sábado, 9 de julho de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 4



         No outro dia acordei um pouco mais cedo. Olhei no relógio e ainda eram seis horas. Peguei minha toalha e fui para o banheiro tomar banho. Deixava aquela água quente massagear minha nuca de olhos fechados, levando parte do stress embora.
            Ensaboava meu cabelo quando ouvi fortes batidas à porta. Pouco tempo depois ouvi meu pai gritando:
-Você vai demorar muito ai, caralho?... Você está me ouvindo?
-Já estou saindo.
-Não me responde assim... Me respeite que eu sou teu pai... Duas hora dentro desse banheiro, porra...
            Eu nem sabia que ele tinha voltado, o que me deixou surpreso. Desliguei o chuveiro e olhei que horas eram em meu relógio. Não fazia muito tempo que eu havia entrado, pois ainda eram 6 horas e 12 minutos. Na verdade ele queria uma desculpa para brigar comigo, e não teve caráter suficiente para fazer sem motivos e viu naquele momento a oportunidade de criar um pretexto.
            Desde criança eu percebia em meu pai certa intolerância com a minha pessoa, encontrando sempre um motivo para me agredir verbalmente, mesmo sem dar motivos para isso.
            Ao sair do banheiro ele continuou a falar:
-Quarenta minuto no banho, rapaz?
-Não faz nem quinze minutos que eu entrei. Você quer um motivo para me agredir e fica com desculpas.
            Nesse momento minha mãe apareceu:
-Você cala essa boca. Eu sou teu pai, você me respeita.
            Eu não havia falado nada demais, e diferente dele, minha voz estava calma e controlada, mesmo assim ele colocou o dedo na minha cara enquanto falava. Apreensiva, minha mãe o segurava, sem entender o motivo de tanta ira.
-Está pensando que você é o quê? Seu bosta.
            Fechei a porta do quarto chorando. Jamais esperava aquela reação do meu pai, pois ele estava sendo injusto e covarde, por inventar uma desculpa qualquer para dizer tudo que pensava a meu respeito.
            Enquanto vestia minha roupa, conseguia ouvir seus gritos discutindo com minha mãe:
-Você está exagerando... Você viu como falou com seu filho?
-Foda-se... Nunca foi...
-Você está parecendo um louco...
-Fica defendendo... Você só defende quem não presta.
-É meu filho, claro que vou defender.
-Você tinha que ficar do meu lado, porque eu sou seu marido... Espera que você vai ver a recompensa que ele vai te dar no futuro.
-Eu não espero recompensa nenhuma, faço porque sou mãe, carreguei durante nove meses, tive dor... Não troco meu filho por homem nenhum.
            Antes de sair do quarto, coloquei meus óculos escuros para ninguém ver que eu estava chorando. Todas aquelas palavras que ele proferiu doeram fundo, não porque foram feias ou impróprias, mas por eu não merecer, atravessando meu peito como uma lança.
            Desde criança, nunca fui de chorar fácil, porém, naquele dia por mais que eu segurasse, as lágrimas insistiam em descer.
            Cheguei à faculdade a aula já havia começado. Sentei-me ao lado do Cauê que logo se virou dizendo:
-Bom dia, Tom!
-Bom dia!
            Sussurrando o Cauê perguntou:
-Você não está bem. O que aconteceu?
-Depois eu te conto.
-Tudo bem.
            Enquanto o professor passava um texto no quadro perguntei ao Cauê:
-Faz tempo que a aula começou?
-Não... Ele também chegou um pouco atrasado...
-Tá bom.
            A aula estava um pouco chata, sorte que havia apenas duas aulas naquele dia, sendo apenas no primeiro período. As horas pareciam não passar, e o professor de Sociologia gostava de falar muito.
            Sentando-se em sua cadeira ele disse em voz alta:
-Galera... A data de entrega do trabalho eu vou enviar por e-mail...
            Após um leve suspiro o Cauê disse:
-Tom?
-Oi?
-A Soraia pediu para entrar pro nosso grupo pra fazer o trabalho...
-Ué... Ela está sozinha?
-Sim...
-Mas o trabalho não é em dupla?
-Pode ser em trio.
-Ah!... Por mim tudo bem.
-Depois eu falo com ela então.
            Assim que o professor terminou a aula, guardei meu fichário dentro da mochila e esperei pelo Cauê próximo à porta. Com o auxílio de sua vareta ele caminhou em minha direção.
            Esboçando um leve sorriso ele perguntou:
-Para onde vamos?
-Não sei... Você tem alguma ideia?
-Sim... Aceita almoçar comigo?
-Claro! Onde?
-Em minha casa.
-Nossa!
-O quê?
-Eu tenho vergonha...
-Vergonha de quê?
-Não estou bem vestido...
-Pra mim você está lindo!
-Isso é o que mais me fascina em você.
-O quê?
-A forma como você vê o mundo...
-Você topa almoçar comigo em minha casa?
-Não tenho como negar um pedido seu, mozinho.
            Eu estava apaixonado, isso não podia negar. De todas as paixões que eu já tive em minha vida, a que eu sentia pelo Cauê era diferente, pois ele gostava de mim pelo que eu era e não pelo que eu aparentava ser. O que mais me fazia apaixonar era seu jeito meigo de ser, carinhoso, atencioso.
            Chegamos a sua casa e logo da calçada ouvi os latidos do Emílio.  Abrindo o portão do quintal o Cauê falou:
-Seja bem vindo à minha casa!
-Obrigado!
            Antes que ele tocasse na maçaneta sua mãe abriu a porta. Com um sorriso estampado na face ela exclamou:
-Oi!
-Mãe... Eu trouxe o Tom para almoçar com a gente.
-Então você que é o Tom?
-Acho que sim.
-Entrem...
-Pelo visto a senhora já me conhece...
-Claro! O Cauê só fala em você.
-Sério?
-Minha mãe estava morrendo de curiosidade para conhecê-lo, de tanto que eu falo em você pra ela...
-E ele fala bem ou mal?
-Claro que falo bem.
            Encostando a porta sua mãe disse:
-Sente-se, Tom... O almoço está quase pronto.
-Olha dona...
-Irene.
-Dona Irene, não quero dar trabalho...
-Não é trabalho nenhum.
            Enquanto ela dirigiu-se à cozinha o Cauê falou:
-Viu só como minha mãe é legal?
-Sim...
-Eu sei que sua cabeça está confusa.
-Confusa?
-É... Pelo fato da minha mãe ser negra e eu ser branco...
            Confesso que a primeira vista fiquei confuso em saber que sua mãe era negra, mas tudo começou a fazer sentido quando ele revelou ser adotado. Por mais que eu negue, aquela atitude que tive foi preconceituosa, mas não por que eu quis, mas sim por consequência de estímulos recebidos desde a infância pelo meio social em que vivemos.
            Sem graça, perguntei:
-Você tem o poder de ler pensamentos, agora?
-Não, mas tenho o poder de entender as pessoas que gosto.
-Eu... Bom, a primeira vista eu estranhei sim. Desculpa falar isso.
-Não precisa se desculpar, você não é diferente de ninguém...
-Fiquei sem graça, agora.
-Não precisa tanto. A Irene me adotou quando eu tinha um ano de idade...
-E sua mãe verdadeira?
-Você quer dizer biológica?
-Isso!
-Não sei... Sinceramente não me faz um pingo de falta. A Irene me deu tudo o que eu precisava que é amor, caráter, formação...
-Bom, melhor mudarmos de assunto.
            Nesse momento a Irene voltou à sala dizendo:
-Meninos, a comida está na mesa.
-Oba!
-Hum... Pelo cheiro sua comida deve ser muito boa mesmo, dona Irene.
-Imagine.
-Minha mãe cozinha como ninguém.
-Parem com isso vocês dois.
            Sentamos à mesa e continuamos a conversar durante a refeição:
-A senhora trabalha com o quê?
-Eu sou enfermeira por formação.
            Segurando o copo o Cauê falou:
-Minha mãe trabalha no hospital do câncer.
-E também na emergência de um hospital público.

            A comida estava maravilhosa, assim como a conversa que estávamos tendo. Sua mãe era muito simpática, atenciosa, assim como o filho. 

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