas, sendo a forma mais leve da doença. Costuma durar entre 5 e 7 dias,
iniciando repentinamente. O infectado apresenta febre alta, dores de cabeça,
dor muscular, cansaço, indisposição, enjoos, vômitos, manchas vermelhas na
pele, dor abdominal entre outros. Os sintomas duram até uma semana, mas após
esse período ainda pode sentir indisposição e cansaço.
Caracterizada por alterações da coagulação sanguínea no infectado, a Dengue
Hemorrágica é uma doença grave, podendo levar à morte se não for tratada com
rapidez. Após o terceiro dia da evolução da doença, pode ocorrer hemorragias
gengivais, uterinas, nasais e gastrointestinais.
Eu estava tão cansado
que nem me lembro de ter sonhado, mas foi ao acordar que meu sonho começou.
Parado ao meu lado
estava o Leonardo, acariciando minha face como ele costumava fazer.
-Leo! - Exclamei surpreso.
-Psiu...
Continua dormindo, meu moleque.
-Não
quero que você me veja assim... - Falei levando a mão ao rosto.
-Por quê?
-Não
estou bem... Com cara de doente...
-Mesmo
com cara de doente você continua lindo, o cara mais lindo do mundo.
Sempre me cobrindo de elogios. Claro que eu ficava todo derretido, coisas de
garoto apaixonado, mas o Leonardo era um homem magnífico, de uma espécie rara,
praticamente em extinção.
Apertando sua mão, falei:
-Assim
que eu melhorar, eu... Aceito casar com você.
-Sério? - Questionou com os
olhinhos brilhando.
-Sim.
-Putz,
cara... Você não sabe como estou feliz...
-Eu
também estou muito feliz, Leo.
Recebi um delicioso beijo na boca, seguido de uma otimista notícia:
-Daqui a
pouco você já poderá deixar o hospital.
-Ah é?!
-Sim.
-Puxa!
Não vejo a hora de voltar pra minha cama... Minha vida normal.
-Mas...
Tem um problema.
-Que
problema?
-Você
está com dengue.
-O quê?
-Calma...
-E agora?
O que vai acontecer comigo?
-Você
terá que repousar tomando muito cuidado...
Maldição! Justo agora eu tinha que ser castigado? Será que a perda da minha mãe
já não foi suficiente?
Mesmo doente, aquilo não iria me abalar, pois eu era forte o suficiente pra
suportar, e não seria uma doença cretina que iria me derrubar.
No período de janeiro a julho de 2007, a Secretaria de Vigilância em Saúde do
Ministério da Saúde registrou 438.949 casos de Dengue Clássica, 926 de Febre
Hemorrágica e 98 óbitos.
Para a Dengue Clássica não existe tratamento específico. Os sintomas como dores
no corpo e cabeça são tratados com analgésicos e antitérmicos receitados e
supervisionados pelo médico, além da recomendação de manter repouso e ingestão
de bastante líquido.
Preocupado, o Leonardo acompanhou-me até o flat.
Pela primeira vez, subimos de mãos dadas, fazendo com que alguns funcionários
torcessem o nariz, principalmente o Emerson, que ainda sofria por minha causa.
Faltou pouco para o Leonardo me pegar no colo, tamanho era o trabalho que
estava dando-me ao descermos do elevador.
Coloquei o cartão na fechadura da porta para abri-la, e com toda vontade, o
Leonardo foi empurrando-me para o interior do quarto, chupando meu pescoço e
beijando minha boca, do jeito que eu gostava.
-Essa sua
boca...
-Nossa,
Leo... Você me deixa no limite... Pare, por favor...
-Seu
cheiro amadeirado, essa pele lisinha de bebê... Tudo em você me deixa louco...
Empurrei a porta com o pé, pois as mãos estavam muito ocupadas. Caímos ao sofá,
abraçados, nos beijando de olhos fechados. Meu coração só faltava sair pela
boca, batendo acelerado dentro do meu peito. Intercalamos o tesão com o
romantismo, beijos lentos e molhados de amor.
Pegando-me no colo, o Leonardo caminhou até o quarto, em passos lentos, olhando
para mim com aquela carinha de cachorro abandonado. Após deitar-me à cama,
acariciou minha face sussurrando:
-Eu te
amo muito!
-Também
amo você.
- Respondi tocando em seu braço.
Sua mão em toques
delicados acariciava minha pele, enquanto tirava minha roupa. Fechei meus
olhos. Toquei seus cabelos, puxando-os levemente, ao mesmo tempo em que
iniciamos os movimentos pélvicos. Que delícia! Aquele doutor me deixava louco.
Nossos corpos se fundiram, tornando-se apenas um, unindo nossas almas em uma só
estrela no reino dos apaixonados. Não fizemos simplesmente amor, mas sim uma
promessa de união, criando um vínculo eterno dos dois corações apaixonados. Foi
a noite mais linda da minha vida.
De corpos nus e
abraçados, o Leonardo acariciava meu cabelo enquanto cantava nossa música:
-"Havia
um tempo, em que eu vivia um sentimento quase infantil..."
-Você
gosta muito dessa música, né?
-Sim...
Ela marcou minha vida, pra sempre.
-Ah é?
-Sim...
Essa música é a lembrança desse conto de fadas que estamos vivendo.
-Então
não me deixe.
- Falei dando-lhe um abraço bem forte.
-Quero
que você comece a arrumar suas malas, porque a partir de amanhã nós viveremos
como um casal.
Sem que eu pudesse
evitar, uma lágrima desceu do meu olho direito, enquanto corria pelas minhas
veias o mais puro fluído do sentimento verdadeiro. Parecia um sonho. Naquele
momento eu conheci o céu, realizando-me por completo, em todos os sentidos.
Adormeci sem perceber e, ao acordar, o Leonardo já não estava mais ao meu lado.
Levantei-me cansado, com dores pelo corpo todo. Olhei no relógio e já eram nove
da manhã. Tomei um banho morno, arrumei-me rapidamente e fui até a igreja
marcar a missa de sétimo dia da minha mãe.
Mesmo utilizando óculos escuros enquanto caminhava nas ruas, meus olhos
continuavam a doer com a claridade do sol que batia àquela hora da manhã.
Liguei para o Leonardo logo ao parar no semáforo, mas não consegui falar com
ele.
Esperava pela garota
que atendia uma beata na sacristia da igreja, quando lembrei que a faculdade já
deveria ter disponibilizado o resultado do vestibular. Que ansiedade! Comecei a
corroer-me para saber minha colocação na lista de aprovados.
Assim que deixei a paróquia, corri até a primeira lan house para verificar minha classificação. Enquanto aquela
página não abria, um frio na barriga só aumentava, tamanho nervosismo.
Aproveitei para checar meus e-mails,
ou melhor, tentei, pois o servidor estava indisponível no momento.
Quando a página do gabarito carregou, nem acreditei quando avistei meu nome em
oitavo lugar na classificação. Dei um grito de alegria, chamando atenção de
todos que lá estavam, deixando-me um pouco constrangido depois.
Não me aguentando de felicidade, telefonei para o Leonardo novamente:
-Leo...
-Oi,
Claus!
-Liguei
pra você, mas estava dando caixa postal...
-Estava
no trânsito.
-Você tá
onde agora?
-Acabei
de chegar na escola das crianças. Preciso falar com a diretora...
-Tá bom,
depois a gente se fala então. Quero te contar uma novidade...
-Beleza.
-Beijo.
-Outro.
Desliguei o telefone. Preocupado com o problema de sua filha, o Leonardo entrou
pela secretária de óculos escuros e pose autoritária, como ele sempre teve.
Parado em frente ao balcão de atendimento, questionou à recepcionista:
-Boa
tarde! Eu quero falar com a diretora.
-O senhor
é...?
-Leonardo
Rezardi, pai da Giovana Carvalho Rezardi.
-Um
momento que vou avisar que o senhor está aqui.
-Obrigado.
Enquanto aguardava ele ficou observando os quadros históricos pendurados à
parede, próximos à entrada dos professores, ao lado do mastro com a bandeira
nacional. Paciente como ele era, costumava esperar por muito tempo, mas claro
que dentro de um limite tolerável.
Colocando o telefone de volta ao gancho, a recepcionista falou:
-Senhor
Leonardo...
-Eu?
Um ruído de destrava elétrica soou da porta que dava acesso ao interior do
colégio.
-O senhor
pode entrar e aguardar na sala aqui ao lado que a diretora já irá atendê-lo.
-Ah sim!
Obrigado.
-Por
nada.
Em passos largos ele caminhou até a sala de reunião, onde a diretora já o
aguardava sentada à mesa. A porta estava aberta. Exibindo um sorriso na face, o
Leonardo entrou exclamando:
-Boa
tarde!
-Boa
tarde, senhor Leonardo! Como vai?
-Bem, mas
preocupado.
-Compreendo...
Sente, por favor.
-Com
licença.
-Em que
posso ser útil?
-Eu estava
folheando o caderno da minha filha esses dias e observei que havia um bilhete
para os pais, só que eu não fui informado disso.
-Acredito
que a mãe dela não tenha lhe passado... - Comentou encostando as costas ao apoio da
cadeira.
-Sim, mas
como foi enviado por você, achei que fosse algo com maior gravidade. Eu e a
Talita não temos uma relação muito amistosa, por isso vim procurá-la.
-Tudo
bem... Veja só, senhor Leonardo. Na última reunião de professores nós tivemos
em pauta o comportamento dos alunos. A professora do Primeiro B ressaltou
algumas alterações de comportamento de alguns alunos, mas em especial o da
Giovana.
-Que
tipo?
-Eu
conversei com a mãe dela referente ao bilhete, e pude notar que a senhora
Talita é uma pessoa difícil de conversar, embora seja uma mulher muito
inteligente, estudada...
-Difícil
em que sentido?
-Quando
questionei o comportamento de sua filha, simplesmente respondeu que ela paga um
alto valor à escola para que a Giovana seja educada. O que não é verdade. Nosso
colégio não terceiriza educação. Nós vendemos conhecimento, sendo que a
educação deve ser passada pelos pais.
-Concordo
com você.
-Sabe,
senhor Leonardo... Nós estamos vivendo no mundo inteiro um aumento da
violência, não pelas pessoas desfavorecidas, mas sim no ciclo das classes mais
altas. Não estou dizendo que seja seu caso, mas muitos pais estão muito
preocupados com outras coisas, como manter seu padrão de vida ocupando maior
tempo em seu trabalho, e deixam de acompanhar o rendimento dos filhos no
colégio. Não se assuste com a atitude da sua ex esposa achando que ao pagar a
escola dos filhos está educando as crianças, porque a maioria dos pais dos
alunos que estudam aqui também acham, assim como ela.
-É
inconcebível algo assim.
-Ninguém
pode substituir o carinho e a atenção dos nossos pais.
-Concordo.
-As
crianças precisam de atenção, e cobram isso demonstrando atitudes que nós, às
vezes desconhecemos, mas se pararmos para pensar em qual foi nossa participação
na orientação e educação deles, perdemos as contas de quantos foram os buracos
que deixamos nesse caminho, e quando percebemos já é tarde demais.
-Não
entendo o porquê da Giovana extravasar dessa forma. Eu e a mãe dela temos uma
relação de coleguismo por conta DELES, e embora não sejamos melhores amigos,
procuro não brigar nem discutir na frente deles.
-Talvez o
problema esteja onde não podemos enxergar. Tente conversar com ela, mas não vá
direto ao ponto para não assustá-la... Às vezes as crianças agem assim porque
simplesmente querem mostrar aos pais a falta que estão fazendo na vida deles.
-Vou
seguir seu conselho.
- Disse o Leonardo levantando-se da cadeira.
-Espero
que essa conversa tenha algum resultado, porque a Giovana é uma de nossas
melhores alunas...
-Terá que
haver. Agradeço pela atenção.
-Boa
tarde!
A separação dos pais afeta os filhos de várias formas. A adolescência começa
mais cedo em famílias que passam pelo processo de separação. Com relação às
meninas, propiciam começar a vida sexual antes do recomendável.
Boa parte dos problemas da mãe passam a ocupar as crianças, em alguns casos
também os conflitos do pai, além de desenvolverem por conta própria seus
próprios conceitos de moralidade. Filhos de pais separados comprovadamente
sofrem mais dificuldade de aprendizado e de depressão do que os de famílias
intactas.
A carga de responsabilidade é grande demais, e as crianças não estão preparadas
para tanto. Elas pensam que se não existissem, seus pais não estariam brigando,
sentindo-se culpadas pela tal situação.
Colocando seus óculos escuros o Leonardo saiu do colégio e seguiu direto para o
hospital, onde tinha plantão no final daquela tarde.
Antes de dar partida no
carro, ele ligou-me preocupado:
-Conversou
com a diretora?
- Perguntei voltando pra casa.
-Sim...
-E ai?
-Ela
disse que a Giovana está se comportando de uma maneira fora do comum.
-Nossa!...
Mas o que será que está havendo?
-Não sei,
mas achei estranho um comentário que ela fez.
-Que
comentário?
-Eles
haviam convocado uma reunião de pais de algumas crianças que estavam com
problemas de comportamento...
-Mas isso
é normal em toda escola.
-Eu sei,
mas não com crianças que não davam tal problema.
-Bem...
Nesse ponto tenho que concordar com você.
-Estou
indo para o plantão do hospital. Falamo-nos amanhã...
-Só
amanhã?
-Se eu
conseguir um tempinho pra fazer um lanche, não esquecerei de você.
-Assim tá
melhor!
-Beijo.
-Outro.
Desliguei o telefone e deitei-me ao sofá. Com o dedo indicador à boca fiquei pensando
no que o Leonardo havia dito, pois se algumas outras crianças estavam
apresentando o mesmo problema, era um sinal de que algo de errado estava
ocorrendo, e se fosse o que eu estava imaginando, o caso poderia ser de
polícia.
Sabendo que a Talita estava ausente naquele horário, telefonei para sua casa e
falei com a Cláudia, tentando investigar o que de fato estava acontecendo.
-Oi
Cláudia, é o Claus. Tudo bem?
-Ah! Tudo
e você?
-Estou
bem também... Você pode me fazer um favor?
-Se
estiver ao meu alcance...
-É que
teve umas crianças no colégio que tiveram os pais chamados pela diretora, e o
Leonardo me pediu pra te ligar e perguntar se você sabe de algum outro aluno
que tenha sido convocado...
-Ah sim!
Tem os pais da Priscilla...
-Até a
Priscilla?
-Sim...
Lembro que a Gigi comentou que a mãe dela ia ao colégio terça passada pra falar
com a diretora...
Eu nem sabia quem era Priscilla, mas para parecer que estava enturmado e íntimo
da situação, fingi-me de entendido, claro.
-Nossa!...
O Leonardo não vai acreditar quando eu contar... Você pode me passar o telefone
da mãe dela?
-O senhor
espera só um momentinho? Vou pegar na agenda da Gigi o telefone da Priscilla.
-Espero.
-Obrigada.
Enquanto a Cláudia foi procurar a agenda da Giovana, corri até o quarto, peguei
um papel e caneta para anotar o telefone da sua colega.
-Olha...
-Oi.
-O
telefone é...
-Pode
falar...
Anotei rapidamente e desliguei logo em seguida. Minha intuição não costumava
falhar, e no fundo, no fundo, eu sabia que se falasse com a mãe da garota
conseguiria alguma pista.
-Boa
tarde!
-Boa
tarde!
-Eu
gostaria de falar com a mãe da Priscilla...
-Quem
gostaria?
-Diga que
é o pai da amiguinha de escola dela, da Giovana.
-Ah sim!
Um momento, por favor.
-Tudo
bem.
Após uns ruídos e som de passos, alguém pegou o telefone:
-Alô?
-Com quem
falo?
-Com a
Cristiane.
-Oi, aqui
é o pai da Giovana, amiga do colégio da Priscilla. Tudo bem?
-Ah sim!
Como vai?
-Não
muito bem.
-Por quê?
O que houve?
-Minha
filha recebeu um bilhete convocando os pais para discutir sobre o comportamento
escolar. A diretora disse que não foi somente ela que recebeu e...
-Sei...
Eu me lembro de ter recebido também.
-A
senhora notou algum comportamento anormal na sua filha?
-Não que
eu tenha estranhado...
Pelo que eu soube, a filha dela não era flor que se cheirasse, pra falar a
verdade era uma endiabrada, talvez fosse essa a razão pela qual ela não tivesse
notado a diferença na garota.
-Ah...
Tudo bem então... É que achei que...
Nesse momento ela interrompeu-me.
-Só um
momento, por favor...
-Tudo
bem.
As vozes de fundo soavam gritos dizendo que a Priscilla havia jogado o cachorro
na piscina, ou seja, a garota já estava despertando atitudes fora do comum para
uma criança normal.
Óbvio que eu não iria esperar que aquela louca da mãe dela voltasse. Desliguei
o telefone e tentei novamente acessar meus e-mails
para ver se já havia alguma resposta do professor de Educação Física, e para
minha surpresa, já havia me respondido no mesmo dia em que eu havia
encaminhado.
"OLÁ
PRI
BJINHO
PRA VC E BOM FINAL DE SEMANA!!
PIMBU"
Safado! Embora naquele e-mail não
dissesse muita coisa, notei algo que pudesse me dar uma pista, que foi a
assinatura de “Pimbu”. Abri três janelas em meu navegador e comecei a fazer uma
busca por várias comunidades de pedofilia, utilizando aquele apelido e o
endereço de e-mail. Claro que ele não
seria idiota ao ponto de cadastrar o correio eletrônico em comunidades com tal
temática, mas o apelido eu consegui encontrar, depois de procurar pelas
entrelinhas.
Pedofilia é um desvio sexual, tendo o indivíduo adulto desejos e atração sexual
primeiramente dirigida à crianças sexualmente imaturas. Na psicologia, a
pedofilia é classificada como desordem de personalidade e mental do ser adulto,
também como desvio sexual pela Organização Mundial de Saúde.
Em inúmeros países, o ato sexual entre adultos e crianças em faixa etária
abaixo da idade de consentimento é considerado crime conforme legislação, assim
como o assédio sexual através da Internet à crianças, divulgar pornografia
infantil ou fazer apologia também constitui crime.
O comportamento pedófilo é mais comum no sexo masculino, embora seja praticado
também por mulheres em menor proporção. Alguns sexólogos que adolescentes
também podem ser qualificados como pedófilos e não somente adultos.
Quando eu tinha nove anos de idade, lembro-me que uns rumores começaram a rolar
pela cidade de que havia um tarado atacando às crianças. Certo dia, um grupo de
pais se reuniram e armaram um plano para "caçá-lo", vigiando todos os
dias e noites.
Foram seis meses de busca e nada de encontrar, até que uma das crianças
comentou com uma amiga o que havia acontecido, e essa amiga contou à mãe.
Lembro-me que o rapaz foi linchado em praça pública, agonizando e implorando
por piedade, porém, não houve tempo hábil da polícia chegar para socorrê-lo.
Diante a isso, nunca mais esqueci aquela cena, e toda vez que ouço algum pai
comentando sobre diferença de comportamento dos filhos, logo me vem à cabeça
sua imagem caída em frente o colégio.
Há especialistas que
acreditam que tal comportamento seja um tipo de orientação sexual, e não um
distúrbio o ato de sentir atração por crianças, assim como sentir atração pelo
mesmo sexo, pelo sexo oposto ou pelos dois. A discussão entrou em vigor com
diversos especialistas que alegam que a homossexualidade, bissexualidade e
heterossexualidade não estão associados normalmente com a atração sexual por
crianças, sendo suficientemente diferentes dos adultos, tanto física quanto
psicologicamente.
Em 1989 houve a Convenção Internacional sobre o Direito da Criança, aprovada
pela Assembleia Geral das Nações Unidas, define que os países devem adotar
todas as medidas administrativas, sociais, educativas e legislativas quanto a
proteção à criança, incluindo o que se refere à violência sexual.
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Os olhos enganam |
Dia 01/04
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