terça-feira, 2 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 14



Passei o dia arrasado. Tranquei-me no quarto e chorei sozinho, calado, com vergonha de mim mesmo. O que eu iria dizer à minha mãe? Não queria que ela se chateasse por minha culpa, pois já bastavam seus problemas.
            Custei a dormir. A madrugada estava quente, céu estrelado, lua perfeita. Virava-me de um lado para o outro, e o aperto em meu peito não aliviava, tornando-me refém de mim mesmo.
            No outro dia acordei com minha mãe batendo à porta do quarto. Com sono, levantei-me e abri:
-Filho... Você não vai pra faculdade hoje?
-Hoje não, mãe.
-Por quê?
-Eu... Não estou passando muito bem.
-O que você está sentindo?
-Nada de grave... Não se preocupe, pode ir trabalhar tranquila.
-Vou deixar o celular ligado o dia inteiro. Qualquer coisa, me liga.
-Pode deixar.
            Fechei à porta do quarto e voltei a deitar. Rolei de um lado pro outro na tentativa de voltar a dormir, mas não consegui. Tomei um banho quente para começar o dia.
            Liguei o computador para imprimir a letra da música do Fresno, e enquanto isso eu comecei a assistir aos vídeos que havia copiado do computador da Jéssica.
            No que parecia uma lanchonete, vários jovens bebiam e gargalhavam, parecendo ser um simples encontro de amigos, até que o Cristiano aparece, e atrás dele estava a Jéssica, fumando, e após um gole à lata de cerveja ela perguntou a ele:

“-Conta pra eles do ceguinho...
-Esse ano a gente jogou um ceguinho na piscina...”

            Várias gargalhadas eram ouvidas. Junto deles estava a Bianca, sentada ao balcão ouvindo toda a história. Naquele momento tive a certeza de que ele era mesmo culpado, e de que o Cauê havia mentido para nós no dia anterior.
            Gravei todos aqueles vídeos e fotos num Pen Drive, em seguida vesti uma roupa e segui até a casa do Cauê. Fiquei intrigado, afinal, por que ele havia mentido pra mim?
            Ao chegar cruzei com sua mãe no portão que saia para trabalhar.
-Tom!
-Oi dona Irene. O Cauê está ai?
-Sim... Pode entrar, ele está na cozinha...
-Obrigado!
            Entrei e segui direto para a cozinha, onde o avistei sentado à mesa, comendo maçã coberta por mel. Aproximei-me da mesa e falei:
-Cauê... Por que você mentiu?
            Assustado ele exclamou:
-Tom! O que você faz aqui?
-Vim lhe pedir que não me procure mais.
-Por quê?
-Você mentiu... Me fez passar por mentiroso na frente de...
-Eu não menti...
-Chega... Eu vi o vídeo em que o Cristiano confessa para os amigos que tentou te afogar...
-Você... Viu?
-Sim... Eu te desculpo, se você for comigo agora até a faculdade e fale toda a verdade para o reitor.
-Isso não.
-É assim?
-Desculpe, Tom... Não vou fazer isso... Não se intrometa mais nessa história.
-É dessa forma que você diz me amar?
            Silêncio.
-Jamais esperei isso de você, Cauê. Adeus.   
            Deixei sua casa arrasado, chorando, culpado por amar, e ser enganado. Cansei de ser usado, feito de idiota. Naquele dia coloquei um fim em meu namoro, interrompendo uma linda história de amor, e iniciando um longo período de sofrimento.
            No último dia de reposição de aula, o professor de Sociologia fez um debate em sala de aula. Enquanto os alunos discutiam entre si, fiquei calado apenas observando as argumentações até ser agredido verbalmente pela Jéssica:
-Eu não acho que todo mundo só porque vive dentro de uma sociedade deva ter um comportamento igual aos outros. Acho que cada um tem o direito de ser e se comportar da forma que se sentir bem.
-Pra Bianca tudo está bem, professor... Não tem preconceito... Sinto muito, mas ninguém é obrigado a conviver com certas coisas... Eu fico super perdida sem saber se o Rustom é homem ou mulher...
            Risos coletivos. No mesmo instante levantei-me e disse para todos ouvirem:
-Pior do que confundir a sexualidade é se esconder atrás de uma janela, após atirar ovos nas pessoas que caminham pelas calçadas. Demonstração de vergonha dos próprios atos, pois não mostra a cara.
            Fazendo-se de desentendida ela questionou:
-Mas do que você está falando?
-Estou falando daquele vídeo onde você e seus amigos se divertem às custas do constrangimento e sofrimento dos outros... É esse o profissional que irá defender um país? Quem aqui gostaria de ser defendido por um criminoso, imoral? Que ética ele terá para cobrar justiça?
-Eu espero que você prove tudo isso que está falando, se não eu te processo.
            Dirigindo-me à lousa falei:
-Não se preocupe, aqueles que tiverem alguma dúvida do que eu falei, pode assistir a festinha da Jéssica nesse link... Ontem, depois de muito procurar acabei encontra vários vídeos seus e de seus amigos na internet... Postados por vocês mesmos.
            Escrevi na lousa o link onde a Jéssica havia publicado o vídeo, e para concluir falei:
-Está ai um material para se estudar ética e moral...
            Seus olhos cuspiam fogo, tamanho ódio que a pessoa. A culpa foi dela, pois eu estava calado em meu canto, sendo ofendido e agredido gratuitamente.
            Um mês se passou e durante esse período o vídeo da Jéssica bateu recordes de visitação no site, até que ela o tirou com medo de ser prejudicada, mas eu fiz questão de torná-lo público novamente, e dessa vez ela não teria como tirá-lo se fosse postado por mim. Não pensei em duas vezes em postá-lo mais uma vez.
            Durante as férias, eu e a Soraia nos falávamos quase todos os dias, além de estarmos sempre nos vendo, pois seu namoro com o Kico fazia com que nos víssemos com frequência.
            A dieta para emagrecer que ela estava fazendo surtiu ótimos resultados, fazendo-a perder medidas rapidamente, e o resultado era tão visível que ela mesma começara a notar com os elogios masculinos direcionados à ela ao sair pelas ruas.
            O tratamento da obesidade necessita principalmente da colaboração do paciente, envolvendo reeducação alimentar, medicações auxiliares caso necessário, aumento de atividades físicas, tratamento comportamental com psiquiatra e psicológico, até mermo intervenção cirúrgica (Redução de estômago) caso necessário. Se a obesidade for uma causa secundária, ou seja, motivada por um problema inicial como depressão, por exemplo, o tratamento deve ser direcionado inicialmente para a causa desse distúrbio.
            A obesidade pode ser prevenida com uma dieta saudável estimulada desde a infância, evitando que a criança adquira maus hábitos alimentares e cresçam com evolução do peso acima do normal. Essa dieta inclui também atividades físicas, lazer, estrutura familiar organizada e relacionamentos afetivos adequados.
            Quem estava feliz da vida era o Kico, que agora tinha uma nova mulher ao seu lado, até ataque de ciúme ele tinha de vez em quando, pois os elogios eram constantes.
            Estávamos em sua casa, conversando em seu quarto. Deitado sobre sua cama eu viajava nos pensamentos, enquanto a Soraia andava de um lado pro outro pensando em algum presente para o Kico, seu namorado.
-Ai Tom... Me ajuda?
-Ajudar como?
-Sei lá... Ele é seu amigo, você o conhece bem melhor que eu... Do que o Kico gosta?
-Bem... Dê uma camiseta, um bracelete, sei lá.
-Roupa? Acho meio arriscado, vai que ele não gosta.
-Então não sei...
-E se eu desse pra ele um ingresso pro show do NX Zero?
-Faz isso que ele te pede em casamento na mesma hora.
-Hahaha... Perfeito!
            Sentando-se em frente à tela de seu computador a Soraia falou:
-Deixa eu ver aqui a data mais próxima...
-Vê se tem alguma perto do aniversário dele.
-É o que eu tô fazendo agora... Nossa!
-O que foi?
-Vai ter um show aqui em São Paulo, nesse sábado.
-Pronto! Poderá comemorar o aniversário dele no próprio sábado.
-Melhor ainda. É sempre bom comemorar nosso aniversário no próprio dia...
-Eu não ligo muito pra esse negócio de aniversário.
            Ligando a impressora, ela disse:
-Já reservei três ingressos... No melhor lugar disponível.
-Eu nem sei se eu vou...
-Ah, para! Você vai sim.
-Lindinha... Não estou muito bem...
-Agora eu já comprei, você vai. Amigo, não pode ficar assim, tem que sair pra se distrair...
-Acho que você tem razão.
-Por favor, não comente nada com o Kico por enquanto... Quero fazer surpresa.
-Pode deixar.
            Confesso que senti uma pontinha de inveja daquele namoro que ia tão bem entre eles. Algumas vezes eu até pensava em esquecer tudo e voltar pro meu amor, mas faltava-me coragem de chegar no Cauê e dizer o quanto era grande o meu amor.
            No sábado acordei triste, sem vontade de levantar da cama, e somente chorar. Por volta das onze horas da manhã a Soraia me ligou para confirmar minha ida ao show naquela noite. Embora eu não tivesse vontade alguma de pôr os pés na rua, confirmei que iria, pois ficar em casa chorando não iria resolver nada, e me distrair um pouco me faria bem, além do mais, NX Zero era uma das minhas bandas preferidas.
            O show aconteceria às seis horas da tarde. Antes de ir tomar banho para começar a me arrumar, entrei na internet para verificar meus e-mails. A tentação foi grande, e acabei não resistindo, passei pelo diário virtual do Cauê.
            Logo na página inicial havia uma foto nossa juntos, abraçados. Ao ver, meu coração bateu acelerado. Após um breve comentário feito pelo Cauê, uma letra de música expressava tudo que ele sentia e queria naquele instante.

Porta Retrato

Parecia um sonho
A gente ficar juntos
Andar a pé na chuva
Sem medo de amar...

Lembra!
De tudo que vivemos
Das tardes de domingo
Da mágica no olhar...

Aceitar que tudo se perdeu
Amor, não dá
Ouvir meu coração pedindo
Pra você voltar
Vai passando o tempo
E eu não sei
Me controlar
Não dá!
Ficar sem você
Não dá!...

Intérprete: Edson e Hudson
Composição: TIVAS/Carlos Randall

            Meu peito apertou. O sentimento que eu tinha pelo Cauê era forte demais, ao ponto de me fazer acordar com febre nas noites de sonhos em que não estávamos juntos. Uma lágrima desceu sem que eu pudesse controlar, e sobre meus olhos nossa história passava como um filme, uma linda história de amor.
            Tomei banho, arrumei-me todo e fiquei na sala aguardando pelo Kico e a Soraia, que passariam em casa para me buscarem antes de irmos ao show. Deitado ao sofá, o sono já começava a chegar quando ouvi a buzina do carro. Levantei-me do sofá e espiei pela janela para confirmar se eram eles, em seguida tranquei a porta de casa e entrei no carro.
            Aquela foi a primeira vez que eu andei com a Soraia sendo ela a condutora do veículo, e confesso que morri de inveja, pois ela sabia conduzir bem melhor que eu.
            O show estava lotado. Ficamos bem perto do palco, no camarote. Claro que nem preciso descrever a alegria que dominava o Kico, e por tabela a Soraia também, ao vê-lo tão contente.
            Ao som de Razões e emoções, lágrimas desciam de meus olhos sem que eu pudesse controlar. Olhar perdido, saudade intensa. A sensação que eu tinha era de estar preso dentro de um tubo de vidro, sem oxigênio, impossibilitado de respirar. Enquanto todos pulavam e cantavam eu permaneci calado, na companhia da tristeza que se hospedou em minha vida sem previsão de ir embora.
            Acariciando meu cabelo a Soraia disse:
-É ele... Não é?
-Sim...
-Tom, não fique assim, por favor. As coisas não devem ser levadas dessa forma...
-Sinto como se meu coração tivesse sido arrancado com a mão, de uma só vez...
-Miguxo... Pode ser que tenha acontecido algum mal entendido...
-Obrigado, lindinha... Mas tudo está muito claro.
            Dando-me um abraço ela falou:
-O tempo é o melhor amigo nessas horas.
            O tempo... Quanto tempo mais eu deveria esperar para que a vida me trouxesse a felicidade novamente? Difícil não é esperar, mas sim, não encontrar esperanças de que se pode mudar.



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