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Jantar nas alturas |
Enfim
sexta-feira. Durante o dia fui ao shopping
gastar um pouco do dinheiro que eu havia ganhado pela prestação de serviço à
Talita. Nunca em toda minha vida comprei tanto, investindo em coisas
supérfluas.
Comprei roupas,
perfumes, tênis. Almocei em um maravilhoso restaurante, tratamento digno de um
rei. Antes de ir embora, passei no cabeleireiro para mudar um pouco o corte,
aproveitei também para fazer luzes e ficar bem bonito para aquela noite.
Cheguei em casa e logo
ao fechar à porta o telefone tocou. Coloquei as sacolas sobre o sofá e corri
para atender:
-Alô?
-Claus?
-Eu...
-É o
Leonardo... Bem, desculpe não ter ligado antes... Tive um dia muito corrido
hoje na clínica...
-Sem
problemas.
-De
qualquer forma... Eu liguei, conforme o prometido.
-Gostei!
Ainda está de pé nosso cinema?
-Se você
ainda estiver a fim, podemos sair...
-Claro
que estou!
-Podemos
nos encontrar às nove?
-Ocê
poderia passar aqui em casa?
-Tá bom.
-Inté
mais!
Desliguei o telefone e
fui tomar outro banho, pra quando ele chegasse, eu já estivesse o esperando,
cheirosinho e provocante.
Apenas com a toalha
enrolada à cintura, liguei o rádio e deixei tocando um CD com minhas músicas
favoritas. Joguei-me sobre a cama e fiquei deitado, olhando pro teto, pensando
na vida. Houve momentos que achei estar sonhando, desfrutando de um conforto
cujo jamais imaginei alcançar, enquanto isso o tempo passava depressa sem que
eu percebesse.
Ao voltar à realidade,
provei todas as muambas que havia comprado, olhando-me ao espelho para
selecionar a melhor combinação pro nosso primeiro programa juntos.
Optei pelo melhor e
mais suave perfume. Olhava-me ao espalho a cada cinco minutos, inseguro, com
receio de causar uma má impressão ou não agradá-lo.
Faltavam quinze minutos
para às nove horas quando meu celular tocou:
-Alô?
-Claus, é
o Leonardo.
-Eaí
rapaz...
-Já está
pronto?
-Claro!
-Então
desce que estou te esperando em frente à recepção.
-Beleza!
Peguei minha jaqueta,
apaguei a luz do quarto e tranquei a porta. A noite parecia estar um pouco
fria, porém, linda. Pelas ruas do bairro vários carros transitavam, barzinhos
lotados, dia de diversão e esquecer de trabalho.
Enquanto descia com o
elevador, ajeitava meu cabelo nos espelhos próximo ao painel, aproveitando que
ainda estavam úmidos e maleáveis. Logo quando cheguei à recepção avistei o
carro do Leonardo parado alguns metros à frente. Senti um pequeno frio na
espinha, mas fui corajoso e mantive a postura firme.
Caminhei até ele e ao
abrir à porta, entrei exclamando:
-Nossa!
Como tá quentinho aqui...
-O aquecedor
está ligado.
-Hum...
Cumprimentamo-nos com
um aperto de mão. O interior do carro exalava seu delicioso perfume, que por
sinal eu conhecia e sabia que era caríssimo. Pelo menos, bom gosto o Leonardo
possuía, uma qualidade dentre tantos defeitos que me foram alertados.
Chegamos ao cinema
faltavam trinta minutos para começar o filme. Antecipando-se, o Leonardo seguiu
até a bilheteria para comprar os ingressos, porém, já estavam esgotados.
Sem graça, ele caminhou
até mim e disse:
-Acho que
chegamos um pouco tarde...
-Por quê?
-Não tem
mais ingresso pro filme...
-Prefere
ver outro?
-Não tem
nenhum em cartaz que me agrade... Alguma preferência?
-Bem, por
mim qualquer um estava bom. Mas como ocê não curte, deixa quieto.
-Não é só
porque não veremos mais o filme que nossa noite está perdida.
-Ah é?
-Temos a
opção do boliche.
-É
verdade! Deixa o cinema para outro dia então.
Realmente, o destino estava ao meu favor. Consequentemente iríamos ter mais um
pretexto para nos ver, já que o cinema ficou pendente para outro dia.
Eu nunca havia jogado
boliche na vida, nem sabia direito como fazia, pois a única vez que vi uma bola
como aquela foi pela TV no programa do Silvio Santos. Fiquei deslumbrado com
tanta gente se divertindo com aquele joguinho idiota, além do dinheiro absurdo
que se gastava. As pistas estavam quase todas ocupadas, música alta,
gargalhadas sem fim.
Pegamos uma mesa próxima a um enorme televisor, onde eram reproduzidos vários
clipes musicais de cantores famosos. Claro que estava ligado só para decorar o
ambiente, pois pelo que observei ninguém prestava atenção naquela programação,
ocupados com mil e uma coisas.
Jovens casais
namoravam, famílias se curtiam, e eu entristecido por dentro, com inveja por
nunca ter recebido dos meus pais um afago se quer. Minha criação foi seca, sem
carinho ou demonstração de sentimentos. Embora isso tenha me abalado, nunca
usei como desculpa para desgostar dos meus pais, pelo contrário, sei que para
criar a mim e meus irmãos deram um duro danado, além do mais, eu não poderia
cobrar deles aquilo que certamente não receberam.
Sentei-me a uma mesa e aguardei o Leonardo que havia ido ao banheiro.
Sinceramente, aquele lugar estava me fazendo sentir mal, porque não era o meu
mundo, eu era praticamente um peixe fora d’água, porém, aquela vida que eu
queria, e logo iria me acostumar a ser um deles.
Tocando em meu ombro, o Leonardo falou:
-Vamos
lá?
-Aonde?
-Jogar...
-O que eu
tenho que comprar?
-Nada. Eu
já loquei a pista...
-Você me
ensina? É porque eu nunca joguei e...
-Sem
problemas... Melhor pra mim que te darei um banho!
-Hahaha...
Abusa enquanto você pode.
Pegando uma bola ao lado do painel, caminhamos em direção à pista logo em
seguida. Com paciência o Leonardo explicava-me o que fazer enquanto simulava um
lance aos pinos.
-Você
coloca esses dedos dessa forma...
-Que bola
pesada!
- Exclamei tentando segurá-la.
-Seguraaaaaaa...
-Hahaha...
Calma, eu sou magro, mas tenho força.
-Hum...
Agora você deve mirar no triangulo de pinos. - Disse colocando sua bola de volta à
gôndola.
-Assim?
-Não...
Para me ajudar, ele caminhou até onde eu estava e por trás de mim ajeitou-me na
posição correta para lançar a bola. Uau, que pegada! Óbvio que eu iria me
aproveitar da situação, mesmo ele não fazendo aquilo por maldade. Virei meu
rosto propositalmente de uma maneira brusca, pois minha intenção era esbarrar
nossos lábios “sem querer”. A tentativa não deu certo, mas faltou pouco.
-Opa! E
agora?
-Agora
você pega impulso e joga a bola.
-Ah!
Mirei bem no centro do triângulo, dei três passos atrás e corri jogando-a sobre
a pista. A falta de prática me fez pagar o maior mico, porque meus dedos
enroscaram na bola, sendo assim, fui junto com ela derrubar os pinos deslizando
pela pista. O barulho da queda chamou atenção de algumas pessoas que estavam
próximas, principalmente a do Leonardo que me assistia jogar.
Rindo, ele foi até mim questionando:
-Hahaha...
Está tudo bem?
Tentando levantar-me,
respondi:
-Acho que
sim.
-Tem
certeza? Não se machucou?
-E se eu
me machucasse? Ocê iria me socorrer?
-Claro...
Sou um médico.
-Uau! Me
senti importante agora...
-Só por
que eu iria te socorrer?
-Sim...
Tendo um médico particular como ocê é um privilégio enorme.
-Não sei
em que eu daria tanta vaidade assim, mas vou encarar isso como um elogio.
-Tenha
certeza de que é.
O Leonardo, de certa forma foi um bom professor, ensinando-me com paciência os
procedimentos do jogo. Empenhei-me ao máximo, e modéstia à parte, posso me
considerar um bom aluno, pois fiz tudo certinho da maneira como me ensinou.
Já passava de meia noite quando deixamos o boliche. Estávamos ambos dentro do
carro, ainda no estacionamento do shopping
quando ele questionou selecionando um CD em sua coleção:
-Gostou
da brincadeira?
-Do
boliche?
-É.
-Sim! Mas
o combinado era eu pagar...
-Relaxa,
o importante é a companhia.
Surpreso, perguntei:
-Então
ocê gostou da minha companhia?
-Claro...
Você é um cara bem divertido.
-Tapado,
ocê quis dizer...
-Não
ponha palavras em minha boca.
-Desculpa.
-Não
gosto quando as pessoas se diminuem perante as outras. Ninguém é melhor do que
ninguém.
-Eu só
tava brincando.
-Relaxa,
não levei a mal. Está com fome?
-Um
pouco...
-Vamos
jantar?
-Onde?
-Eu
conheço um restaurante da hora... Você vai gostar.
-Opa!
Com exceção do frio, a noite estava linda, céu estrelado, como dizia minha mãe:
“Hoje a lua é dos namorados”. A vontade de sair para uma balada era muita,
porém, fiquei sem jeito de sugerir pelo fato de ter seus filhos para buscar no
outro dia.
Descíamos à Consolação
quando perguntei:
-Aonde
estamos indo?
-Para um
lugar onde você nunca esteve.
-Que
lugar?
-Não se
preocupe, você vai gostar.
-Ah é?
-Confie
em mim.
-Então tá.
Todo aquele mistério só
para me levar ao Centro? Que idiota! Eu preferia muito mais uma boa trepada num
motel bacana, ao invés de ficar andando de carro importado admirando os altos
edifícios dessa cidade chata. Mole do jeito que ele parecia ser isso iria demorar
muito para acontecer.
Após deixarmos o carro
em um estacionamento, seguimos pela calçada, quase deserta, em direção à igreja
da Consolação.
Cansado de andar e
irritado, questionei:
-Olha
aqui... Eu não vou ficar andando nesse frio, porque sei que nessa região não
tem nada aberto há essa hora.
-Tem
certeza?
- Questionou franzindo a sobrancelha.
Nesse momento entramos
em um prédio. Sei lá qual era sua intenção, só sei que eu me calei e o
acompanhei ao pegarmos os dois elevadores daquele gigantesco edifício com mais
de quarenta andares.
De frente para um salão
que aparentava ser um restaurante, perguntei:
-Nossa!
Que lugar é esse?
-Um
restaurante!
-No alto
do prédio?
-Sim.
Mais uma vez fui
surpreendido. Jamais imaginei que houvesse um restaurante no alto de um prédio,
com paredes de vidro e garçons parecendo pinguins.
O Edifício Itália é o
segundo mais alto prédio da cidade de São Paulo, onde abriga o restaurante
Terraço Itália, situado no 41º andar, um dos mais requintados e luxuosos da
metrópole.
Localizado no Centro da
cidade, o restaurante teve como responsável pela sua obra o italiano Evaristo
Comolatti, que ficou impressionado com a grandiosidade do edifício e sua visão
única e privilegiada da capital.
Inaugurado em 29 de
setembro de 1967, tornou-se um dos mais conhecidos pontos turísticos de São
Paulo, visitado por grandes personalidades ao longo dos anos, inclusive pela
rainha da Inglaterra e o príncipe Phillipe.
O estabelecimento já
passou por algumas reformas para adaptar-se ao exigente povo paulistano.
Atualmente possui dois andares e quatro ambientes, entre eles um piano bar, um
restaurante clássico e pista de dança.
Logo ao entrarmos fomos
recebidos por um rapaz muito educado e fino, que nos atendeu com muita
elegância e cortesia.
-Boa noite,
senhores!
-Boa
noite! Eu quero uma mesa próxima à janela.
-Por
favor, me acompanhem...
Sussurrando, disse ao Leonardo:
-Eu nunca
estive em lugares chiques assim... E agora?
-Não se
preocupe. Você é meu convidado.
O lugar era lindo. De
dentro dava pra ver a cidade inteira ao fundo, trabalhando sem parar enquanto
jantávamos. Uma música tocada por um piano ao vivo completava o clima erudito
do local, que provavelmente era frequentado por pessoas de bom gosto.
-Eu não
sabia que em São Paulo existia um
restaurante como esse...
-Suspeitei,
por isso te trouxe... Você é novo na cidade, tem muita coisa pra conhecer
ainda.
Quando olhei o
cardápio, quase despenquei do 42º andar, começando pelos nomes que nada
entendi. Até pensei em levantar e discretamente ir embora, pois eu não teria
recursos nem para comprar uma azeitona daquele menu, porém, como era o Leonardo
quem iria pagar, fiquei menos preocupado.
-Que cara
é essa?
- Perguntou o Leonardo com um olhar periférico.
-Esse
lugar é muito caro.
- Falei sussurrando debruçando-me sobre a mesa.
-Hahaha... Não se preocupe com isso.
Quando nosso pedido
chegou, eu nem sabia qual talher usaria primeiro, além das taças que me
confundiam. Esbocei um sorriso amarelo enquanto o garçom nos servia, esperando
que ele fosse embora logo e assim o mico que provavelmente eu pagaria teria
menos testemunhas.
-E agora? - Perguntei meio sem
graça.
Com a maior paciência,
ele respondeu:
-Não se
preocupe com detalhes. Haja normalmente.
-Mas num
lugar tão fino como esse...
-Você não
tem obrigação alguma de saber etiqueta para jantar em um restaurante de luxo.
Fique tranquilo.
-E se as
pessoas ficarem me olhando?
-Olhar é
o máximo que elas poderão fazer... Pegue esse garfo para começar...
-Ah tá!
O Leonardo tinha razão.
Eu nunca fui de importar-me com o que os outros estão pensando. Meu lema era
não levar a vida tão a sério, pois todo mundo nasce depois de uma bela gozada.
A comida era boa, e o
vinho então, nem se fala. Para ser sincero nem lembro quantas taças bebi, pois
era tão gostoso que acabei abusando um pouco, mas claro, até onde o “general”
permitiu.
Após o jantar, fomos embora. Fazendo a linha simpático, o Leonardo levou-me até
em casa, porém, nada rolou entre nós. Não sei se por falta de atitude dele ou
minha, embora eu também não percebesse nenhuma brecha ou sinal de que houvesse um
interesse pela minha pessoa.
Próximo capítulo: |
Última chance |
Dia 06/03
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