sábado, 5 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPÍTULO 5





| Jantar nas alturas |

            Enfim sexta-feira. Durante o dia fui ao shopping gastar um pouco do dinheiro que eu havia ganhado pela prestação de serviço à Talita. Nunca em toda minha vida comprei tanto, investindo em coisas supérfluas.
Comprei roupas, perfumes, tênis. Almocei em um maravilhoso restaurante, tratamento digno de um rei. Antes de ir embora, passei no cabeleireiro para mudar um pouco o corte, aproveitei também para fazer luzes e ficar bem bonito para aquela noite.
Cheguei em casa e logo ao fechar à porta o telefone tocou. Coloquei as sacolas sobre o sofá e corri para atender:
-Alô?
-Claus?
-Eu...
-É o Leonardo... Bem, desculpe não ter ligado antes... Tive um dia muito corrido hoje na clínica...
-Sem problemas.
-De qualquer forma... Eu liguei, conforme o prometido.
-Gostei! Ainda está de pé nosso cinema?
-Se você ainda estiver a fim, podemos sair...
-Claro que estou!
-Podemos nos encontrar às nove?
-Ocê poderia passar aqui em casa?
-Tá bom.
-Inté mais!
Desliguei o telefone e fui tomar outro banho, pra quando ele chegasse, eu já estivesse o esperando, cheirosinho e provocante.
Apenas com a toalha enrolada à cintura, liguei o rádio e deixei tocando um CD com minhas músicas favoritas. Joguei-me sobre a cama e fiquei deitado, olhando pro teto, pensando na vida. Houve momentos que achei estar sonhando, desfrutando de um conforto cujo jamais imaginei alcançar, enquanto isso o tempo passava depressa sem que eu percebesse.
Ao voltar à realidade, provei todas as muambas que havia comprado, olhando-me ao espelho para selecionar a melhor combinação pro nosso primeiro programa juntos.
Optei pelo melhor e mais suave perfume. Olhava-me ao espalho a cada cinco minutos, inseguro, com receio de causar uma má impressão ou não agradá-lo.
Faltavam quinze minutos para às nove horas quando meu celular tocou:
-Alô?
-Claus, é o Leonardo.
-Eaí rapaz...
-Já está pronto?
-Claro!
-Então desce que estou te esperando em frente à recepção.
-Beleza!
Peguei minha jaqueta, apaguei a luz do quarto e tranquei a porta. A noite parecia estar um pouco fria, porém, linda. Pelas ruas do bairro vários carros transitavam, barzinhos lotados, dia de diversão e esquecer de trabalho.
Enquanto descia com o elevador, ajeitava meu cabelo nos espelhos próximo ao painel, aproveitando que ainda estavam úmidos e maleáveis. Logo quando cheguei à recepção avistei o carro do Leonardo parado alguns metros à frente. Senti um pequeno frio na espinha, mas fui corajoso e mantive a postura firme.
Caminhei até ele e ao abrir à porta, entrei exclamando:
-Nossa! Como tá quentinho aqui...
-O aquecedor está ligado.
-Hum...
Cumprimentamo-nos com um aperto de mão. O interior do carro exalava seu delicioso perfume, que por sinal eu conhecia e sabia que era caríssimo. Pelo menos, bom gosto o Leonardo possuía, uma qualidade dentre tantos defeitos que me foram alertados.
Chegamos ao cinema faltavam trinta minutos para começar o filme. Antecipando-se, o Leonardo seguiu até a bilheteria para comprar os ingressos, porém, já estavam esgotados.
Sem graça, ele caminhou até mim e disse:
-Acho que chegamos um pouco tarde...
-Por quê?
-Não tem mais ingresso pro filme...
-Prefere ver outro?
-Não tem nenhum em cartaz que me agrade... Alguma preferência?
-Bem, por mim qualquer um estava bom. Mas como ocê não curte, deixa quieto.
-Não é só porque não veremos mais o filme que nossa noite está perdida.
-Ah é?
-Temos a opção do boliche.
-É verdade! Deixa o cinema para outro dia então.
            Realmente, o destino estava ao meu favor. Consequentemente iríamos ter mais um pretexto para nos ver, já que o cinema ficou pendente para outro dia.
Eu nunca havia jogado boliche na vida, nem sabia direito como fazia, pois a única vez que vi uma bola como aquela foi pela TV no programa do Silvio Santos. Fiquei deslumbrado com tanta gente se divertindo com aquele joguinho idiota, além do dinheiro absurdo que se gastava. As pistas estavam quase todas ocupadas, música alta, gargalhadas sem fim.
            Pegamos uma mesa próxima a um enorme televisor, onde eram reproduzidos vários clipes musicais de cantores famosos. Claro que estava ligado só para decorar o ambiente, pois pelo que observei ninguém prestava atenção naquela programação, ocupados com mil e uma coisas.
Jovens casais namoravam, famílias se curtiam, e eu entristecido por dentro, com inveja por nunca ter recebido dos meus pais um afago se quer. Minha criação foi seca, sem carinho ou demonstração de sentimentos. Embora isso tenha me abalado, nunca usei como desculpa para desgostar dos meus pais, pelo contrário, sei que para criar a mim e meus irmãos deram um duro danado, além do mais, eu não poderia cobrar deles aquilo que certamente não receberam.
            Sentei-me a uma mesa e aguardei o Leonardo que havia ido ao banheiro. Sinceramente, aquele lugar estava me fazendo sentir mal, porque não era o meu mundo, eu era praticamente um peixe fora d’água, porém, aquela vida que eu queria, e logo iria me acostumar a ser um deles.
            Tocando em meu ombro, o Leonardo falou:
-Vamos lá?
-Aonde?
-Jogar...
-O que eu tenho que comprar?
-Nada. Eu já loquei a pista...
-Você me ensina? É porque eu nunca joguei e...
-Sem problemas... Melhor pra mim que te darei um banho!
-Hahaha... Abusa enquanto você pode.
            Pegando uma bola ao lado do painel, caminhamos em direção à pista logo em seguida. Com paciência o Leonardo explicava-me o que fazer enquanto simulava um lance aos pinos.
-Você coloca esses dedos dessa forma...
-Que bola pesada! - Exclamei tentando segurá-la.
-Seguraaaaaaa...
-Hahaha... Calma, eu sou magro, mas tenho força.
-Hum... Agora você deve mirar no triangulo de pinos. - Disse colocando sua bola de volta à gôndola.
-Assim?
-Não...
           Para me ajudar, ele caminhou até onde eu estava e por trás de mim ajeitou-me na posição correta para lançar a bola. Uau, que pegada! Óbvio que eu iria me aproveitar da situação, mesmo ele não fazendo aquilo por maldade. Virei meu rosto propositalmente de uma maneira brusca, pois minha intenção era esbarrar nossos lábios “sem querer”. A tentativa não deu certo, mas faltou pouco.
-Opa! E agora?
-Agora você pega impulso e joga a bola.
-Ah!
            Mirei bem no centro do triângulo, dei três passos atrás e corri jogando-a sobre a pista. A falta de prática me fez pagar o maior mico, porque meus dedos enroscaram na bola, sendo assim, fui junto com ela derrubar os pinos deslizando pela pista. O barulho da queda chamou atenção de algumas pessoas que estavam próximas, principalmente a do Leonardo que me assistia jogar.
            Rindo, ele foi até mim questionando:
-Hahaha... Está tudo bem?
Tentando levantar-me, respondi:
-Acho que sim.
-Tem certeza? Não se machucou?
-E se eu me machucasse? Ocê iria me socorrer?
-Claro... Sou um médico.
-Uau! Me senti importante agora...
-Só por que eu iria te socorrer?
-Sim... Tendo um médico particular como ocê é um privilégio enorme.
-Não sei em que eu daria tanta vaidade assim, mas vou encarar isso como um elogio.
-Tenha certeza de que é.
            O Leonardo, de certa forma foi um bom professor, ensinando-me com paciência os procedimentos do jogo. Empenhei-me ao máximo, e modéstia à parte, posso me considerar um bom aluno, pois fiz tudo certinho da maneira como me ensinou.
            Já passava de meia noite quando deixamos o boliche. Estávamos ambos dentro do carro, ainda no estacionamento do shopping quando ele questionou selecionando um CD em sua coleção:
-Gostou da brincadeira?
-Do boliche?
-É.
-Sim! Mas o combinado era eu pagar...
-Relaxa, o importante é a companhia.
            Surpreso, perguntei:
-Então ocê gostou da minha companhia?
-Claro... Você é um cara bem divertido.
-Tapado, ocê quis dizer...
-Não ponha palavras em minha boca.
-Desculpa.
-Não gosto quando as pessoas se diminuem perante as outras. Ninguém é melhor do que ninguém.
-Eu só tava brincando.
-Relaxa, não levei a mal. Está com fome?
-Um pouco...
-Vamos jantar?
-Onde?
-Eu conheço um restaurante da hora... Você vai gostar.
-Opa!
            Com exceção do frio, a noite estava linda, céu estrelado, como dizia minha mãe: “Hoje a lua é dos namorados”. A vontade de sair para uma balada era muita, porém, fiquei sem jeito de sugerir pelo fato de ter seus filhos para buscar no outro dia.
Descíamos à Consolação quando perguntei:
-Aonde estamos indo?
-Para um lugar onde você nunca esteve.
-Que lugar?
-Não se preocupe, você vai gostar.
-Ah é?
-Confie em mim.
-Então tá.
Todo aquele mistério só para me levar ao Centro? Que idiota! Eu preferia muito mais uma boa trepada num motel bacana, ao invés de ficar andando de carro importado admirando os altos edifícios dessa cidade chata. Mole do jeito que ele parecia ser isso iria demorar muito para acontecer.
Após deixarmos o carro em um estacionamento, seguimos pela calçada, quase deserta, em direção à igreja da Consolação.
Cansado de andar e irritado, questionei:
-Olha aqui... Eu não vou ficar andando nesse frio, porque sei que nessa região não tem nada aberto há essa hora.
-Tem certeza? - Questionou franzindo a sobrancelha.
Nesse momento entramos em um prédio. Sei lá qual era sua intenção, só sei que eu me calei e o acompanhei ao pegarmos os dois elevadores daquele gigantesco edifício com mais de quarenta andares.
De frente para um salão que aparentava ser um restaurante, perguntei:
-Nossa! Que lugar é esse?
-Um restaurante!
-No alto do prédio?
-Sim.
Mais uma vez fui surpreendido. Jamais imaginei que houvesse um restaurante no alto de um prédio, com paredes de vidro e garçons parecendo pinguins.
O Edifício Itália é o segundo mais alto prédio da cidade de São Paulo, onde abriga o restaurante Terraço Itália, situado no 41º andar, um dos mais requintados e luxuosos da metrópole.
Localizado no Centro da cidade, o restaurante teve como responsável pela sua obra o italiano Evaristo Comolatti, que ficou impressionado com a grandiosidade do edifício e sua visão única e privilegiada da capital.
Inaugurado em 29 de setembro de 1967, tornou-se um dos mais conhecidos pontos turísticos de São Paulo, visitado por grandes personalidades ao longo dos anos, inclusive pela rainha da Inglaterra e o príncipe Phillipe.
O estabelecimento já passou por algumas reformas para adaptar-se ao exigente povo paulistano. Atualmente possui dois andares e quatro ambientes, entre eles um piano bar, um restaurante clássico e pista de dança.
Logo ao entrarmos fomos recebidos por um rapaz muito educado e fino, que nos atendeu com muita elegância e cortesia.
-Boa noite, senhores!
-Boa noite! Eu quero uma mesa próxima à janela.
-Por favor, me acompanhem...
            Sussurrando, disse ao Leonardo:
-Eu nunca estive em lugares chiques assim... E agora?
-Não se preocupe. Você é meu convidado.
O lugar era lindo. De dentro dava pra ver a cidade inteira ao fundo, trabalhando sem parar enquanto jantávamos. Uma música tocada por um piano ao vivo completava o clima erudito do local, que provavelmente era frequentado por pessoas de bom gosto.
-Eu não sabia que em São Paulo existia um restaurante como esse...
-Suspeitei, por isso te trouxe... Você é novo na cidade, tem muita coisa pra conhecer ainda.
Quando olhei o cardápio, quase despenquei do 42º andar, começando pelos nomes que nada entendi. Até pensei em levantar e discretamente ir embora, pois eu não teria recursos nem para comprar uma azeitona daquele menu, porém, como era o Leonardo quem iria pagar, fiquei menos preocupado.
-Que cara é essa? - Perguntou o Leonardo com um olhar periférico.
-Esse lugar é muito caro. - Falei sussurrando debruçando-me sobre a mesa.
-Hahaha... Não se preocupe com isso.
Quando nosso pedido chegou, eu nem sabia qual talher usaria primeiro, além das taças que me confundiam. Esbocei um sorriso amarelo enquanto o garçom nos servia, esperando que ele fosse embora logo e assim o mico que provavelmente eu pagaria teria menos testemunhas.
-E agora? - Perguntei meio sem graça.
Com a maior paciência, ele respondeu:
-Não se preocupe com detalhes. Haja normalmente.
-Mas num lugar tão fino como esse...
-Você não tem obrigação alguma de saber etiqueta para jantar em um restaurante de luxo. Fique tranquilo.
-E se as pessoas ficarem me olhando?
-Olhar é o máximo que elas poderão fazer... Pegue esse garfo para começar...
-Ah tá!
O Leonardo tinha razão. Eu nunca fui de importar-me com o que os outros estão pensando. Meu lema era não levar a vida tão a sério, pois todo mundo nasce depois de uma bela gozada.
A comida era boa, e o vinho então, nem se fala. Para ser sincero nem lembro quantas taças bebi, pois era tão gostoso que acabei abusando um pouco, mas claro, até onde o “general” permitiu.

            Após o jantar, fomos embora. Fazendo a linha simpático, o Leonardo levou-me até em casa, porém, nada rolou entre nós. Não sei se por falta de atitude dele ou minha, embora eu também não percebesse nenhuma brecha ou sinal de que houvesse um interesse pela minha pessoa.




Próximo capítulo: | Última chance |
Dia 06/03


Nenhum comentário: