Enquanto as equipes de
bombeiros faziam buscas às vítimas, familiares e amigos aguardavam por
informações que nunca chegavam. No aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre,
uma sala foi reservada pela Infraero aos amigos e parentes dos passageiros.
"Vocês
estão lhe dando com vidas, gente... Vida aqui fora e vidas que estão aqui
ainda, que estão tendo dor, sofrimento."
Já em Congonhas, foram direcionados para a sala de
autoridades do aeroporto. Preferi não ir e aguardar por informações no próprio
saguão, acompanhando a movimentação dos militares.
Às 20h14 a companhia aérea TAM divulgou uma nota oficial
sobre o acidente em seu site:
"A
aeronave da TAM Airbus A320, vôo JJ 3054, que partiu de Porto Alegre, às 17h16,
com destino ao aeroporto de Congonhas (SP), sofreu acidente no pouso no
aeroporto em São Paulo.
Neste
momento não podemos determinar a extensão dos danos ou de possíveis lesões
sofridas pelos ocupantes do avião, passageiros e tripulantes. Uma equipe da TAM
já está no local e outros técnicos da companhia estão a caminho. A assistência
de emergência também está sendo prestada pelo Corpo de Bombeiros, Infraero e
outras autoridades aeronáuticas.
A
TAM já ativou seu Programa de Assistência às Vítimas e Familiares e
disponibilizou um número de chamadas gratuitas voltado para o atendimento aos
familiares dos passageiros e tripulantes deste vôo: 0800 117900.
Qualquer
outra informação relevante será comunicada imediatamente pela TAM."
O meu mundo desabou naquele momento. Impossível descrever
a dor que senti no instante em que vi a possibilidade de ter perdido o grande
amor da minha vida, dor essa que não tem cura, remédio, nem como explicar.
Parecia que haviam feito um buraco em meu peito, deixado após arrancar meu
coração em um único golpe fatal.
Parte de mim deixava de existir. Ao nosso lado uma
senhora chorava, segurando uma criança em seu colo que lhe perguntou:
“-Vovó... A mamãe já está
chegando?
-Acho que a mamãe não vai
mais voltar...
-Por quê?
-Porque a mamãe foi pro
céu...”
Sorte tiveram dois casais que conseguiram falar com seus
parentes e receber a feliz notícia de que haviam deixado de embarcar no voo
3054. Por mais que eu tivesse certeza de que era o mesmo voo em que o Cauê e
sua mãe embarcaram, agarrei-me na esperança deles terem mudado, se atrasado,
pois haviam dito que alguns passageiros que eram para seguir no voo 3054,
trocaram ou deixaram de embarcar.
Eu pensei que fosse morrer junto, e para ser sincero,
naquele momento essa foi a minha vontade. Meu olhos pararam de ver, meu coração
parou de bater, meu pulmão de respirar. As lágrimas já haviam secado, e a única
vontade que eu tinha naquele momento era de acordar, acordar de um pesado que
parecia num ter mais fim.
Abraçado à uma senhora, um rapaz dizia:
“-Ela tem que estar
naquele avião de Curitiba, dona Vanda.
-Se Deus quiser.”
Tocada, minha mãe falou:
-Deus nunca nos desampara,
moço...
-É nele que estou me apegando
agora.
-É seu parente?
-Minha esposa...
Abraçando o rapaz, a senhora completou:
-É a minha filha... Está
grávida...
Tanto sofrimento, tanta dor, tantas pessoas querendo
apenas uma coisa naquele momento: informação. Sentei-me ao chão anestesiado pelo
pesar da situação. No prédio da TAM Express, onde o avião havia
colidido, bombeiros lutavam contra o incêndio de grandes proporções para
resgatar os funcionários da empresa que trabalhavam no local no momento da
colisão.
Todos os meios de comunicação no Brasil estavam focados
como tema principal o acidente, tornando-se notícia no mundo inteiro.
Agachando-se de frente para mim, minha mãe questionou:
-Rustom... Vamos para
casa, você não está bem...
Não consegui falar, pensar, mover-me. Apenas meu corpo
estava ali, pois minha alma vagava pelo ar, procurando uma razão pra viver, meu
complemento chamado Cauê. Assim como eu, todos os familiares e amigos das
vítimas só queríamos o que era nosso por direito: informação sobre quem havia
embarcado naquele avião.
Eu já não aguentava mais tanta tortura. Atravessei à
Avenida Washington Luiz correndo em direção ao local da colisão. Toda a
região ao redor foi isolada. O trânsito teve que ser direcionado para outras
avenidas, causando um verdadeiro caos na zona sul de São Paulo.
Ver aquele fogo ardendo e parte da cauda do avião sendo
consumida me fez cair em si. O desastre levou apenas 28 segundos para
acontecer, mas que marcaria eternamente a vida dos brasileiros.
Cruzei a fita de isolamento e caminhava em direção aos
destroços quando fui impedido por um bombeiro:
-Você não pode ficar
aqui...
-Parte da minha vida pode
estar la dentro...
-Lamento, mas é muito
arriscado você ficar aqui.
Nesse momento uma funcionária da TAM Express que
se equilibrava na marquise do prédio pulou de onde estava, entrando em óbito
com o impacto da queda. Minha mãe ficou horrorizada. Aquela cena foi
traumatizante, ver o desespero daquela jovem mulher de cabelos lisos, que mesmo
sendo aconselhada pelos bombeiros em permanecer onde estava, viu uma chance de
se salvar e não morrer queimada pulando.
Inferno. Essa foi a única palavra que eu consegui
encontrar para descrever aquele ambiente. Enquanto o fogo ardia, eu conseguia
ouvir os gritos dos bombeiros, funcionários da empresa que ainda permaneciam no
interior do prédio, familiares. Junto com eles era possível ouvir a angústia, o
medo, da dor de perder quem se ama. Olhando os destroços se perdendo às chamas,
tentava imaginar o Cauê ali dentro, e só de pensar uma fisgada suprimia meu peito.
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