quarta-feira, 3 de agosto de 2016

O QUE OLHOS NÃO VEEM - CAPITULO 15



No domingo acordei angustiado, com febre. Ainda de pijama desci até a cozinha e avistei minha mãe sentada à mesa, comendo um pedaço de bolo de laranja, receita da minha avó. Abri a geladeira, peguei a jarra de suco e sentando-me à cadeira, exclamei:
-Bom dia!
-Bom dia, filho!... Você está pálido... Não está passando bem?
-Acho que não... Estou com febre.
-Quer ir ao médico?
-Não vejo necessidade... Logo passa.
            Passando geleia em uma torrada ela falou:
-A Soraia te ligou. Disse que precisa conversar com você urgente.
-Será que aconteceu algo?
-Não sei... Acredito que não, porque se fosse ela teria vindo aqui.
            Levantando-me da mesa eu disse:
-De qualquer forma eu vou ligar pra ela agora... Fiquei curioso...
-Tá bom.
            Segurando o copo de suco caminhei até a sala, peguei o telefone e disquei pra ela:
-Alô?
-Sô?
-Oi Tom!
-Você ligou pra mim?
-Sim... Estou me sentindo muito culpada por algo que...
-Que o quê?
-Não dá pra falar por telefone. Podemos nos encontrar?
-Aonde você quer ir?
-Podemos almoçar juntos hoje no Ibirapuera?
-Claro!
-Te encontro às duas?
-Não pode ser meio-dia?
-Por mim tudo bem!
-Eu vou de carro.
-Eu também.
-Encontro você no shopping então.
-Perfeito!
-Beijo, lindaaaaaaaa!
-Outros.
            Desliguei o telefone e voltei à cozinha para deixar o copo. Tirando a toalha da mesa minha mãe perguntou:
-Conversou com ela?
-Sim... Marcamos de almoçar hoje. Acho que deve ser algum problema com o namoro dela e do Kico... Vou tomar banho, mãe.
-Está bem.
            Subi para meu quarto e fui tomar um banho antes de sair para encontrá-la. Preferi não sofrer por antecipação e pensar em outras coisas, pois havia grande possibilidade de pirar se eu ficasse pensando muito no assunto, tentando adivinhar o que seria.
            Cheguei ao shopping e segui direto para a praça de alimentação. Pouco tempo depois a Soraia chegou, cada vez mais magra e bonita. Sorrindo, ela seguiu em direção a mim, acenando com a mão esquerda e caminhando tranquilamente entre as mesas, pois o ambiente não estava muito cheio, embora devesse estar por se tratar de um domingo e horário de almoço.
            Enquanto conversávamos, percebi nela certo incomodo, sentindo-me na liberdade de perguntar:
-Você parece não estar muito à vontade...
-Eu gosto muito de você, Tom... Não gosto de te ver sofrer assim...
-Sei que você se preocupa, mas sinônimo de amar é sofrer, miguxa...
-Depois de te ver daquele jeito ontem... Estou me sentindo culpada...
-Culpada pelo quê?
-Eu... Não sei se deveria, mas vou contar.
-Você está me assustando... Contar o quê?
-O Cauê foi ameaçado, por isso ele mentiu.
-Ameaçado? Como assim?
-O Cristiano o procurou naquela manhã que vocês foram falar com o reitor, depois de você ter o jogado na piscina... E disse que se ele fosse acusado de algo, você iria apanhar até não aguentar mais.
-Não acredito que o Cristiano foi capaz disso... E o Cauê não me contou nada...
-O Cauê fez isso para te proteger... Ele te ama. Quer prova maior que essa?
-Por que você não me falou isso antes?
-Fiquei sabendo faz pouco tempo...
-Droga! E eu sofrendo achando que ele não prestava...
            Levantei-me da cadeira e saí correndo em direção ao estacionamento. Peguei o carro e segui para a casa do Cauê. Receber aquela notícia foi como se a orquestra do amor voltasse a tocar em meu ouvido, a serenata dos eternos apaixonados. Eu não via a hora de reencontrá-lo e poder abraçar, beijar, sentir sua pele, seu cheiro novamente.
            Por mais que eu tivesse ficado chateado com sua atitude, compreendi que havia sido por uma boa causa, como a Soraia havia dito, realmente foi uma verdadeira prova de amor. Não houve um só dia em que peguei o telefone para ligar e pedir desculpa, mas na hora faltava coragem.
            Estacionei o carro em frente ao portão de sua casa. Desci com a pressão arterial às alturas. Toquei a campainha, trêmulo, nostálgico. Pouco tempo depois sua mãe apareceu à porta. Com a mão esquerda apoiada ao gradil, perguntei:
-Dona Irene... O Cauê está em casa?
            Percebi que ela não estava à vontade em me ver. Compreensível devido ao rompimento entre eu e seu filho ter acontecido de uma forma tão conturbada, cheia de mágoas. Após um longo suspiro ela cruzou seus braços ao peito, caminhou em minha direção e disse:
-Tom... Eu acho que vocês já se magoaram demais para...
-Por favor, dona Irene... Eu preciso falar com o Cauê.
-Eu não quero mais que meu filho se magoe.
-Dê-me uma chance de tentar?
            Silêncio. Olhando em seus olhos, implorei:
-Por favor, me deixe viver novamente?
            Emocionada, ela abriu o portão dizendo:
-Ele está no quarto.
-Obrigado!
            Corri em direção ao seu quarto. Meu coração parecia querer sair pela boca, e o frio na barriga era constante. Ao aproximar-me da porta, percebi que estava aberta. Sentado em sua cama, o Cauê dobrava uma camisa, e ao seu lado esquerdo uma mala aberta com algumas peças de roupa ocupava parte do colchão.
            Em passos lentos, entrei no quarto. Ao ver nossa foto sobre as roupas, não consegui segurar as lágrimas.
            Colocando a blusa sobre a cama ele falou:
-Mãe... Já pode chamar o táxi...
            Permaneci calado. Levantando-se, ele disse:
-Esse perfume...
            Levando sua mão ao peito, completou:
-Será que estou enganado?... É você, Tom?
-Sim...
-Por favor... Não quero mais brigar...
-Calma. Eu... Não vim aqui brigar com você.
-Não?
-Não... Eu já sei toda a verdade...
-Que verdade?
-A única verdade... De que você só quis me proteger...
-Tom...
-Você me perdoa?
            Exibindo um leve sorriso ele falou:
-Eu te amei desde a primeira vez que te conheci... A gente não perdoa um amor, apenas sente.
-Você deveria ter me contado.
-O amor que sinto por você é grande demais, não há lugar para egoísmo. Eu quero você bem, ileso... Mesmo que para isso o preço seja você longe de mim.
-Você não existe.
-Existo sim... Existo pra te amar.
            Suas palavras me tocaram fundo. Imediatamente o abracei e começamos a nos beijar loucamente. Sentir seu toque novamente me fez sentir vivo outra vez. Nossos corações batiam acelerados, e o encostar de nossas peles recarregavam as baterias de nossa paixão.
-Para que são essas malas?
-Estou indo viajar.
-Viajar?
-É... Eu ganhei um convite para ir àquele congresso de Direito...
-O de Porto Alegre?
-É.
-E... Quando você embarca?
-Hoje, às três e meia da tarde.
            Acariciei seu rosto perguntando:
-E quando você volta?
-Dia dezessete, terça-feira.
-Tudo bem... Eu vou morrer de saudade sua...
-E você acha que eu não?
-Sua mãe também vai?
-Sim... Ela pediu cinco dias de férias no trabalho para me acompanhar...
-Humpf...
-Para ser sincero eu nem queria ir.
-Por quê?
-Eu preferia ficar aqui com você...
-Nós teremos muito tempo para ficarmos juntos... Não perca essa oportunidade única.
-É... Você tem razão...
-Quando você voltar, iremos passar uma semana na praia.
-Você promete?
-Prometo.
-Eu não vejo a hora... Você vai cuidar bem de mim?
-Claro... Não confia em mim?
-Confio.
            Nesse momento sua mãe apareceu à porta dizendo:
-Já está pronto, Cauê?
-Sim...
-Então vamos nos apressar se não acabaremos pegando transito na Washington Luiz...
-O táxi já chegou?
-Ainda não.
-Pode deixar que eu levo vocês até o aeroporto.
-Não há necessidade, Tom.
-Mas eu quero acompanhá-los, dona Irene...
-Deixe ele nos levar, mãe... Assim passamos um pouco mais de tempo juntos.
-Bem... Eu só não quero incomodar...
-Vocês nunca incomodam.
-Então vamos, meninos...
            Após colocarmos as malas no carro, seguimos para o aeroporto. Até que o trânsito estava bom, e a consequência disso foi chegarmos lá em vinte minutos, uma hora antes de embarcar. O Emílio também viajaria com eles, claro, pois o Cauê não conseguia ficar muito tempo longe de seu melhor amigo.
            Enquanto sua mãe fazia o check-in, ficamos eu e o Cauê sentados no saguão de espera, abraçados um ao outro, matando a eterna saudade de um tempo perdido e jamais recuperado.
-Pronto... Já fiz o check-in, agora é só esperar.
            Encostando sua cabeça em meu ombro o Cauê disse:
-Eu queria tanto que você fosse comigo...
-Mas eu vou te acompanhar em seu coração, não vou?
-De lá você nunca saiu.
-Que bom!
-Promete que vai me esperar?
-Pra sempre.
            É incrível como o amor tem o poder de transformar as pessoas. A presença do Cauê me fazia tão bem que meu organismo respondia por si só. Jamais amei alguém como amava aquele garoto, uma sensação difícil de explicar, mas muito boa de sentir.

“Atenção passageiros do voo com destino à Porto Alegre, embarque imediato no portão 5.”

            Levantando-se das poltronas a dona Irene falou:
-Precisamos ir...
            Dando-me um abraço bem forte o Cauê disse:
-Estou com medo, Tom.
-Medo por quê?
-É que eu nunca andei de avião... Hahaha...
-Você vai gostar... É muito legal.
-Provavelmente sim... Eu não enxergo mesmo.
-Acredite em mim... Esse fator lhe ajudará muito.
-Queria tanto que você estivesse comigo...
            Nesse momento tirei meu bracelete e o coloquei em sua mão dizendo:
-Leve isso com você... Assim poderá me ter mais perto de você nesse tempo.
-Eu te amo, Tom!
-Também te amo!... E não se preocupe, vou colocar todos aqueles que te fizeram mal na cadeia.
-É muito difícil...
-Você confia em mim?
-Confio.
            Vê-lo caminhar em direção ao portão de embarque apertou-me a alma. Seu jeito tímido de caminhar, sua voz meio roca, a gargalhada, mal sabia ele o tamanho da saudade que deixaria em meu coração durante esse tempo em que ficaria fora, mesmo sendo pouco, mas pra mim era uma eternidade.
            Antes de entrar no portão de embarque ele se virou e acenou para mim. Aquele momento eu jamais vou esquecer, principalmente o sorriso daquele instante, diferente de todos os outros que já tinha visto vindos dele. O avião nem havia decolado ainda e eu já morria de saudade, esperando eternamente pela volta do meu amor, que pouco a pouco ganhava os céus.
            Naquele mesmo dia nos falamos por telefone, com o Cauê já em Porto Alegre.
-Tom...
-Fala, mozinho?
-Sabe que... Eu tô sonhando com o dia em que você me levará para conhecer o mar?
-Ah é?
-Sim...
-Quando você voltar, iremos realizar muitos sonhos juntos.
-Você promete?
-Prometo.
-Preciso desligar agora, mô.
-Está bem.
-Olha...
-Hum?
-Eu amo você, tá?
-Também te amo, mozinho.
            Desliguei o telefone. Pouco tempo depois minha mãe bateu à porta do meu quarto:
-Rustom?
-Oi, mãe!
-O que você acha de sairmos para jantar?
-Jantar? Nossa!... Que horas são?
-Sete e meia.
-Caraca!... Nem notei às horas passarem... Aonde você quer ir?
-Vamos a uma churrascaria?
-Um rodízio?
-Ótimo!
-Vou tomar banho.
-Não demore que logo irei eu.
-Tá.

            Depois que meu pai sumiu no mundo sem dar notícias, eu e minha mãe nos tornávamos cada vez mais próximos um do outro.

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