quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 18



Enquanto as equipes de bombeiros faziam buscas às vítimas, familiares e amigos aguardavam por informações que nunca chegavam. No aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, uma sala foi reservada pela Infraero aos amigos e parentes dos passageiros.

"Vocês estão lhe dando com vidas, gente... Vida aqui fora e vidas que estão aqui ainda, que estão tendo dor, sofrimento."

            Já em Congonhas, foram direcionados para a sala de autoridades do aeroporto. Preferi não ir e aguardar por informações no próprio saguão, acompanhando a movimentação dos militares.
            Às 20h14 a companhia aérea TAM divulgou uma nota oficial sobre o acidente em seu site:

"A aeronave da TAM Airbus A320, vôo JJ 3054, que partiu de Porto Alegre, às 17h16, com destino ao aeroporto de Congonhas (SP), sofreu acidente no pouso no aeroporto em São Paulo.
Neste momento não podemos determinar a extensão dos danos ou de possíveis lesões sofridas pelos ocupantes do avião, passageiros e tripulantes. Uma equipe da TAM já está no local e outros técnicos da companhia estão a caminho. A assistência de emergência também está sendo prestada pelo Corpo de Bombeiros, Infraero e outras autoridades aeronáuticas.
A TAM já ativou seu Programa de Assistência às Vítimas e Familiares e disponibilizou um número de chamadas gratuitas voltado para o atendimento aos familiares dos passageiros e tripulantes deste vôo: 0800 117900.
Qualquer outra informação relevante será comunicada imediatamente pela TAM."

            O meu mundo desabou naquele momento. Impossível descrever a dor que senti no instante em que vi a possibilidade de ter perdido o grande amor da minha vida, dor essa que não tem cura, remédio, nem como explicar. Parecia que haviam feito um buraco em meu peito, deixado após arrancar meu coração em um único golpe fatal.
            Parte de mim deixava de existir. Ao nosso lado uma senhora chorava, segurando uma criança em seu colo que lhe perguntou:

“-Vovó... A mamãe já está chegando?
-Acho que a mamãe não vai mais voltar...
-Por quê?
-Porque a mamãe foi pro céu...”

            Sorte tiveram dois casais que conseguiram falar com seus parentes e receber a feliz notícia de que haviam deixado de embarcar no voo 3054. Por mais que eu tivesse certeza de que era o mesmo voo em que o Cauê e sua mãe embarcaram, agarrei-me na esperança deles terem mudado, se atrasado, pois haviam dito que alguns passageiros que eram para seguir no voo 3054, trocaram ou deixaram de embarcar.
            Eu pensei que fosse morrer junto, e para ser sincero, naquele momento essa foi a minha vontade. Meu olhos pararam de ver, meu coração parou de bater, meu pulmão de respirar. As lágrimas já haviam secado, e a única vontade que eu tinha naquele momento era de acordar, acordar de um pesado que parecia num ter mais fim.
            Abraçado à uma senhora, um rapaz dizia:

“-Ela tem que estar naquele avião de Curitiba, dona Vanda.
-Se Deus quiser.”

            Tocada, minha mãe falou:
-Deus nunca nos desampara, moço...
-É nele que estou me apegando agora.
-É seu parente?
-Minha esposa...        
            Abraçando o rapaz, a senhora completou:
-É a minha filha... Está grávida...
            Tanto sofrimento, tanta dor, tantas pessoas querendo apenas uma coisa naquele momento: informação. Sentei-me ao chão anestesiado pelo pesar da situação. No prédio da TAM Express, onde o avião havia colidido, bombeiros lutavam contra o incêndio de grandes proporções para resgatar os funcionários da empresa que trabalhavam no local no momento da colisão.
            Todos os meios de comunicação no Brasil estavam focados como tema principal o acidente, tornando-se notícia no mundo inteiro.
            Agachando-se de frente para mim, minha mãe questionou:
-Rustom... Vamos para casa, você não está bem...
            Não consegui falar, pensar, mover-me. Apenas meu corpo estava ali, pois minha alma vagava pelo ar, procurando uma razão pra viver, meu complemento chamado Cauê. Assim como eu, todos os familiares e amigos das vítimas só queríamos o que era nosso por direito: informação sobre quem havia embarcado naquele avião.
            Eu já não aguentava mais tanta tortura. Atravessei à Avenida Washington Luiz correndo em direção ao local da colisão. Toda a região ao redor foi isolada. O trânsito teve que ser direcionado para outras avenidas, causando um verdadeiro caos na zona sul de São Paulo.
            Ver aquele fogo ardendo e parte da cauda do avião sendo consumida me fez cair em si. O desastre levou apenas 28 segundos para acontecer, mas que marcaria eternamente a vida dos brasileiros.
            Cruzei a fita de isolamento e caminhava em direção aos destroços quando fui impedido por um bombeiro:
-Você não pode ficar aqui...
-Parte da minha vida pode estar la dentro...
-Lamento, mas é muito arriscado você ficar aqui.
            Nesse momento uma funcionária da TAM Express que se equilibrava na marquise do prédio pulou de onde estava, entrando em óbito com o impacto da queda. Minha mãe ficou horrorizada. Aquela cena foi traumatizante, ver o desespero daquela jovem mulher de cabelos lisos, que mesmo sendo aconselhada pelos bombeiros em permanecer onde estava, viu uma chance de se salvar e não morrer queimada pulando.
            Inferno. Essa foi a única palavra que eu consegui encontrar para descrever aquele ambiente. Enquanto o fogo ardia, eu conseguia ouvir os gritos dos bombeiros, funcionários da empresa que ainda permaneciam no interior do prédio, familiares. Junto com eles era possível ouvir a angústia, o medo, da dor de perder quem se ama. Olhando os destroços se perdendo às chamas, tentava imaginar o Cauê ali dentro, e só de pensar uma fisgada suprimia meu peito.


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