terça-feira, 8 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPITULO 8



 | Saber dizer Não |
  
Chegamos ao mercado. No início assustei com a imensidão jamais vista por mim antes. Corredores largos, equipamentos eletrônicos à venda logo na entrada, parecia uma cidade. Se eu estivesse sozinho, me perderia fácil, e foi logo essa a ideia que me veio à cabeça para “livrar-me da pobreza”.
Após pegar um carrinho para o Artur, o Leonardo falou:
-Vamos começar pelos produtos alimentícios...
Sentado ao carrinho, o Artur exclamou:
-Oba! Eu quero iogurteeeee...
Eu detestava fazer supermercado. Sempre quando via minha mãe pegando sua sacola, dava um jeito de me esconder para não ter que ir com ela. Pior que fazer compras para casa era a companhia chata do Leonardo, cujo perfeccionismo me irritava.
Paramos no setor gelado. Enquanto o Leonardo escolhia o requeijão que iria levar, a Giovana aproximou-se com quatro potes de iogurte nas mãos.
Com uma expressão de espanto, o Leonardo questionou:
-Aonde você vai com isso?
-Compra pra mim, papai?
            Abaixando-se de frente para ela, seu pai perguntou:
-Qual você quer?
-Todos!
-Todos não. Escolhe um só.
-Mas eu quero todos, papai...
Irritado, ele olhou firme nos olhos dela e questionou:
-Você tem a opção de escolher um. Qual vai querer?
-Mas eu quero todos.
Tirando as bandejas de sua mão, o Leonardo falou:
-Então você vai ficar sem nenhum.
Triste, a Giovana ia começando a chorar quando ele cortou imediatamente:
-Se começar a chorar, em casa a gente vai conversar sério.
Imediatamente ela engoliu o choro. Nossa, que horrível! Um cara rico, negando comprar um iogurte para a própria filha. Que pão-duro!
Afastado da Giovana, questionei ao Leonardo:
-Bem, desculpe pela minha intromissão, mas acho que você não precisava disso... Falta de dinheiro acredito que não é.
            Empurrando o carrinho, respondeu firme:
-Dinheiro eu tenho, mas meus filhos devem aprender que não podemos ter tudo na vida. Faço de tudo para dar a eles uma boa educação, pensando no melhor que possa lhes servir no futuro. Seria muito triste vê-los adultos frustrados, arrogantes, achando que o mundo possui a obrigação de sempre dizer SIM a eles, porque seus pais nunca souberam dizer NÃO.
-Pensando por esse lado...
-Eu dei a ela a opção de escolher, mas ela não quis. Paciência... Enquanto não aprender que a vida é feita de escolhas, irá chorar muito... A maior prova de amor que um pai pode demonstrar é saber dizer NÃO.
Enquanto o Leonardo empurrava o carrinho eu cuidava das crianças, só esperando uma oportunidade para dar início à maldade. Caminhávamos pela sessão de produtos higiênicos quando ele resolveu passar-me a responsabilidade do carrinho, caminhando logo à frente colocando os produtos no carrinho e vigiando aqueles dois pentelhos.
Ao passarmos pelo corredor de jardinagem, aproveitei que o Leonardo estava distraído e aproximei-me do Artur fazendo-lhe uma proposta:
-Artur... Vamos brincar de esconder?
-Vamo! - Respondeu empolgado.
-Então você vai entrar naquela casinha e se esconder do papai. - Falei apontando para uma barraca de acampamento que estava montada em um cenário expositivo.
-Tá bom. - Disse correndo em direção à ela.
Sem que sua irmã e pai percebessem, o Artur se escondeu dentro da barraca de camping. Não demorou muito e a Giovana questionou:
-Pai... Cadê o Artur?
-Ué... Ele não estava com você?
Preocupado, o Leonardo saiu pelos corredores à procura do fedelho. Aproveitando-me do tumulto, mandei um torpedo para a Talita pedindo para que ela ligasse imediatamente para o Leonardo, e claro, ela não era boba, retornou assim que o recebeu:
-Alô? - Atendeu o Leonardo com a respiração ofegante.
-Leonardo, o que você está fazendo?
-Estou no mercado fazendo compras.
-Há essa hora?
-Ainda são quatro horas da tarde.
-Deixa eu falar com o Artur...
-Pra quê?
-Ué... Não preciso lhe dar satisfações para falar com meu filho.
-Nosso filho!
-Vai me deixar falar com ele?
-Agora não dá.
-Por quê?
-Parece que ela adivinha as coisas... Me liga bem na hora do problema... - Comentou após desligar o celular.
Nesse momento o Artur sai da barraca, e seguido de uma risada, ele exclamou:
-Achou!
Após um longo suspiro, o Leonardo disse:
-Meu filho! Nunca mais saia de perto do papai... Por que você fez isso?
-Eu tava brincando, papai.
Com medo que ele contasse algo, mudei imediatamente de assunto para não me complicar. Todo pai que se preza preocupa-se com seus filhos, e com o Leonardo não foi diferente. Sei que a maldade com ele foi indescritível, pois a ausência de um filho não deveria ser fácil, mas meus interesses vinham à frente, sendo assim, nada iria me impedir de atingir meus objetivos.
            Colocando o Artur de volta ao carrinho, deu um beijo em sua testa, ao mesmo tempo em que seu celular começou a tocar:
-Alô?
-Por que você desligou?
-Não estava com tempo de falar com você no momento, Talita.
-Eu pedi pra falar com meu filho. O que aconteceu que você não me deixou falar com ele?
-Mais tarde nos falamos.
-Leonardo...
-Tchau, Talita.
            Percebi que o Leonardo não estava a fim de discutir com a mãe de seus filhos, além do mais, prolongar um diálogo não amistoso entre os dois naquele momento poderia dar margem a ela para discutir judicialmente sua competência de pai, e claro que isso ele não queria.
            Após as compras seguimos de volta para o estacionamento. Estávamos parados esperando para atravessar, quando um pequeno menino de rua, com toda sua inocência, pediu um pedaço do bolinho que o Artur comia.
A reação dele surpreendeu tanto a mim quanto ao Leonardo:
-Dá um pedaço? - Pediu timidamente o garoto.
-Não! Sai daqui... Sai... - Gritou com uma fisionomia irada.
Abismado, o Leonardo pegou pelo seu braço e falou com um olhar sério, franzindo a sobrancelha:
-Por que você fez assim, Artur?
-A mamãe disse que não devemos chegar perto de menino de rua. Eles rouba... - Disse a Giovana.
-Isso não é verdade. Artur, divida um pedaço do bolinho com o garoto.
-Tá!
Entregando o pedaço de bolo ao pequeno moleque, o Artur deu um sorriso ao ver o outro menino pegar.
Indignado, o Leonardo comentou:
-A Talita está transformando essas crianças em monstros!
-Não exagere...
-São em pequenas ações que nos transformamos em seres desumanos. Não quero que meus filhos cresçam e se tornem adultos cruéis, assim como a mãe deles.
-E você acha que tem o poder de mudar a personalidade deles?
-Educação é tudo na nossa vida.
            Não entendia o porquê de tanta preocupação com o futuro daqueles dois pentelhos, já que o mais importante eles já tinham, que era dinheiro.
Esse negócio de caráter definido pela educação, pra mim era pura lorota, papo de intelectual que acha que tudo se resolve na conversa. Se fossem meus filhos, já teriam levado uma pisa pra endireitarem e deixar de serem mimados.
Chegando em casa, o Leonardo falou fechando à porta:
-Vocês dois subam para o quarto agora que eu quero conversar com vocês.
Enquanto o Leonardo subiu com as crianças, o aguardei na sala. Antes que ele voltasse, telefonei para a Talita:
-Alô?
-Oi Talita!
-Vem cá... O que você aprontou àquela hora?
-Dei um jeito de perder o Artur no mercado...
-O quê? - Gritou.
-Calma... Não se preocupe, foi só uma encenação...
-Isso que você me arruma? Vai me servir pra alguma coisa?
-Claro... Imagine um pai que perde o filho no mercado... Um irresponsável? Exemplo de pai?
-Pode até ser, mas eu preciso de provas mais consistentes...
-Você vai precisar ter mais paciência... Sabe que estou começando agora, preciso ganhar a confiança dele pra...
            Nesse momento interrompi a conversa, ao ver a Vera olhando-me torto. Virando-me de costas para ela, disse a Talita:
-Depois te ligo.
            Desliguei o telefone e segui atrás dela até a cozinha para tirar satisfações. Fechei à porta bate-volta questionando:
-Posso saber o motivo de você ter me olhado daquele jeito? Te fiz alguma coisa?
Calada, ela mal me olhou.
-Não gostei nem um pouco de...
-Desculpe se te ofendi... - Disse interrompendo-me.
-Bem... Não me ofendeu, mas também não me agradou a forma que você me olhou.
-Olha, sei que não tenho direito de destratar nenhum convidado do doutor Leonardo, mas também não sou obrigada a gostar de todos. Desculpe pela sinceridade, não quis afrontá-lo, mas não me peça para concordar com algo entre vocês dois.
-Ué... Eu te fiz alguma coisa?
            Apreensiva, respondeu:
-Seus olhos me dão medo...
-Você deve ser maluca...
-Gosto muito do doutor, e irei protegê-lo no que precisar.
-Senti um tom de ameaça nisso. - Falei apoiando as mãos sobre à mesa.
            Recolhendo uma bandeja, ela falou:
-Entenda como quiser.
Maldita! Se ela estava pensando que iria atrapalhar meus planos, estava muito enganada. Assim como ela, eu também sabia lutar pelos meus interesses, e modéstia à parte, sabia fazer muito bem.





Próximo capítulo:  | Nova tentativa |
Dia 09/03





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