| Sentimento
suspeito |
À noite não conseguia dormir. Virei de um lado para o outro da cama, mas o sono
não vinha. Não sei dizer o porquê, mas já fazia um tempo que eu vinha perdendo
o interesse por baladas e sair caçando pessoas para curtir. Talvez fosse pelo
fato de enjoar dessa vida promíscua, vazia, ou até mesmo um amadurecimento de
pensamento.
Sem ter o que fazer,
tive que inventar uma maneira de me distrair. Desci até uma vídeo locadora que
funcionava vinte e quatro horas, duas quadras depois do flat. Peguei dois filmes pornô, e antes de retornar pra casa passei
no mercado e comprei uma lasanha de micro-ondas, refrigerante e sorvete de
chocolate.
Passei a madrugada inteira assistindo aos filmes, aprendendo mais safadezas e
me imaginando aprontando tudo aquilo com aqueles rapazes, além do Leonardo,
claro. Todas às vezes que transávamos, algo diferente eu ou ele inventávamos.
Nossa vida sexual, desde que a iniciamos, nunca caiu na rotina, e a sintonia
que havia entre nós era quase que perfeita.
No outro dia acordei quase meio-dia. A preguiça era tanta que só levantei da
cama para atender ao interfone que tocava escandalosamente.
-Pois
não?
-Senhor
Claus?
-Eu.
-A
senhora Talita está aqui na recepção.
-E o que
você está fazendo que ainda não deixou ela subir?
-Desculpe.
Desliguei o interfone,
destranquei à portada da sala e voltei para o quarto. Peguei o computador
portátil e sentei-me à cama, vestindo apenas uma bermuda. Irada, a Talita bateu
a porta após entrar, jogou sua bolsa sobre o sofá e disse parada em minha
frente:
-Mas que
recepcionista atrevido!
-O que
houve?
- Questionei querendo rir.
-Esse
garotinho insuportável da recepção... Acredita que ele não me deixou subir sem
antes interfonar? Absurdo! Eu quem pago essa espelunca todo mês...
-Acalme-se,
não é nada pessoal contra você.
Pegando um copo d'água
na cozinha, questionou:
-Ah é?
Como você sabe?
Dei um sorriso.
-Não me
diga que você já...
- Falou levando a mão na boca.
-Você
sabe que não gosto de perder oportunidades...
-Estou
passada!
-Sem
drama, Talita. Fale logo a que devo a honra de sua graça? - Questionei
ironizando.
-Pouco
efeito está surtindo nosso plano do jeito que está.
-Ué... E
o que você quer que eu faça?
-Seria
interessante e mais eficaz se tivéssemos testemunhas a nosso favor.
-E...
-Vamos
fazer com que todos ao nosso redor presenciem situações que possam testemunhar
contra ele, ou melhor, a meu favor.
-Você
quer que eu trepe com o Leonardo em público?
-Não seja
animal! É obvio que ele não concordaria com essa ideia idiota.
-Então?
-Cabe a
você criar situações que possam fazer com que os empregados, amigos ou qualquer
outra pessoa próxima lhes vejam em atitudes imorais.
-Entendi.
Sentado à cama, eu teclava com um cara que conheci pela Internet. Ele era louco
para sair comigo, convidou-me várias vezes para ir a casa dele, mas nunca
chegamos a nos encontrar pessoalmente. No início foi por falta de tempo mesmo,
depois, o interesse de minha parte foi se perdendo.
Percebendo que eu
estava entretido naquele diálogo, a Talita perguntou:
-Com quem
você tanto fala aí?
-Ninguém
em especial.
-Deixa eu
ver...
- Falou aproximando de mim.
-Uau! Que
gato!
-Você
achou?
-Não vai
me dizer que você não?
-Para ser
sincero, não.
Segurando ainda o copo
d’água, afastou-se de mim dizendo:
-Você
está muito estranho, Claus.
-Estranho?
Por quê?
-Não
sei... Ultimamente você vem se comportando de uma maneira muito bizarra.
-Impressão
sua.
-Pois
acho melhor você tomar cuidado.
-Do que
você está falando?
- Perguntei fechando o notebook.
-Não se
faça de sonso. Você parece estar apaixonado.
-Apaixonado,
eu?
-Sim...
Nesse estado, todo mundo perde a graça e apenas uma pessoa começa a fazer
sentido para você.
-Você
está ficando louca...
- Falei levantando da cama.
Cruzando à porta em
direção a sala, ela virou-se para mim e falou:
-Escute
aqui... Você nem ouse se apaixonar pelo pai dos meus filhos.
-Por quê?
Tá com ciúme?
- Questionei apoiando meu quadril à pia.
-Não,
queridinho... Mas sei muito bem do que uma pessoa apaixonada é capaz de fazer,
e isso acabaria atrapalhando nossos planos.
-Eu não
seria idiota a esse ponto, né?
-Pela
experiência que tenho, fofo, não duvido de mais nada.
-Vamos
mudar de assunto?... Por que você quer que eu cause espanto nas pessoas?
-Conselho
do meu advogado.
-Esse seu
advogado é bem ordinário...
-Questão
de sobrevivência. Preciso disso o quanto antes, entendeu?
-Tá bem,
vou ver o que posso fazer.
Pegando sua bolsa de cima do sofá a Talita disse:
-Bem...
Agora preciso ir porque tenho reunião de condomínio extraordinária.
-Boa
sorte naquela chatice...
-Chatice?
Que nada, o foco estará em mim.
-Ué... O
que você aprontou?
-Armei um
escândalo outro dia porque a síndica barrou a babá dos meus filhos.
-Barrou
em quê?
-Não
deixou que ela entrasse na piscina.
-E não
pode?
-Dessa
proibição nem eu sabia. Fiz um escândalo, e hoje será discutido com os
moradores do prédio se as babás na condição de empregadas podem acompanhar as
crianças dentro da piscina...
-Quanta
imbecilidade!
-Fazer o
que, né? Mas não irei discutir muito, foi só pra causar polêmica. Comigo é tudo
na justiça...
-Sei...
-Juízo,
garoto!
-Tchau.
Assim que ela saiu de casa fui direto telefonar para o Leonardo. Se eu não
fizesse logo o que aquela pistoleira estava querendo, encheria meu saco por um
bom tempo, e pra mim, quanto mais cedo me livrasse dela e de seu ex-marido,
melhor.
-Fala,
meu moleque!
-Estou
com saudade de você!
-Opa!...
É só matar.
-Hum...
-Você
está bem?
-Sim e
você?
-Sempre
fico bem quando falo com o mineiro mais lindo do mundo.
-Podemos
marcar de nos vermos hoje a noite?
-Sim.
Hoje sairei da clínica por volta das seis da tarde. Vá direto pra casa que nos
encontramos lá.
-Tudo
bem.
-Beijo
nessa boca suculenta.
-Beijo.
Desliguei o telefone ansioso. Tudo aquilo que havia assistido, ou parte,
gostaria de pôr em prática naquela noite, somando com o pedido da Talita para
que alguém nos visse “em ação”.
Cheguei lá já passava
dás oito da noite. Em minha cabeça estava tudo planejado, passo a passo, e se
ocorresse tudo nos conformes, mais uma batalha estaria ganha, e a vontade da
Talita realizada.
Com o cabelo molhado de quem acabava de sair do banho, o Leonardo recebeu-me
logo na porta:
-Boa
noite!
-Boa
noite!
Nos cumprimentamos com
um selinho.
-Desculpa
pela demora, mas só consegui chegar agora por conta do trânsito.
-Quase
morri de saudade.
- Disse ele abraçando-me pela cintura.
-Ah é?
-É!
-Então
demorô pra gente matar essa saudade...
Pegando em minha mão o
Leonardo puxou-me em direção à escada e disse:
-Vem!
Parei dizendo:
-Vá
subindo que eu vou beber um copo d'água na cozinha...
-Tô te
esperando então.
-Beleza.
Tolinho, mal sabia ele que tinha o lobo mal dentro do cercado das ovelhas. Até
então eu não entendia por que da existência de pessoas que insistiam serem
ingênuas, ou então fingem ser. Com minha experiência de vida, aprendi que o
mundo é dos expertos, e que somente os fortes sobrevivem.
Logo quando cheguei à cozinha avistei a Cláudia sentada à mesa, cortando uma
maçã em pedaços para consumir aos poucos. Menina tonta! Seu jeito calmo me
irritava, mais parecia uma mosca morta.
Encostei a porta
bate-volta e aproveitei que ela estava sozinha para por em prática meu plano.
-Claudia! - Exclamei fingindo
estar surpreso.
-Boa
noite, senhor Claus!
Ao vê-la levantando-se de onde estava, logo interrompi:
-Não se
preocupe, pode continuar sentada...
-Obrigada!
-Eu
gostaria de te pedir um favor...
-Pois
não?
Apoiando-me sobre a
mesa, expliquei:
-O
Leonardo não anda muito bem...
-Está
doente?
-Não sei,
mas estou meio preocupado.
-Em que
eu posso ajudar?
-Por
favor, depois leve um chá de camomila pra ele no quarto...
-Claro!
Levo sim.
-Pra ver
se passa a dor de cabeça, coitado...
-Pode
deixar que vou preparar e levo para ele.
-Tudo
bem... Agora são oito e vinte... Quando for dez horas você leva.
-Tá bom.
-Vou
pedir para ele deixar a porta do quarto encostada.
-Ah sim.
-Qualquer
coisa eu estarei no quarto de hospedes.
-Tudo
bem.
Subi à escada de dois
em dois degraus. Entrei no quarto do Leonardo e fechei à porta. Deitado à cama
ele já esperava por mim, vestindo apenas uma cueca branca de elastano
coladinha, estilo sungão. Que tesão! A forma do seu corpo era perfeita, pele
uniforme, lisa, dourada.
Em passos lentos fui
aproximando-me e dizendo:
-Se você
soubesse o tesão que eu fico quando te vejo de cueca branca...
-Vem
matar esse tesão.
Apoiei o joelho ao colchão e exclamei:
-Safado!
Tenho vontade de arrancar essa cueca com a boca.
-Então
vem...
Pulei em sua cama e
arranquei aquela cueca em segundos. Não demorou muito para que eu também
estivesse nu, suado e tinindo de tesão. Nossa sintonia sexual era de arrepiar.
Peles em atrito, mãos que se perdiam e se encontravam. O beijo foi selvagem,
com muito calor e vontade, e meu pescoço resistia aquelas chupadas tentadoras.
Sobre a cama já não havia mais nada, pois no clima em que estávamos,
travesseiros foram parar longe. Meu cabelo parecia rédeas, puxados a cada
fisgada de tesão. Gozamos gostoso, com um moderado grito de satisfação.
Ofegante, o Leonardo deu-me um forte abraço e acariciou minha face. Esbocei um
leve sorriso, dando-lhe um selinho logo em seguida. Ainda deitados, liguei a TV
e ficamos assistindo, calados, abraçados, trocando suaves beijos. Pouco tempo
depois ele adormeceu. Ao passo que estava indo, meu plano tinha tudo para dar
certo, deixando a Talita feliz e livrando minha barra com ela.
Tomando muito cuidado,
levantei-me da cama, segui em direção a porta e deixei-a encostada. Deitei-me
novamente ao seu lado e joguei o lençol ao chão, fazendo com que nossos corpos,
nus, ficassem à mostra sobre aquela enorme cama.
O ar condicionado
estava ligado, assim como a TV. Ao perceber que alguém caminhava pelo corredor,
abracei o Leonardo e fingi que estávamos dormindo. Quanta maldade! Inocente, a
Cláudia bateu à porta, porém, como ninguém respondeu, foi entrando. Segurando
uma bandeja ela caminhava em passos lentos. Confesso que tinha a consciência de
que poderia chocá-la, mas até então, a prioridade era a resolução do meu
problema, e o restante do mundo que se exploda.
Quando a coitada nos
viu deitados, abraçados de corpos nus, ficou atordoada. Claro que o que fiz foi
uma maldade tanto com ela quanto com o Leonardo, mas nós vivemos em um mundo
onde os fracos não sobrevivem, sendo assim, cada um com seus problemas.
Depois de colocar a
bandeja sobre a poltrona próxima ao closet,
aquela tonta deixou a suíte rapidamente, fechando a porta ao sair. Levantei-me
da cama rindo, contente, comemorando o sucesso de mais uma maldade. Minha
alegria não durou muito tempo, porque algumas horas depois meu peito foi tomado
por uma angústia sem fim.
Ainda deitado, mandei
um torpedo para a Talita comunicando-a sobre o sucesso do plano, enquanto o
Leonardo dormia, que por sinal parecia estar morto de cansado. Olhando para o
teto, permaneci na mesma posição, sem ver o tempo passar, sentindo-me a pessoa
mais suja desse mundo.
Angustiado, segui até o banheiro e fui tomar banho. Não pude evitar que as
lágrimas de arrependimento escorressem pelo meu rosto, enquanto a água descia
pelo meu corpo, ao mesmo tempo pensava em tudo que aconteceu em minha vida desde
a chegada à São Paulo.
Vários questionamentos
me fiz, refletindo se valia mesmo a pena destruir a vida de alguém em troca de
um pouco de conforto. Minha mãe sempre dizia que a vida era como um espelho,
tudo o que fazíamos iria refletir no futuro, por isso a bondade sempre deveria
estar à frente.
No outro dia acordei e
reparei que o Leonardo não estava na cama ao alisar o lençol. Vesti uma regata
e uma bermuda, em seguida desci para tomar café. Caminhei até a cozinha e lá
estava ele, sentado à mesa posta com o café da manhã.
Puxando à cadeira, perguntei:
-Por que
não me acordou para descer com você?
-Bom dia,
né?!
-Bom dia!
-Você
estava dormindo tão gostoso que preferi não te acordar.
-Tem
margarina?
- Questionei cortando um pedaço de pão.
Colocando o jarro de
suco sobre a mesa, a Cláudia respondeu aparentemente constrangida:
-Eu já
pego pro senhor.
-Tudo
bem.
-Essa
noite sonhei que você estava morando aqui. - Disse o Leonardo adoçando seu café.
-Ah é?
-Sim...
Morávamos eu, você e as crianças.
-E éramos
uma família feliz?
-Muito!
-Eu nunca
tive uma família assim...
Toquei em sua mão
acariciando-a.
-Aqui
está a margarina, senhor Claus. - Falou a Cláudia entregando-me uma faca e
colocando o pote sobre a mesa.
-Obrigado.
Após o café, o Leonardo
seguiu para seu quarto e vestiu uma bermuda de surfista, pois estava com um
moletom. Sem camisa, com um chinelo de dedo e sua cara de safado, nos cruzamos
na sala.
Curioso, perguntei:
-Aonde
você vai?
-Vou
lavar o carro. Quer me ajudar?
-Não,
obrigado...
-Então
tá.
Liguei a TV da sala e
coloquei um DVD para distrair-me um pouco. Comecei a assistir, mas como não era
um estilo de filme que me agradava, acabei desistindo.
Segui até a garagem onde o Leonardo lavava seu carro. Encostado ao batente da
porta, cruzei os braços ao peito e perguntei:
-Por que
não levou em um lava-rápido? É bem menos trabalhoso...
-Eu gosto
de cuidar do que é meu.
-Hum...
Ah é?
- Murmurei dando uma leve mordida no lábio inferior.
-Sim...
Pode pegar aquele balde pra mim?
-Esse com
sabão?
-Isso.
Balde pesado! Caminhei
alguns passos à frente o segurando, perguntando fazendo careta:
-O que...
Eu... Faço?
-Pode
jogar o sabão sobre o carro.
-Tá.
Despejei apenas a
metade. Segurando a bucha na mão esquerda, o Leonardo disse:
-Joga o
resto.
-Tá
bom... Calma.
Levantei o balde, mirei
no Leonardo e joguei todo aquele sabão sobre seu corpo. Assustei o coitado, que
sem entender nada, perguntou:
-O que
você fez?
-Nada...
-Também
não farei nada...
Nesse momento ele
correu até a porta da garagem, fechou-a. Em seguida, pegou a mangueira e
começou a me molhar.
-Ah!...
Não, pare, tá fria!
-Quer que
eu pare?
- Perguntou soltando-a.
-Sim.
Encostando seu corpo
todo ensaboado ao meu, abraçou e olhou-me por um tempo nos olhos antes de me
beijar. Que beijo bom! Fiquei todo derretido. Toquei seu bíceps enquanto o
beijava, e segurando minha cintura ele puxava-me para perto dele cada vez mais.
O sabão facilitou muito no roçar de nossos corpos, principalmente a tirar o
pouco de roupas que vestíamos. Enquanto sincronizávamos os movimentos pélvicos,
o Leonardo dizia olhando em meus olhos:
-Te amo,
meu moleque!
Transamos ali mesmo,
sujos de espuma, sobre o capô de seu carro, misturados de suor. Nossos corpos
deslizando como se estivessem sobre trilhos, segurados pelas fortes pegadas.
Aquela boca parecia que ia me engolir, lubrificando não só minhas mucosas, mas
também minha libido.
Esquecemos
de tudo, nos fechando em um mundo onde só cabiam nós dois.
Próximo capítulo: | O pedido sincero |
Dia 22/03
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