domingo, 28 de fevereiro de 2016

LIVRO: A PRIMEIRA PEDRA - CAPÍTULOS 1 E 2



CAPITULO 1
DESILUSÕES DA VIDA

Para a humanidade, o “sentido da vida” ainda é uma incógnita. Já para os poetas e caretas, o “sentido da vida” é Amar, o que pra mim não passava de uma tolice.
O mundo em que um dia eu acreditei fazer parte, na verdade nunca existiu. Minha vida inteira, passado, presente e sonhos foram construídos sobre mentiras, como um castelo de cartas esperando a primeira ventania para se dissipar. Somente quem passou pela experiência que eu passei pode descrever a dor incurável que nos tormenta, a paz tirada e nunca mais devolvida. Por que eu, Deus? Por que me faz, ainda hoje, lembrar como se fosse ontem? Até quando serei condenado a carregar essa dor de uma alma que se tornou hemofílica?
A história que contarei a partir de agora, é a vida de um cara que conheceu, mesmo desacreditando, o verdadeiro Amor. De um garoto arrependido, que daria sua vida para poder voltar no tempo e fazer diferente.
-Gael... Gael... Já são oito e meia! – Acordava-me minha mãe.
-Já vou levantar... – Respondi cheio de preguiça.
-Deixei leite quentinho no fogão. Na geladeira tem salame, manteiga, requeijão e peito de peru defumado. O pão e a geleia estão sobre a mesa. Não se atrase! – Disse dando-me um beijo na testa.
Sempre morei em São Paulo. Quando eu tinha dezoito anos meu pai foi embora de casa, fugindo com a melhor amiga de minha mãe. Semanas depois veio a surpresa: ganharíamos um irmão.
Meu sonho de iniciar a faculdade parecia ter chegado ao fim, tendo eu a responsabilidade de ajudar a sustentar a casa, pois era o filho mais velho, já com o terceiro a caminho. Mas logo a esperança voltou a reinar, pois minha mãe foi promovida na empresa em que trabalhava como Corretora de Imóveis. Com uma renda maior, o dinheiro que eu ganhava passei a investir na tão sonhada graduação em Enfermagem.
            Ouvi a porta da sala fechar. Coberto apenas por um lençol, de corpo nu, levantei-me. Caminhei até o banheiro, cambaleando de sono em meio ao silêncio da casa vazia. Levantei a tampa do vaso sanitário com os olhos entreabertos, de pênis ereto e bexiga cheia. Aliviado, voltei ao quarto, peguei uma roupa e fui tomar um rápido banho quente. A preguiça era muita, mas a necessidade de cumprir os compromissos era maior.
            Todos os dias eu seguia a mesma rotina. Acordava, ia pra faculdade e depois ao shopping, onde trabalhava como Vendedor em uma loja de grife esportiva. Naquele dia, em especial, eu pude acordar um pouco mais tarde devido a ter apenas a entrega de um trabalho acadêmico.
Sentei-me à mesa da cozinha para tomar café. Fiz um breve sanduiche de pão, queijo branco e salame, acompanhado de um suco de laranja que já estava pronto na geladeira. 
            Segui para a faculdade feliz da vida por ser sexta-feira. A manhã estava ensolarada, brisa suave, prometendo um dia perfeito para curtir.

“Se o seu coração é absoluto e sincero, você naturalmente se sente satisfeito e confiante, não tem nenhuma razão para sentir medo dos outros.” – Dalai Lama

            Embora não houvesse aula normal, aquela sexta-feira foi corrida. O shopping estava lotado, a loja teve um ótimo movimento e consegui fazer várias vendas boas.
A única coisa ruim, ou melhor, as coisas ruins em trabalhar em shopping é o tempo que nos consome e a inveja de algumas pessoas que não conseguem se destacar naquilo que fazem.
-Parabéns, Gael! Arrasou hoje! – Disse Gabriela, uma das vendedoras da loja.
-Obrigado! Bateu sua meta?
-Finalmente! Dois dias antes de fechar... Agora tô suave! E você?
-Consegui também. Hoje vou dormir em paz. – Brinquei.
-O mês que vem vai ser paulera...
-Nossa! Nem me fale, Natal vai ser corrido...
-Vou indo, gatão.
-Tá certo. Até amanhã!
-Até. Beijo gente! – Despediu-se ela passando por baixo da porta da loja entreaberta.
Assim que deixei o trabalho telefonei pra casa. Ninguém atendeu. Mandei uma mensagem de texto pra minha mãe que logo respondeu com outra, comunicando-me que não voltaria pra casa.

Num volto hj pra ksa
To na casa da sua tia
Bjs

Entrei no metrô, que por sinal estava lotado. Para alguns a diversão estava só começando, enquanto que para mim, a cama era meu destino final.





CAPITULO 2
UMA TRANSA E NADA MAIS

Cheguei em casa já passavam das 23h00. As luzes estavam apagadas, e apenas o abajur sobre a mesinha de canto permanecia aceso. Deixei a mochila sobre o sofá da sala e ali mesmo comecei a tirar a roupa.
            Caminhava em direção à cozinha quando o telefone tocou.
-Alô?
-Gael? – Questionou meu irmão do meio.
-Fala, Jeferson?
-A mãe tá ai?
-Não... Hoje ela vai ficar na casa da tia Lúcia...
-Tá certo. Já saí da aula, vou dar um rolê com a galera...
-Toma cuidado com esses cara que você tem saído...
-Sei me cuidar, mano. O Dudu tá ai?
-Não, a mãe levou com ela.
-Então beleza!
-Só voltam domingo.
-Tá bom.
            Dudu, nosso irmão caçula, adorava passar os finais de semana na casa da tia Lúcia, onde podia brincar com nossos primos, todos na mesma faixa etária. Já eu e o Jeferson não gostávamos muito, pois quase não havia o que fazer para pessoas de nossas idades.
            Desliguei o telefone e troquei de roupa. Já que passaria o restante da noite em casa e sozinho, resolvi pedir uma pizza.
Procurei o telefone da pizzaria na porta da geladeira, mas não encontrei. Embora estivesse um pouco cansado, não desisti e fui comprá-la pessoalmente, afinal, a pizzaria ficava apenas a duas quadras de casa.
            Entrei no elevador. Olhei no relógio e já eram quinze para meia-noite. De bermuda, regata e chinelo caminhava pela calçada sob um céu estrelado de uma noite de verão.
Ao chegar na pizzaria avistei um belo rapaz sentado na porta. Imediatamente pensei besteira, e quando meu olhar foi correspondido empolguei-me ainda mais. Pele branquinha, mãos grandes. Aquele garoto não deveria ter mais que vinte anos, no ponto do “abate”. Cheguei a pensar que fosse um cliente aguardando pelo seu pedido, mas quando o rapaz questionou ao balconista quantas pizzas já estavam prontas para entregar descobri que era muito mais que um cliente. Fiquei excitado só de imaginá-lo em cima daquela moto, suando de tanto trabalhar.
            Mediante a situação, mudei de ideia. Pedi para que minha pizza fosse entregue em casa, já o imaginando indo entregá-la. Ao questionarem o sabor, respondi olhando para ele:
-Calabresa!
            Esboçando um leve sorriso ele olhou-me ao mesmo tempo em que subia em sua moto. Que tesão! Moleque de tudo, corpo magro e pernas ágeis empurrando aquele pedal.
-Seu pedido já está em preparação. A previsão é de quarenta minutos. – Disse o rapaz do caixa, mal humorado e horroroso por sinal.
            Quando percebi que ele não era o único entregador daquela pizzaria deixei claro para o chato do caixa que só aceitaria se fosse aquele loirinho gostoso quem a levasse, obviamente não com essas palavras.
            Voltei pra casa e fui direto tomar banho. Minha imaginação estava a mil, claro, não perderia a oportunidade de arriscar naquele motoqueiro.
Ao terminar, enrolei apenas uma toalha à cintura e tratei de interfonar para o porteiro pedindo:
-Douglas... Logo mais deve chegar uma pizza que encomendei. Como não vou poder descer pra pegar, deixe que o rapaz suba, beleza?
-Tudo bem...
-Valeu.
            Voltei ao meu quarto e passei um óleo de amêndoas no corpo como sempre fazia. Na sala desliguei a TV e acendi o abajur. Não demorou muito e a campainha tocou. Liguei o rádio e coloquei uma música lenta pra tocar.
            Respirei fundo. Abri a porta e lá estava ele, segurando o meu jantar. Naquela noite ele ia ser meu, disso eu tinha certeza, e não sossegaria enquanto não conseguisse o que tanto queria.
-Sua pizza! – Falou ele olhando-me de cima a baixo vestido com apenas uma toalha.
-Entre...
-Não posso, tenho outras entregas para fazer e...
-Deixa disso... Não vai demorar!
-Licença...
            Ele sabia muito bem o que eu queria, e eu também sabia que ele estava querendo. Propositalmente deixei a toalha cair, era o convite que faltava.
            Fechei a porta. Enquanto isso ele já foi pegando em minha cintura. Joguei aquela pizza sobre o sofá e começamos a nos beijar. Safado! Eu tinha certeza que ele estava me querendo, e antes que eu o pedisse já foi descendo suas calças.
Enquanto aquele motoqueiro suado mordia minha orelha, ao mesmo tempo gemia em meu ouvido deliciosamente. Sem contar aquela língua rígida descendo pela minha virilha antes de provar do meu sabor.
-Hum!... Eu sabia que você tinha “a pegada”. – Sussurrei.
-Você quer rola? Então toma, filho da puta! – Respondeu ele, também sussurrando.
            Transamos na sala mesmo, no sofá, no tapete, sobre a mesa. De bonzinho ele só tinha a cara, porque na transa ele era muito experiente. Sabia fazer muito bem, porém, não deixei a desejar, mostrei a que vim e o surpreendi, e a expressão em sua face foi notória e, acima de tudo, satisfatória.
-Bom, agora preciso ir. – Disse o motoqueiro colocando a camisa.
-Tá certo...
-Valeu, cara!
-Até.
            Após apertar minha mão como um amigo, saiu da mesma maneira que entrou, deixando em mim aquele vazio que me envolvia todas às vezes que terminava uma transa.
            Ainda no escuro, deitei-me ao tapete da sala, de corpo. Com o olhar perdido, refiz, como toda vez que algo desse tipo acontecia, uma reflexão. E a conclusão foi mais uma vez unanime: usado como um objeto. Transar sempre foi uma de minhas diversões prediletas, porém, depois de gozar eu sentia uma forte angústia, quase sempre um arrependimento instantâneo e temporário. Certa vez combinei de passar a noite com um rapaz que eu queria muito ficar, e depois de transar, uma vontade imensa de ir embora me tomou de tal forma a me incomodar. Assim que ele dormiu, deixei o motel e nunca mais quis vê-lo.
Nessas horas de conflitos eu contava com uma amiga, Solange, única pessoa em quem eu confiava e desabafava sobre essas coisas.
-Oi Gael!
-Oi Sol! Tá ocupada?
-Estou jantando... E você?
-Também. – Respondi desanimado.
-Olha, já entreguei seu curriculum aqui no RH do hospital, falei de você pra selecionadora e agora é só aguardar que logo eles te chamam. – Avisou-me ela.
-Você acha que tenho chance? – Perguntei desanimado.
-Claro! Você é uma ótima pessoa, ética, responsável... Só não vou afirmar que vão te chamar amanhã, por exemplo, porque você sabe que nesse período de festas o país para, né?
-Sei bem como é.
-Mas me conte... O que você tem? Sinto sua voz triste...
-Será que existe depressão pós-sexo? – Perguntei.
-Depressão pós-sexo? Como assim?
-Acabei de transar com o entregador de pizza... Estou me sentindo muito mal.
-Gael! – Exclamou abismada. - Mas por que você está assim? Foi ruim?
-Não... Foi muito bom até, mas sabe quando você olha pra pessoa e ela se vai como se nada tivesse acontecido?
-Nunca passei por isso, mas acho que posso imaginar como seja...
-Você transa com alguém que mal te beija e se despede como um amigo...
-Credo!
-Fico me sentindo um objeto... Bate uma angústia, um aperto no peito, como se você valesse apenas um jato de porra...
-Oh amigo! Não fica assim...
-Vamos deixar isso pra lá.
-Mas Gael, isso é culpa sua também, porque você disse que não estava a fim de se envolver com ninguém.
-Eu sei... Na verdade tenho medo de me envolver e depois passar pelo que passei no passado, mas ao mesmo tempo sinto falta de alguém para me dedicar, oferecer meu amor, cuidar, abraçar... Fazer coisas simples, como ir ao cinema ou tomar um sorvete no parque. Entende?
-Claro que te entendo! Posso te dar um conselho de amiga?
-Sim.
-Abra seu coração, deixe que alguém te faça feliz... Se permita ser feliz!
-Será que estou preparado pra mais uma decepção?
-A vida é uma constante, Gael. Seja um lutador, e não um derrotado. Aposto que esse cara deve tá com outro alguém curtindo o maior love, enquanto você tá aí cultivando essa fossa...
            Após um profundo suspiro, respondi:
-Só o tempo dirá.
-Ele sim é o melhor remédio. Amore, preciso voltar pro meu plantão.
-Tá bom, vai lá.
-Beijos e se cuida, tá?
-Você também. Bom trabalho!
            Adormeci na sala, deitado sobre aquele sofá, sem nem tocar naquela pizza, sendo a única testemunha da minha angústia e lágrimas na face.



“Toda ação humana, quer se torne positiva ou negativa, precisa depender de motivação.” – Dalai Lama