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Descobri que te amo |
Amar é complicado. Às vezes a gente se apaixona por alguém e não é
correspondido, e eu, que tinha a felicidade nas mãos, não poderia deixá-la
passar como água entre os dedos.
Sai de casa determinado a acabar com toda aquela tramoia, só assim eu poderia
doar-me por completo àquele amor que me trouxe à vida. Coragem eu tive de
monte, porque botei fé naquele suposto amor verdadeiro que estava sentindo.
Dirigindo meu próprio
carro, fui pensando em tudo que havia vivido, os momentos felizes e únicos que
o Leonardo proporcionou-me, e claro, na pessoa mais importante da minha vida,
que foi e sempre seria minha mãe.
Chovia muito naquela tarde, que mais parecia noite. O trânsito começou a dar as
caras muito antes do horário de pico. Seria uma resposta do destino? Não sei,
só sei que era teimoso e não desistiria do meu objetivo. Eu sabia que naquele
período a Talita estaria em sua clínica, sendo assim, segui diretamente para
lá.
Ao chegar, deixei meu carro estacionado em uma das três vagas para clientes.
Sai do veículo correndo para molhar-me o menos possível, mas claro que tomar um
pequeno banho foi inevitável.
Empurrei à porta de vidro e um sinalizador sonoro informou sobre minha
presença. Caminhei até o balcão da recepção, e disse à recepcionista:
-Boa
tarde!
-Boa
tarde! Eu quero falar com a Talita.
-Para
qual horário está marcada sua consulta? - Questionou abrindo à agenda.
-Para
horário nenhum.
-Senhor,
somente com horário marcado ela atende.
Sentando-me ao sofá,
falei:
-Pois
então ligue para ela e diga que Claus de Oliveira está aqui.
-Claus de
onde?
-Ela
sabe.
Até que a garota era
simpática, porém, questionava demais, e isso me irritava. Olhando-me com sua
visão periférica, ele pegou o telefone e comunicou minha presença:
-Doutora
Talita, o senhor Claus de Oliveira está aqui e deseja falar com a senhora.
-O Claus?
Mas o que ele faz aqui?
-Ele não
informou.
-Inferno!
Diga que agora estou em atendimento e assim que terminar, falo com ele.
-Tudo
bem, obrigada.
Colocando o telefone de
volta à base, a recepcionista disse:
-Aguarde
um momento que ela logo irá atendê-lo.
-Obrigado!
Enquanto o tempo
passava, procurei distrair-me lendo uma revista em meio àquele silêncio quase
absoluto, pra não dizer HORROROSO. Mais de dez minutos depois a Talita
apareceu, acompanhada de uma garota que, colocando sua bolsa ao ombro, disse:
-Espero que
dessa vez dê certo, tá?
-Claro! É
só seguir certinho o que eu prescrevi.
-Está
bem, obrigada!
-Tchau,
tchau.
Após despedirem-se com
um beijo no rosto, a Talita colocou as mãos nos bolsos do jaleco e disse
fuzilando-me com o olhar:
-Me
acompanhe até minha sala.
-Claro.
Devolvi a revista ao
cesto e acompanhei-a até sua sala. Percebi que minha visita inesperada não era
bem vinda, porém, eu estava pouco me importando.
Após trancar a porta,
caminhou até sua cadeira e disse furiosa:
-Eu já
não te falei para não aparecer aqui, nem na minha casa?
-Desculpa,
mas eu precisava muito falar com você...
-Deveria
ter me ligado e...
-Sinto
muito, mas o que eu tenho pra dizer não dá pra falar por telefone.
-Tá, tá...
Fala logo?
Nesse momento seu
telefone celular tocou.
-Só um
momento.
- Interrompeu abrindo sua bolsa.
-Tá.
-Alô?...
Fala?... E quando que ele vai fazer essa vistoria? Porque eu já venho pedindo
isso há muito tempo, e mal posso usar meu banheiro da suíte... Hum... Sei...
Depois de amanhã?... Tá certo, vou aguardar então. Boa tarde.
Guardando seu telefone
de volta à bolsa, continuou:
-Desembucha
logo, porque meu tempo é precioso.
-Quero te
comunicar que estou me retirando desse seu plano vingativo.
-Retirando?
-É.
-Nós
temos um contrato, querido.
-Você me
enganou, Talita.
-Eu!?
-Sim...
Você disse que o Leonardo era um cara de caráter duvidoso, que seus filhos eram
a coisa que você mais amava, no entanto, essa convivência com ele me fez
observar que o Leonardo é o melhor pai do mundo!
-Eu não
pedi a sua opinião quanto...
-Um
momento que eu ainda não terminei. - Interrompi. -Você disse que seus filhos eram tudo na sua vida, no entanto, é a babá
quem cuida deles 24 horas... Você mal liga para as crianças, vivem largadas. A
única coisa que você ama nesse mundo, é dinheiro.
-Quem
você pensa que é para dar palpites na minha vida e na dos meus filhos?
-Não
estou palpitando, apenas esclarecendo os fatos.
-Pois
guarde seus comentários insignificantes pra você.
-Bem, no
mais era isso que eu tinha para dizer.
-Tem
certeza que você não vai mais precisar do bom dinheiro que estou lhe dando?
-Não
quero mais estragar a vida de ninguém por causa desse dinheiro maldito.
-O
Leonardo também acabou com a minha vida. Casei, tive filhos, me apaixonei por
um homem que gostava de homens!
-Essa é
sua raiva... Você não se conforma dele ser bissexual, né?
-Jamais
aceitarei isso.
-Mas ele
disse que foi fiel a você pelo...
-Pouco me
importa... Eu me casei com um homem, e não com um boiola.
-Bem, não
quero entrar nesse mérito, sinto muito.
-Pense
bem, Claus. Lembre-se que sua mãe é uma pessoa doente, precisa de você...
Falar da minha mãe doeu
meu coração.
-Imagine
se algo acontece com ela e você sem um centavo para ajudá-la?
-Eu ainda
tenho um dinheiro guardado...
-Vamos
ser realistas, Claus. Um mês de aluguel daquele flat que você está instalado
seria um salário de um ano de trabalho nesses empreguinhos furrecas por ai.
-Prefiro
ter pouco, mas com a consciência tranquila...
Debruçando-se sobre a
mesa, ela disse:
-Escute
aqui, rapazinho... Eu não nasci ontem e seus olhos não me enganam.
-Como?
-Você
está apaixonado pelo Leonardo?
Fiquei calado.
-Responde? - Gritou furiosa.
-Estou.
-Imbecil!
Eu já vinha desconfiando... Isso não fazia parte de nossos planos.
-Assim
como também não fazia parte você se vingar dele.
-Do que
você está falando?
-Você não
quer brigar coisa nenhuma pelos seus filhos. A verdade é que você quer se
vingar do Leonardo por ele ter se separado de você e assumido a bissexualidade,
e usa as crianças que é o que ele mais ama como desculpa para atacá-lo,
feri-lo.
-Quem te
disse isso?
-Você,
com suas atitudes... Não se conforma em ter perdido seu marido para um homem...
Percebi que ela ficou mexida. Soltando fogo pelos olhos, falou:
-E se
você desistir de me ajudar nessa vingança, também ficará sem ele.
-Do que
você está falando?
-Imagine
se o Leonardo descobre que você é o culpado de tudo?
-Mas foi
você que me subordinou a isso.
-Claro,
mas o que você acha que acontecerá comigo?... Clausinho...Tenho posses, meu
querido. Posso contratar um ótimo advogado e pronto! Quanto a você?... O que
fizemos é crime, imagine o tempo em que você passará na prisão...
-Você
também.
-Eu tenho
curso superior e dinheiro. Você só tem uma mãe doente, nem futuro possui...
Acorda, chéri! Entenda que o único prejudicado em toda essa história será você.
-E como
irá provar?
-Lembre-se
que tenho o contrato muito bem guardado. Aliás, é você que aparece junto com
ele o tempo todo nas “provas”...
Maldita! Ela fez
questão de mais uma vez mostrar que eu não era nada, humilhando-me da maneira
mais cruel que alguém poderia fazer.
Levantando-se de sua
cadeira a Talita caminhou até mim, e tocando suas duas mãos em meus ombros,
falou:
-Vá pra
casa, descanse um pouco, pense... Tenho certeza que você irá me dar razão
depois.
Deixei aquela clínica com a dignidade no chão. Mesmo sabendo que contra ela eu
não podia, alguma saída deveria haver. Pensei em contar toda a verdade pro
Leonardo na esperança dele me perdoar, mas a Talita fez questão de frisar a
gravidade da situação, e se tratando de seus filhos, o ele dava sua vida.
Voltando para casa, imaginei várias maneiras, porém, nenhuma que favorecesse na
prática. A única forma de amenizar minha situação seria dar um sumiço naquele
contrato, porém, o problema seria encontrá-lo. Merda! Eu estava fodido.
Cruzava à recepção do flat quando o
Emerson abordou-me:
-Senhor
Claus!
-Oi?
-Chegou
isso para o senhor.
- Disse entregando-me um envelope.
-Está
fazendo hora extra?
-Não... É
que hoje troquei meu horário, apenas.
-Tudo
bem, obrigado.
Subi para o meu
apartamento e fui tomar um banho para não pegar uma gripe. Enquanto
ensaboava-me, chorava de arrependimento, querendo que o chão se abrisse para
que eu caísse em um buraco e desaparecesse pra sempre da vida de todos aqueles
a quem trouxe problemas.
Na segunda-feira o Leonardo seguiu até a escola de seus filhos para conversar
com o professor Anderson, que dava aula de Educação Física para a Giovana. Por
ser hora de almoço e recente saída dos alunos do período matutino, os
professores ainda estavam nas dependências do colégio.
-Bom dia!
-Bom dia.
Eu quero falar com o professor Anderson.
-O
senhor, quem é?
-Eu sou
Leonardo Darvi, pai da aluna Giovana Rezardi Darvi.
-Deixa eu
ver se ele pode recebê-lo. - Falou a garota da secretaria levantando-se do balcão.
Enquanto o Leonardo aguardava, telefonou-me para desejar um bom dia:
-Alô?
-Fala,
meu moleque! Tudo bem?
-Tudo sim
e com você?
-Espero
ficar, depois de falar com o professor da Giovana.
-Sobre
aquilo?
-É.
Nesse momento a garota voltou, dizendo ao Leonardo:
-Senhor...
-Peraí,
Claus...
-Senhor
Leonardo, no momento os professores estão em reunião.
-Quanto
tempo vai levar?
-Nossa!
Quando eles fazem reunião, não tem hora pra acabar.
-Mas que
saco! Diga que eu estive aqui e quero falar com ele.
-Tudo
bem.
-Anote
meu telefone e peça pra que ele me ligue.
-Pode
falar.
Após passar o número de seu telefone, o Leonardo telefonou-me novamente
dizendo:
-Você
acredita que o professor não pôde me atender?
-Por quê?
-Está em
reunião.
Aquela história toda estava muito mal contada, e pra falar a verdade, algo de
bom certamente não era.
Desliguei o telefone e resolvi ir até o colégio onde as crianças estudavam.
Tudo bem que esse assunto não era da minha conta, porém, algum mistério
envolvia a filha do cara que eu amava, e sem que ele soubesse, eu iria
ajudá-lo.
Estacionei o carro na porta do colégio, do outro lado da rua. Liguei o rádio e
fiquei ouvindo um pouco de música enquanto aguardava os professores saírem,
coisa que não demorou muito.
Vendo um grupo de pessoas cruzando à porta, fiquei ligado, prestando atenção em
todos, porém, um deles me chamou atenção, que era o que usava uma camiseta
regata, provavelmente o professor de Educação Física.
Desci do carro. Acionei a trava e coloquei os óculos escuros. Atravessei a rua
e entrei na secretaria.
O prédio tinha uma
estrutura física tradicional. Logo na entrada havia três bandeiras, uma do
colégio, outra da cidade de São Paulo e outra do Estado. No hall da secretaria havia vários bancos
que aparentemente pareciam serem confortáveis, acomodados um ao lado do outro.
A escola era uma mistura de clássico com moderno, charmosa e bem cuidada.
Provavelmente a mensalidade custaria por mês muito mais do que a Talita me
pagou pelo período todo lhe prestando serviços.
No balcão de
atendimento não havia ninguém. Bati duas vezes para chamar atenção de alguém
que pudesse me atender. Gente preguiçosa! Enrolando o cabelo apareceu uma
garota, que sorrindo, exclamou:
-Boa tarde!
-Boa
tarde... Eu quero falar com o professor de Educação Física do primeiro ano.
-Ah! O
professor Anderson já foi...
-Mas já?
Puxa! Será que você teria o endereço de correio eletrônico dele para me passar?
-Claro!
Vou anotar pro senhor.
-Obrigado.
Enquanto ela anotava o endereço do professor em um papel timbrado com a marca
d'água do colégio, aguardei em pé, olhando o mural cheio de informações e
trabalhos artísticos dos alunos.
Nem precisei entrar nas demais dependências do prédio para ver que a tradição
imperava no sistema de ensino daquela instituição. Ao lado da porta que dava
acesso ao pátio havia o brasão do colégio feito em bronze, coisa chique demais.
Entregando-me o papel, a garota da secretaria disse:
-Aqui
está o correio eletrônico do professor.
-Obrigado!
-De nada.
Guardei o papel no bolso traseiro da calça e voltei pro carro. Enquanto ainda
não sabia o que fazer, nem o que de fato estava acontecendo, resolvi aguardar e
investigar um pouco mais essa história.
Assim que dei partida, meu celular começou a tocar:
-Alô?
-Está em
casa, meu moleque?
-Não...
Estou aqui na Avenida Paulista.
-Estou
perto. Vamos almoçar juntos?
-Agora?
-Sim!
-Vamos!
-Te
encontro onde?
-Em
frente o MASP.
-Beleza.
Desliguei o carro e cortei caminho a pé por dentro do Parque Trianon. Por
enquanto eu não iria contar nada ao Leonardo, até ter certeza do que realmente
estivesse havendo no colégio com a Giovana.
Assim que cheguei, avistei o Leonardo chegando em seu carro. Apontando a
frente, ele sinalizava que iria parar no acostamento. Caminhei até lá e entrei
rapidamente, pois havia um táxi querendo desembarcar um passageiro e estávamos
ocupando espaço.
Cumprimentamo-nos um com selinho.
-Boa
tarde, meu moleque!
-Boa
tarde!
Meu coração palpitou. Coloquei meu casaco no banco traseiro do carro, e ao
virar-me, o celular do Leonardo começou a tocar. Inferno! Será que essa
tecnologia não nos deixará em paz?
Aproveitando que
estávamos no semáforo fechado, ele atendeu rapidamente:
-Alô?
-Leonardo?
-Sim...
-É o
Braga.
-Boa
tarde, doutor!
-Acho que
não está tão boa assim.
-O que
houve?
-Preciso
que você dê um pulo aqui no escritório.
-Quando?
-Agora,
se possível.
-Tudo
bem, estou indo.
- Falou desligando o telefone.
Curioso, perguntei:
-O quê
houve?
-Não
sei... Meu advogado entrou em contato pedindo pra eu ir até lá agora...
-Uau!
Alguma coisa de grave deveria estar acontecendo, e se fosse o que eu estava
pensando, havia dedo meu e da Talita nisso. Cretina! Sentindo-se ameaçada, foi
logo jogando as cartas que tinha na manga.
Chegamos ao escritório em pouco tempo, pois estávamos ali próximos. Ao nos ver,
a recepcionista levantou-se imediatamente da mesa onde estava e nos acompanhou
até a sala do doutor Braga.
-Leonardo! - Exclamou o advogado
levantando-se da mesa.
-Boa
tarde!
-Sentem-se,
por favor.
-Com
licença.
- Disse a recepcionista fechando à porta.
Nervoso, o Leonardo questionou:
-O que
aconteceu, Braga?
-O
advogado da sua ex-mulher me procurou para uma proposta, ou melhor, um acordo.
-Que
acordo?
-Eles
querem que você abra mão da guarda das crianças, em troca não divulgam provas
que você possui uma vida promíscua.
-Mas eu
não possuo nenhuma vida promíscua.
Virando o seu monitor do computador para nós, o doutor Braga falou:
-Leonardo...
Eu recebi um e-mail com um vídeo seu e...
O vídeo era eu e o Leonardo transando, o mesmo que eu havia gravado a pedido da
Talita. Chocado, ele ficou sem reação, e eu, estando a seu lado, morrendo de
vergonha, além do sentimento de culpa que me pegou.
-Mas...
Como isso chegou até ela? - Perguntou o Leonardo olhando para mim.
Permaneci calado.
-Se o
juiz ver isso, pode interpretar de uma maneira pejorativa, e você certamente
perderá.
-Então...
Se eles apresentarem esse vídeo, eu perco de qualquer forma?
-Não só o
vídeo, mas outras provas que dizem ter, podendo alegar incapacidade para posse
das guardas.
-Maldita! - Exclamou dando um
soco na mesa.
O medo fez-me arrepiar a espinha. Se ele suspeitasse de algo, eu estava frito.
Caralho, eu não deveria ter caído na dela. Se arrependimento matasse, eu já
estaria morto há tempos.
Antes de dar partida no
carro, o Leonardo apoiou sua cabeça ao volante e começou a chorar. Aquela cena
partiu-me o coração, pois nunca o vi naquele estado.
Com a voz embargada, tentei explicar:
-Leo...
Eu quero dizer que... Sinto muito por isso, sei que a culpa é minha, mas eu não
sabia que poderia chegar até ela e...
Ele permaneceu calado.
-
Leonardo... Eu vou fazer de tudo pra que você consiga a guarda dos seus filhos,
nem que pra isso eu tenha que dar minha vida.
-Meus
filhos são minha vida.
-Eu
sei... Vou estar do seu lado sempre.
-Vamos
pra casa, deixamos o almoço pra outro dia.
-Sim,
claro.
Depois daquilo, sua forma de me tratar foi mais fria, diferente do normal.
Maldita foi à hora em que eu enviei aquele e-mail
com o vídeo pra Talita. Se eu tivesse esperado um pouco mais, talvez até
conseguiria tapeá-la, evitando tal problema.
Com a tecnologia atual, nem tudo estava perdido. Assim que o Leonardo me deixou
no flat, esperei que ele saísse para
pôr em prática a primeira parte do meu plano.
Segui para a casa da Talita determinado, porém, um pouco de insegurança era
normal, e no meu caso até compreensivo. Se alguém me pegasse, eu estaria
ferrado literalmente, por isso a cautela e atenção eram fundamentais para que
meu plano desse certo.
Antes, parei na
recepção e falei ao Emerson:
-Emerson...
Você poderia me fazer um favor?
-Tudo que
você quiser.
- Respondeu sussurrando.
-Estou
precisando de uma caixa de ferramentas. Tem como você conseguir uma pra mim?
-Pra quê?
-Isso já
não é da sua conta.
- Falei com um sorriso de idiota.
-Tudo
bem. Dá um tempinho ai que eu vou ver o que posso fazer pra te ajudar.
-Beleza.
Sentei-me em um dos
sofás da recepção enquanto aguardava por ele. O entra e sai de pessoas naquele flat mais parecia uma plataforma de
metrô. Por um lado isso era bom porque ninguém reparava em mim, mas pelo outro,
ruim por envolver a segurança dos hóspedes.
Com um olhar desconfiado, o Emerson voltou à recepção. Tomando cuidado, entregou-me
uma sacola dizendo:
-Pegue!
-Obrigado.
-Mas eu
preciso disso rápido, antes que deem falta. Por favor, tome cuidado.
-Deixa
comigo.
Da minha casa até a residência da Talita não levava mais que quinze minutos de
carro. Antes mesmo de engatar a primeira marcha, encostei a cabeça sobre o
volante e fiquei pensando. Aquelas alturas, o que eu estava fazendo tratava-se
de uma questão de sobrevivência, e certamente não prejudicaria mais ninguém,
livrando-me do fardo de ter que ceder às chantagens daquela lambisgoia.
Peguei parte da Avenida
Brigadeiro Luís Antônio e segui em direção à sua cobertura. Livre de trânsito,
cheguei no condomínio em oito minutos. Olhei ao relógio e pelo horário a Talita
já não estava mais em casa. Coloquei os óculos escuro para não ser reconhecido
pelas câmeras. Embora fosse uma atitude praticamente inútil, era o máximo que
eu poderia fazer até então.
Comuniquei ao porteiro
que eu era o técnico da construtora, e não demorou muito para que ele liberasse
minha entrada, mediante autorização da empregada. Para minha sorte, naquele dia
a Cláudia estava de folga, sendo assim, um risco a menos de ser reconhecido
dentro daquele enorme apartamento.
Subi pelo elevador de serviço. Meu coração parecia estar batendo na garganta, e
as pernas, essas eu já nem sentia.
Ao chegar, toquei à
campainha e logo a porta se abriu. Esboçando um sorriso a empregada falou:
-Bom dia!
É o senhor o técnico?
-Bom dia!
Sim...
-Entre.
-Com
licença...
-Onde
está ocorrendo o problema?
-No
banheiro da minha patroa... Vem que eu acompanho o senhor.
-Ah tá!
Embora eu já estivesse
naquele apartamento uma vez, aquela empregada tonta não me reconheceu, pelo
menos era o que aparentava.
Já estando dentro de sua suíte, fui deixado "trabalhando" em paz.
-Eu vou
deixar o senhor ai verificando e qualquer coisa, estou na copa...
-Tudo
bem.
Esperei que ela saísse
para começar a procurar dentro de seu closet.
Tomei cuidado para não deixar nada fora do lugar e levantar suspeitas. Minhas
mãos tremiam como vara verde, além do suor frio que descia pela minha testa
como torneira aberta.
Quase dez minutos
depois, finalmente encontrei um envelope branco, igual ao que vi em minha casa
quando a Talita guardou aquele maldito contrato. Abri para conferi-lo.
Atrapalhei-me um pouco no início, pois a ansiedade dominou-me. Quando o
conteúdo revelou-se, lá estava minha "alforria", com carimbo de
cartório e tudo.
Liberdade! Essa foi a sensação imediata que me tocou. Na mesma hora fechei a
porta de seu closet. Enrolei aqueles
papéis e os coloquei dentro da calça. Suspirei aliviado. Caminhando em passos
lentos, deixei o quarto da madame e segui até a cozinha, dizendo à empregada:
-Bem... É
algo mais complexo do que eu imaginava. Vou verificar com meu chefe e retorno
depois.
-Tudo
bem... Ainda hoje?
-O quê?
-O senhor
volta ainda hoje?
-Ah!...
Não sei... Talvez amanhã.
-O senhor
tem algum telefone para que eu entre em contato ou a minha patroa?
-Telefone?...
Bem...
Pronto, agora que eu
estava ferrado. Desconhecendo os procedimentos da empresa que deveria ir até o
local, fiquei sem saber o que dizer, mas a sorte estava do meu lado, fazendo
com que o telefone da casa tocasse.
-Por
favor, aguarde um momento. - Disse ela correndo até a sala.
Obviamente eu não iria esperar coisa nenhuma. Tratei de abrir a porta de serviço
e "rapa fora", antes que alguém me descobrisse. Desci novamente pelo
elevador de serviço, aliviado, suado de nervoso e medo, mas sentindo-me livre
de uma vez por todas daquela chantagista barata.
Chegando no térreo, deixei o condomínio rapidamente, não vendo a hora de sair
daquela “jaula” para nunca mais precisar voltar. Ao cruzar o portão, reparei
que um automóvel com a logomarca da construtora parou em frente à portaria.
Merda! Eu precisava dar o fora dali o quanto antes. Tratei de entrar
rapidamente no meu carro e cair fora, pois provavelmente aquele era o
verdadeiro técnico do qual me fiz passar.
Acelerei para bem longe. Finalmente eu era um homem livre, desimpedido para
viver o primeiro e único amor da minha vida.
Próximo capítulo: | Tô fora |
Dia 28/03
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