quinta-feira, 24 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPÍTULO 20




 | Descobri que te amo |

            Amar é complicado. Às vezes a gente se apaixona por alguém e não é correspondido, e eu, que tinha a felicidade nas mãos, não poderia deixá-la passar como água entre os dedos.
            Sai de casa determinado a acabar com toda aquela tramoia, só assim eu poderia doar-me por completo àquele amor que me trouxe à vida. Coragem eu tive de monte, porque botei fé naquele suposto amor verdadeiro que estava sentindo.
Dirigindo meu próprio carro, fui pensando em tudo que havia vivido, os momentos felizes e únicos que o Leonardo proporcionou-me, e claro, na pessoa mais importante da minha vida, que foi e sempre seria minha mãe.
            Chovia muito naquela tarde, que mais parecia noite. O trânsito começou a dar as caras muito antes do horário de pico. Seria uma resposta do destino? Não sei, só sei que era teimoso e não desistiria do meu objetivo. Eu sabia que naquele período a Talita estaria em sua clínica, sendo assim, segui diretamente para lá.
            Ao chegar, deixei meu carro estacionado em uma das três vagas para clientes. Sai do veículo correndo para molhar-me o menos possível, mas claro que tomar um pequeno banho foi inevitável.
            Empurrei à porta de vidro e um sinalizador sonoro informou sobre minha presença. Caminhei até o balcão da recepção, e disse à recepcionista:
-Boa tarde!
-Boa tarde! Eu quero falar com a Talita.
-Para qual horário está marcada sua consulta? - Questionou abrindo à agenda.
-Para horário nenhum.
-Senhor, somente com horário marcado ela atende.
Sentando-me ao sofá, falei:
-Pois então ligue para ela e diga que Claus de Oliveira está aqui.
-Claus de onde?
-Ela sabe.
Até que a garota era simpática, porém, questionava demais, e isso me irritava. Olhando-me com sua visão periférica, ele pegou o telefone e comunicou minha presença:
-Doutora Talita, o senhor Claus de Oliveira está aqui e deseja falar com a senhora.
-O Claus? Mas o que ele faz aqui?
-Ele não informou.
-Inferno! Diga que agora estou em atendimento e assim que terminar, falo com ele.
-Tudo bem, obrigada.
Colocando o telefone de volta à base, a recepcionista disse:
-Aguarde um momento que ela logo irá atendê-lo.
-Obrigado!
Enquanto o tempo passava, procurei distrair-me lendo uma revista em meio àquele silêncio quase absoluto, pra não dizer HORROROSO. Mais de dez minutos depois a Talita apareceu, acompanhada de uma garota que, colocando sua bolsa ao ombro, disse:
-Espero que dessa vez dê certo, tá?
-Claro! É só seguir certinho o que eu prescrevi.
-Está bem, obrigada!
-Tchau, tchau.
Após despedirem-se com um beijo no rosto, a Talita colocou as mãos nos bolsos do jaleco e disse fuzilando-me com o olhar:
-Me acompanhe até minha sala.
-Claro.
Devolvi a revista ao cesto e acompanhei-a até sua sala. Percebi que minha visita inesperada não era bem vinda, porém, eu estava pouco me importando.
Após trancar a porta, caminhou até sua cadeira e disse furiosa:
-Eu já não te falei para não aparecer aqui, nem na minha casa?
-Desculpa, mas eu precisava muito falar com você...
-Deveria ter me ligado e...
-Sinto muito, mas o que eu tenho pra dizer não dá pra falar por telefone.
-Tá, tá... Fala logo?
Nesse momento seu telefone celular tocou.
-Só um momento. - Interrompeu abrindo sua bolsa.
-Tá.
-Alô?... Fala?... E quando que ele vai fazer essa vistoria? Porque eu já venho pedindo isso há muito tempo, e mal posso usar meu banheiro da suíte... Hum... Sei... Depois de amanhã?... Tá certo, vou aguardar então. Boa tarde.
Guardando seu telefone de volta à bolsa, continuou:
-Desembucha logo, porque meu tempo é precioso.
-Quero te comunicar que estou me retirando desse seu plano vingativo.
-Retirando?
-É.
-Nós temos um contrato, querido.
-Você me enganou, Talita.
-Eu!?
-Sim... Você disse que o Leonardo era um cara de caráter duvidoso, que seus filhos eram a coisa que você mais amava, no entanto, essa convivência com ele me fez observar que o Leonardo é o melhor pai do mundo!
-Eu não pedi a sua opinião quanto...
-Um momento que eu ainda não terminei. - Interrompi. -Você disse que seus filhos eram tudo na sua vida, no entanto, é a babá quem cuida deles 24 horas... Você mal liga para as crianças, vivem largadas. A única coisa que você ama nesse mundo, é dinheiro.
-Quem você pensa que é para dar palpites na minha vida e na dos meus filhos?
-Não estou palpitando, apenas esclarecendo os fatos.
-Pois guarde seus comentários insignificantes pra você.
-Bem, no mais era isso que eu tinha para dizer.
-Tem certeza que você não vai mais precisar do bom dinheiro que estou lhe dando?
-Não quero mais estragar a vida de ninguém por causa desse dinheiro maldito.
-O Leonardo também acabou com a minha vida. Casei, tive filhos, me apaixonei por um homem que gostava de homens!
-Essa é sua raiva... Você não se conforma dele ser bissexual, né?
-Jamais aceitarei isso.
-Mas ele disse que foi fiel a você pelo...
-Pouco me importa... Eu me casei com um homem, e não com um boiola.
-Bem, não quero entrar nesse mérito, sinto muito.
-Pense bem, Claus. Lembre-se que sua mãe é uma pessoa doente, precisa de você...
Falar da minha mãe doeu meu coração.
-Imagine se algo acontece com ela e você sem um centavo para ajudá-la?
-Eu ainda tenho um dinheiro guardado...
-Vamos ser realistas, Claus. Um mês de aluguel daquele flat que você está instalado seria um salário de um ano de trabalho nesses empreguinhos furrecas por ai.
-Prefiro ter pouco, mas com a consciência tranquila...
Debruçando-se sobre a mesa, ela disse:
-Escute aqui, rapazinho... Eu não nasci ontem e seus olhos não me enganam.
-Como?
-Você está apaixonado pelo Leonardo?
Fiquei calado.
-Responde? - Gritou furiosa.
-Estou.
-Imbecil! Eu já vinha desconfiando... Isso não fazia parte de nossos planos.
-Assim como também não fazia parte você se vingar dele.
-Do que você está falando?
-Você não quer brigar coisa nenhuma pelos seus filhos. A verdade é que você quer se vingar do Leonardo por ele ter se separado de você e assumido a bissexualidade, e usa as crianças que é o que ele mais ama como desculpa para atacá-lo, feri-lo.
-Quem te disse isso?
-Você, com suas atitudes... Não se conforma em ter perdido seu marido para um homem...
            Percebi que ela ficou mexida. Soltando fogo pelos olhos, falou:
-E se você desistir de me ajudar nessa vingança, também ficará sem ele.
-Do que você está falando?
-Imagine se o Leonardo descobre que você é o culpado de tudo?
-Mas foi você que me subordinou a isso.
-Claro, mas o que você acha que acontecerá comigo?... Clausinho...Tenho posses, meu querido. Posso contratar um ótimo advogado e pronto! Quanto a você?... O que fizemos é crime, imagine o tempo em que você passará na prisão...
-Você também.
-Eu tenho curso superior e dinheiro. Você só tem uma mãe doente, nem futuro possui... Acorda, chéri! Entenda que o único prejudicado em toda essa história será você.
-E como irá provar?
-Lembre-se que tenho o contrato muito bem guardado. Aliás, é você que aparece junto com ele o tempo todo nas “provas”...
Maldita! Ela fez questão de mais uma vez mostrar que eu não era nada, humilhando-me da maneira mais cruel que alguém poderia fazer.
Levantando-se de sua cadeira a Talita caminhou até mim, e tocando suas duas mãos em meus ombros, falou:
-Vá pra casa, descanse um pouco, pense... Tenho certeza que você irá me dar razão depois.
            Deixei aquela clínica com a dignidade no chão. Mesmo sabendo que contra ela eu não podia, alguma saída deveria haver. Pensei em contar toda a verdade pro Leonardo na esperança dele me perdoar, mas a Talita fez questão de frisar a gravidade da situação, e se tratando de seus filhos, o ele dava sua vida.
            Voltando para casa, imaginei várias maneiras, porém, nenhuma que favorecesse na prática. A única forma de amenizar minha situação seria dar um sumiço naquele contrato, porém, o problema seria encontrá-lo. Merda! Eu estava fodido.
            Cruzava à recepção do flat quando o Emerson abordou-me:
-Senhor Claus!
-Oi?
-Chegou isso para o senhor. - Disse entregando-me um envelope.
-Está fazendo hora extra?
-Não... É que hoje troquei meu horário, apenas.
-Tudo bem, obrigado.
Subi para o meu apartamento e fui tomar um banho para não pegar uma gripe. Enquanto ensaboava-me, chorava de arrependimento, querendo que o chão se abrisse para que eu caísse em um buraco e desaparecesse pra sempre da vida de todos aqueles a quem trouxe problemas.
            Na segunda-feira o Leonardo seguiu até a escola de seus filhos para conversar com o professor Anderson, que dava aula de Educação Física para a Giovana. Por ser hora de almoço e recente saída dos alunos do período matutino, os professores ainda estavam nas dependências do colégio.
-Bom dia!
-Bom dia. Eu quero falar com o professor Anderson.
-O senhor, quem é?
-Eu sou Leonardo Darvi, pai da aluna Giovana Rezardi Darvi.
-Deixa eu ver se ele pode recebê-lo. - Falou a garota da secretaria levantando-se do balcão.
            Enquanto o Leonardo aguardava, telefonou-me para desejar um bom dia:
-Alô?
-Fala, meu moleque! Tudo bem?
-Tudo sim e com você?
-Espero ficar, depois de falar com o professor da Giovana.
-Sobre aquilo?
-É.
            Nesse momento a garota voltou, dizendo ao Leonardo:
-Senhor...
-Peraí, Claus...
-Senhor Leonardo, no momento os professores estão em reunião.
-Quanto tempo vai levar?
-Nossa! Quando eles fazem reunião, não tem hora pra acabar.
-Mas que saco! Diga que eu estive aqui e quero falar com ele.
-Tudo bem.
-Anote meu telefone e peça pra que ele me ligue.
-Pode falar.
            Após passar o número de seu telefone, o Leonardo telefonou-me novamente dizendo:
-Você acredita que o professor não pôde me atender?
-Por quê?
-Está em reunião.
            Aquela história toda estava muito mal contada, e pra falar a verdade, algo de bom certamente não era.
            Desliguei o telefone e resolvi ir até o colégio onde as crianças estudavam. Tudo bem que esse assunto não era da minha conta, porém, algum mistério envolvia a filha do cara que eu amava, e sem que ele soubesse, eu iria ajudá-lo.
            Estacionei o carro na porta do colégio, do outro lado da rua. Liguei o rádio e fiquei ouvindo um pouco de música enquanto aguardava os professores saírem, coisa que não demorou muito.
            Vendo um grupo de pessoas cruzando à porta, fiquei ligado, prestando atenção em todos, porém, um deles me chamou atenção, que era o que usava uma camiseta regata, provavelmente o professor de Educação Física.
            Desci do carro. Acionei a trava e coloquei os óculos escuros. Atravessei a rua e entrei na secretaria.
O prédio tinha uma estrutura física tradicional. Logo na entrada havia três bandeiras, uma do colégio, outra da cidade de São Paulo e outra do Estado.  No hall da secretaria havia vários bancos que aparentemente pareciam serem confortáveis, acomodados um ao lado do outro. A escola era uma mistura de clássico com moderno, charmosa e bem cuidada. Provavelmente a mensalidade custaria por mês muito mais do que a Talita me pagou pelo período todo lhe prestando serviços.
No balcão de atendimento não havia ninguém. Bati duas vezes para chamar atenção de alguém que pudesse me atender. Gente preguiçosa! Enrolando o cabelo apareceu uma garota, que sorrindo, exclamou:
-Boa tarde!
-Boa tarde... Eu quero falar com o professor de Educação Física do primeiro ano.
-Ah! O professor Anderson já foi...
-Mas já? Puxa! Será que você teria o endereço de correio eletrônico dele para me passar?
-Claro! Vou anotar pro senhor.
-Obrigado.
            Enquanto ela anotava o endereço do professor em um papel timbrado com a marca d'água do colégio, aguardei em pé, olhando o mural cheio de informações e trabalhos artísticos dos alunos.
            Nem precisei entrar nas demais dependências do prédio para ver que a tradição imperava no sistema de ensino daquela instituição. Ao lado da porta que dava acesso ao pátio havia o brasão do colégio feito em bronze, coisa chique demais.
            Entregando-me o papel, a garota da secretaria disse:
-Aqui está o correio eletrônico do professor.
-Obrigado!
-De nada.
            Guardei o papel no bolso traseiro da calça e voltei pro carro. Enquanto ainda não sabia o que fazer, nem o que de fato estava acontecendo, resolvi aguardar e investigar um pouco mais essa história.
            Assim que dei partida, meu celular começou a tocar:
-Alô?
-Está em casa, meu moleque?
-Não... Estou aqui na Avenida Paulista.
-Estou perto. Vamos almoçar juntos?
-Agora?
-Sim!
-Vamos!         
-Te encontro onde?
-Em frente o MASP.
-Beleza.
            Desliguei o carro e cortei caminho a pé por dentro do Parque Trianon. Por enquanto eu não iria contar nada ao Leonardo, até ter certeza do que realmente estivesse havendo no colégio com a Giovana.
            Assim que cheguei, avistei o Leonardo chegando em seu carro. Apontando a frente, ele sinalizava que iria parar no acostamento. Caminhei até lá e entrei rapidamente, pois havia um táxi querendo desembarcar um passageiro e estávamos ocupando espaço.
            Cumprimentamo-nos um com selinho.
-Boa tarde, meu moleque!
-Boa tarde!
            Meu coração palpitou. Coloquei meu casaco no banco traseiro do carro, e ao virar-me, o celular do Leonardo começou a tocar. Inferno! Será que essa tecnologia não nos deixará em paz?
Aproveitando que estávamos no semáforo fechado, ele atendeu rapidamente:
-Alô?
-Leonardo?
-Sim...
-É o Braga.
-Boa tarde, doutor!
-Acho que não está tão boa assim.
-O que houve?
-Preciso que você dê um pulo aqui no escritório.
-Quando?
-Agora, se possível.
-Tudo bem, estou indo. - Falou desligando o telefone.
            Curioso, perguntei:
-O quê houve?
-Não sei... Meu advogado entrou em contato pedindo pra eu ir até lá agora...
-Uau!
            Alguma coisa de grave deveria estar acontecendo, e se fosse o que eu estava pensando, havia dedo meu e da Talita nisso. Cretina! Sentindo-se ameaçada, foi logo jogando as cartas que tinha na manga.
            Chegamos ao escritório em pouco tempo, pois estávamos ali próximos. Ao nos ver, a recepcionista levantou-se imediatamente da mesa onde estava e nos acompanhou até a sala do doutor Braga.
-Leonardo! - Exclamou o advogado levantando-se da mesa.
-Boa tarde!
-Sentem-se, por favor.
-Com licença. - Disse a recepcionista fechando à porta.
            Nervoso, o Leonardo questionou:
-O que aconteceu, Braga?
-O advogado da sua ex-mulher me procurou para uma proposta, ou melhor, um acordo.
-Que acordo?
-Eles querem que você abra mão da guarda das crianças, em troca não divulgam provas que você possui uma vida promíscua.
-Mas eu não possuo nenhuma vida promíscua.
            Virando o seu monitor do computador para nós, o doutor Braga falou:
-Leonardo... Eu recebi um e-mail com um vídeo seu e...
            O vídeo era eu e o Leonardo transando, o mesmo que eu havia gravado a pedido da Talita. Chocado, ele ficou sem reação, e eu, estando a seu lado, morrendo de vergonha, além do sentimento de culpa que me pegou.
-Mas... Como isso chegou até ela? - Perguntou o Leonardo olhando para mim.
            Permaneci calado.
-Se o juiz ver isso, pode interpretar de uma maneira pejorativa, e você certamente perderá.
-Então... Se eles apresentarem esse vídeo, eu perco de qualquer forma?
-Não só o vídeo, mas outras provas que dizem ter, podendo alegar incapacidade para posse das guardas.
-Maldita! - Exclamou dando um soco na mesa.
            O medo fez-me arrepiar a espinha. Se ele suspeitasse de algo, eu estava frito. Caralho, eu não deveria ter caído na dela. Se arrependimento matasse, eu já estaria morto há tempos.
Antes de dar partida no carro, o Leonardo apoiou sua cabeça ao volante e começou a chorar. Aquela cena partiu-me o coração, pois nunca o vi naquele estado.
            Com a voz embargada, tentei explicar:
-Leo... Eu quero dizer que... Sinto muito por isso, sei que a culpa é minha, mas eu não sabia que poderia chegar até ela e...
            Ele permaneceu calado.
- Leonardo... Eu vou fazer de tudo pra que você consiga a guarda dos seus filhos, nem que pra isso eu tenha que dar minha vida.
-Meus filhos são minha vida.
-Eu sei... Vou estar do seu lado sempre.
-Vamos pra casa, deixamos o almoço pra outro dia.
-Sim, claro.
            Depois daquilo, sua forma de me tratar foi mais fria, diferente do normal. Maldita foi à hora em que eu enviei aquele e-mail com o vídeo pra Talita. Se eu tivesse esperado um pouco mais, talvez até conseguiria tapeá-la, evitando tal problema.
            Com a tecnologia atual, nem tudo estava perdido. Assim que o Leonardo me deixou no flat, esperei que ele saísse para pôr em prática a primeira parte do meu plano.
            Segui para a casa da Talita determinado, porém, um pouco de insegurança era normal, e no meu caso até compreensivo. Se alguém me pegasse, eu estaria ferrado literalmente, por isso a cautela e atenção eram fundamentais para que meu plano desse certo.
Antes, parei na recepção e falei ao Emerson:
-Emerson... Você poderia me fazer um favor?
-Tudo que você quiser. - Respondeu sussurrando.
-Estou precisando de uma caixa de ferramentas. Tem como você conseguir uma pra mim?
-Pra quê?
-Isso já não é da sua conta. - Falei com um sorriso de idiota.
-Tudo bem. Dá um tempinho ai que eu vou ver o que posso fazer pra te ajudar.
-Beleza.
Sentei-me em um dos sofás da recepção enquanto aguardava por ele. O entra e sai de pessoas naquele flat mais parecia uma plataforma de metrô. Por um lado isso era bom porque ninguém reparava em mim, mas pelo outro, ruim por envolver a segurança dos hóspedes.
            Com um olhar desconfiado, o Emerson voltou à recepção. Tomando cuidado, entregou-me uma sacola dizendo:
-Pegue!
-Obrigado.
-Mas eu preciso disso rápido, antes que deem falta. Por favor, tome cuidado.
-Deixa comigo.
            Da minha casa até a residência da Talita não levava mais que quinze minutos de carro. Antes mesmo de engatar a primeira marcha, encostei a cabeça sobre o volante e fiquei pensando. Aquelas alturas, o que eu estava fazendo tratava-se de uma questão de sobrevivência, e certamente não prejudicaria mais ninguém, livrando-me do fardo de ter que ceder às chantagens daquela lambisgoia.
Peguei parte da Avenida Brigadeiro Luís Antônio e segui em direção à sua cobertura. Livre de trânsito, cheguei no condomínio em oito minutos. Olhei ao relógio e pelo horário a Talita já não estava mais em casa. Coloquei os óculos escuro para não ser reconhecido pelas câmeras. Embora fosse uma atitude praticamente inútil, era o máximo que eu poderia fazer até então.
Comuniquei ao porteiro que eu era o técnico da construtora, e não demorou muito para que ele liberasse minha entrada, mediante autorização da empregada. Para minha sorte, naquele dia a Cláudia estava de folga, sendo assim, um risco a menos de ser reconhecido dentro daquele enorme apartamento.
            Subi pelo elevador de serviço. Meu coração parecia estar batendo na garganta, e as pernas, essas eu já nem sentia.
Ao chegar, toquei à campainha e logo a porta se abriu. Esboçando um sorriso a empregada falou:
-Bom dia! É o senhor o técnico?
-Bom dia! Sim...
-Entre.
-Com licença...
-Onde está ocorrendo o problema?
-No banheiro da minha patroa... Vem que eu acompanho o senhor.
-Ah tá!
Embora eu já estivesse naquele apartamento uma vez, aquela empregada tonta não me reconheceu, pelo menos era o que aparentava.
            Já estando dentro de sua suíte, fui deixado "trabalhando" em paz.
-Eu vou deixar o senhor ai verificando e qualquer coisa, estou na copa...
-Tudo bem.
Esperei que ela saísse para começar a procurar dentro de seu closet. Tomei cuidado para não deixar nada fora do lugar e levantar suspeitas. Minhas mãos tremiam como vara verde, além do suor frio que descia pela minha testa como torneira aberta.
Quase dez minutos depois, finalmente encontrei um envelope branco, igual ao que vi em minha casa quando a Talita guardou aquele maldito contrato. Abri para conferi-lo. Atrapalhei-me um pouco no início, pois a ansiedade dominou-me. Quando o conteúdo revelou-se, lá estava minha "alforria", com carimbo de cartório e tudo.
            Liberdade! Essa foi a sensação imediata que me tocou. Na mesma hora fechei a porta de seu closet. Enrolei aqueles papéis e os coloquei dentro da calça. Suspirei aliviado. Caminhando em passos lentos, deixei o quarto da madame e segui até a cozinha, dizendo à empregada:
-Bem... É algo mais complexo do que eu imaginava. Vou verificar com meu chefe e retorno depois.
-Tudo bem... Ainda hoje?
-O quê?
-O senhor volta ainda hoje?
-Ah!... Não sei... Talvez amanhã.
-O senhor tem algum telefone para que eu entre em contato ou a minha patroa?
-Telefone?... Bem...
Pronto, agora que eu estava ferrado. Desconhecendo os procedimentos da empresa que deveria ir até o local, fiquei sem saber o que dizer, mas a sorte estava do meu lado, fazendo com que o telefone da casa tocasse.
-Por favor, aguarde um momento. - Disse ela correndo até a sala.
            Obviamente eu não iria esperar coisa nenhuma. Tratei de abrir a porta de serviço e "rapa fora", antes que alguém me descobrisse. Desci novamente pelo elevador de serviço, aliviado, suado de nervoso e medo, mas sentindo-me livre de uma vez por todas daquela chantagista barata.
            Chegando no térreo, deixei o condomínio rapidamente, não vendo a hora de sair daquela “jaula” para nunca mais precisar voltar. Ao cruzar o portão, reparei que um automóvel com a logomarca da construtora parou em frente à portaria. Merda! Eu precisava dar o fora dali o quanto antes. Tratei de entrar rapidamente no meu carro e cair fora, pois provavelmente aquele era o verdadeiro técnico do qual me fiz passar.
            Acelerei para bem longe. Finalmente eu era um homem livre, desimpedido para viver o primeiro e único amor da minha vida.


Próximo capítulo:    | Tô fora |
Dia 28/03


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