| Saber dizer Não |
Chegamos ao mercado. No
início assustei com a imensidão jamais vista por mim antes. Corredores largos,
equipamentos eletrônicos à venda logo na entrada, parecia uma cidade. Se eu
estivesse sozinho, me perderia fácil, e foi logo essa a ideia que me veio à
cabeça para “livrar-me da pobreza”.
Após pegar um carrinho
para o Artur, o Leonardo falou:
-Vamos
começar pelos produtos alimentícios...
Sentado ao carrinho, o
Artur exclamou:
-Oba! Eu
quero iogurteeeee...
Eu detestava fazer
supermercado. Sempre quando via minha mãe pegando sua sacola, dava um jeito de
me esconder para não ter que ir com ela. Pior que fazer compras para casa era a
companhia chata do Leonardo, cujo perfeccionismo me irritava.
Paramos no setor
gelado. Enquanto o Leonardo escolhia o requeijão que iria levar, a Giovana
aproximou-se com quatro potes de iogurte nas mãos.
Com uma expressão de
espanto, o Leonardo questionou:
-Aonde
você vai com isso?
-Compra
pra mim, papai?
Abaixando-se de frente para ela, seu pai perguntou:
-Qual
você quer?
-Todos!
-Todos
não. Escolhe um só.
-Mas eu
quero todos, papai...
Irritado, ele olhou
firme nos olhos dela e questionou:
-Você tem
a opção de escolher um. Qual vai querer?
-Mas eu
quero todos.
Tirando as bandejas de
sua mão, o Leonardo falou:
-Então
você vai ficar sem nenhum.
Triste, a Giovana ia
começando a chorar quando ele cortou imediatamente:
-Se
começar a chorar, em casa a gente vai conversar sério.
Imediatamente ela
engoliu o choro. Nossa, que horrível! Um cara rico, negando comprar um iogurte
para a própria filha. Que pão-duro!
Afastado da Giovana,
questionei ao Leonardo:
-Bem,
desculpe pela minha intromissão, mas acho que você não precisava disso... Falta
de dinheiro acredito que não é.
Empurrando o carrinho, respondeu firme:
-Dinheiro
eu tenho, mas meus filhos devem aprender que não podemos ter tudo na vida. Faço
de tudo para dar a eles uma boa educação, pensando no melhor que possa lhes
servir no futuro. Seria muito triste vê-los adultos frustrados, arrogantes,
achando que o mundo possui a obrigação de sempre dizer SIM a eles, porque seus
pais nunca souberam dizer NÃO.
-Pensando
por esse lado...
-Eu dei a
ela a opção de escolher, mas ela não quis. Paciência... Enquanto não aprender
que a vida é feita de escolhas, irá chorar muito... A maior prova de amor que
um pai pode demonstrar é saber dizer NÃO.
Enquanto o Leonardo
empurrava o carrinho eu cuidava das crianças, só esperando uma oportunidade
para dar início à maldade. Caminhávamos pela sessão de produtos higiênicos
quando ele resolveu passar-me a responsabilidade do carrinho, caminhando logo à
frente colocando os produtos no carrinho e vigiando aqueles dois pentelhos.
Ao passarmos pelo
corredor de jardinagem, aproveitei que o Leonardo estava distraído e
aproximei-me do Artur fazendo-lhe uma proposta:
-Artur...
Vamos brincar de esconder?
-Vamo! - Respondeu empolgado.
-Então
você vai entrar naquela casinha e se esconder do papai. - Falei apontando para
uma barraca de acampamento que estava montada em um cenário expositivo.
-Tá bom. - Disse correndo em
direção à ela.
Sem que sua irmã e pai
percebessem, o Artur se escondeu dentro da barraca de camping. Não demorou muito e a Giovana questionou:
-Pai...
Cadê o Artur?
-Ué...
Ele não estava com você?
Preocupado, o Leonardo
saiu pelos corredores à procura do fedelho. Aproveitando-me do tumulto, mandei
um torpedo para a Talita pedindo para que ela ligasse imediatamente para o Leonardo,
e claro, ela não era boba, retornou assim que o recebeu:
-Alô? - Atendeu o Leonardo
com a respiração ofegante.
-Leonardo,
o que você está fazendo?
-Estou no
mercado fazendo compras.
-Há essa
hora?
-Ainda
são quatro horas da tarde.
-Deixa eu
falar com o Artur...
-Pra quê?
-Ué...
Não preciso lhe dar satisfações para falar com meu filho.
-Nosso
filho!
-Vai me
deixar falar com ele?
-Agora
não dá.
-Por quê?
-Parece
que ela adivinha as coisas... Me liga bem na hora do problema... - Comentou após
desligar o celular.
Nesse momento o Artur
sai da barraca, e seguido de uma risada, ele exclamou:
-Achou!
Após um longo suspiro,
o Leonardo disse:
-Meu
filho! Nunca mais saia de perto do papai... Por que você fez isso?
-Eu tava
brincando, papai.
Com medo que ele
contasse algo, mudei imediatamente de assunto para não me complicar. Todo pai
que se preza preocupa-se com seus filhos, e com o Leonardo não foi diferente.
Sei que a maldade com ele foi indescritível, pois a ausência de um filho não deveria
ser fácil, mas meus interesses vinham à frente, sendo assim, nada iria me
impedir de atingir meus objetivos.
Colocando o Artur de volta ao carrinho, deu um beijo em sua testa, ao mesmo
tempo em que seu celular começou a tocar:
-Alô?
-Por que
você desligou?
-Não
estava com tempo de falar com você no momento, Talita.
-Eu pedi
pra falar com meu filho. O que aconteceu que você não me deixou falar com ele?
-Mais
tarde nos falamos.
-Leonardo...
-Tchau,
Talita.
Percebi que o Leonardo não estava a fim de discutir com a mãe de seus filhos,
além do mais, prolongar um diálogo não amistoso entre os dois naquele momento
poderia dar margem a ela para discutir judicialmente sua competência de pai, e
claro que isso ele não queria.
Após as compras seguimos de volta para o estacionamento. Estávamos parados
esperando para atravessar, quando um pequeno menino de rua, com toda sua
inocência, pediu um pedaço do bolinho que o Artur comia.
A reação dele
surpreendeu tanto a mim quanto ao Leonardo:
-Dá um
pedaço?
- Pediu timidamente o garoto.
-Não! Sai
daqui... Sai...
- Gritou com uma fisionomia irada.
Abismado, o Leonardo
pegou pelo seu braço e falou com um olhar sério, franzindo a sobrancelha:
-Por que
você fez assim, Artur?
-A mamãe
disse que não devemos chegar perto de menino de rua. Eles rouba... - Disse a Giovana.
-Isso não
é verdade. Artur, divida um pedaço do bolinho com o garoto.
-Tá!
Entregando o pedaço de
bolo ao pequeno moleque, o Artur deu um sorriso ao ver o outro menino pegar.
Indignado, o Leonardo
comentou:
-A Talita
está transformando essas crianças em monstros!
-Não
exagere...
-São em
pequenas ações que nos transformamos em seres desumanos. Não quero que meus
filhos cresçam e se tornem adultos cruéis, assim como a mãe deles.
-E você
acha que tem o poder de mudar a personalidade deles?
-Educação
é tudo na nossa vida.
Não entendia o porquê de tanta preocupação com o futuro daqueles dois
pentelhos, já que o mais importante eles já tinham, que era dinheiro.
Esse negócio de caráter
definido pela educação, pra mim era pura lorota, papo de intelectual que acha
que tudo se resolve na conversa. Se fossem meus filhos, já teriam levado uma
pisa pra endireitarem e deixar de serem mimados.
Chegando em casa, o
Leonardo falou fechando à porta:
-Vocês
dois subam para o quarto agora que eu quero conversar com vocês.
Enquanto o Leonardo
subiu com as crianças, o aguardei na sala. Antes que ele voltasse, telefonei
para a Talita:
-Alô?
-Oi
Talita!
-Vem
cá... O que você aprontou àquela hora?
-Dei um
jeito de perder o Artur no mercado...
-O quê? - Gritou.
-Calma...
Não se preocupe, foi só uma encenação...
-Isso que
você me arruma? Vai me servir pra alguma coisa?
-Claro...
Imagine um pai que perde o filho no mercado... Um irresponsável? Exemplo de
pai?
-Pode até
ser, mas eu preciso de provas mais consistentes...
-Você vai
precisar ter mais paciência... Sabe que estou começando agora, preciso ganhar a
confiança dele pra...
Nesse momento interrompi a conversa, ao ver a Vera olhando-me torto. Virando-me
de costas para ela, disse a Talita:
-Depois
te ligo.
Desliguei o telefone e segui atrás dela até a cozinha para tirar satisfações.
Fechei à porta bate-volta questionando:
-Posso
saber o motivo de você ter me olhado daquele jeito? Te fiz alguma coisa?
Calada, ela mal me
olhou.
-Não
gostei nem um pouco de...
-Desculpe
se te ofendi...
- Disse interrompendo-me.
-Bem...
Não me ofendeu, mas também não me agradou a forma que você me olhou.
-Olha,
sei que não tenho direito de destratar nenhum convidado do doutor Leonardo, mas
também não sou obrigada a gostar de todos. Desculpe pela sinceridade, não quis
afrontá-lo, mas não me peça para concordar com algo entre vocês dois.
-Ué... Eu
te fiz alguma coisa?
Apreensiva, respondeu:
-Seus
olhos me dão medo...
-Você
deve ser maluca...
-Gosto
muito do doutor, e irei protegê-lo no que precisar.
-Senti um
tom de ameaça nisso.
- Falei apoiando as mãos sobre à mesa.
Recolhendo uma bandeja, ela falou:
-Entenda
como quiser.
Maldita! Se ela estava
pensando que iria atrapalhar meus planos, estava muito enganada. Assim como
ela, eu também sabia lutar pelos meus interesses, e modéstia à parte, sabia
fazer muito bem.
Próximo capítulo: | Nova tentativa |
Dia 09/03
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