No domingo acordei
angustiado, com febre. Ainda de pijama desci até a cozinha e avistei minha mãe
sentada à mesa, comendo um pedaço de bolo de laranja, receita da minha avó.
Abri a geladeira, peguei a jarra de suco e sentando-me à cadeira, exclamei:
-Bom dia!
-Bom dia, filho!... Você
está pálido... Não está passando bem?
-Acho que não... Estou com
febre.
-Quer ir ao médico?
-Não vejo necessidade...
Logo passa.
Passando geleia em uma torrada ela falou:
-A Soraia te ligou. Disse
que precisa conversar com você urgente.
-Será que aconteceu algo?
-Não sei... Acredito que
não, porque se fosse ela teria vindo aqui.
Levantando-me da mesa eu disse:
-De qualquer forma eu vou
ligar pra ela agora... Fiquei curioso...
-Tá bom.
Segurando o copo de suco caminhei até a sala, peguei o
telefone e disquei pra ela:
-Alô?
-Sô?
-Oi Tom!
-Você ligou pra mim?
-Sim... Estou me sentindo
muito culpada por algo que...
-Que o quê?
-Não dá pra falar por
telefone. Podemos nos encontrar?
-Aonde você quer ir?
-Podemos almoçar juntos
hoje no Ibirapuera?
-Claro!
-Te encontro às duas?
-Não pode ser meio-dia?
-Por mim tudo bem!
-Eu vou de carro.
-Eu também.
-Encontro você no shopping
então.
-Perfeito!
-Beijo, lindaaaaaaaa!
-Outros.
Desliguei o telefone e voltei à cozinha para deixar o
copo. Tirando a toalha da mesa minha mãe perguntou:
-Conversou com ela?
-Sim... Marcamos de
almoçar hoje. Acho que deve ser algum problema com o namoro dela e do Kico...
Vou tomar banho, mãe.
-Está bem.
Subi para meu quarto e fui tomar um banho antes de sair
para encontrá-la. Preferi não sofrer por antecipação e pensar em outras coisas,
pois havia grande possibilidade de pirar se eu ficasse pensando muito no
assunto, tentando adivinhar o que seria.
Cheguei ao shopping e segui direto para a praça de
alimentação. Pouco tempo depois a Soraia chegou, cada vez mais magra e bonita.
Sorrindo, ela seguiu em direção a mim, acenando com a mão esquerda e caminhando
tranquilamente entre as mesas, pois o ambiente não estava muito cheio, embora
devesse estar por se tratar de um domingo e horário de almoço.
Enquanto conversávamos, percebi nela certo incomodo,
sentindo-me na liberdade de perguntar:
-Você parece não estar
muito à vontade...
-Eu gosto muito de você,
Tom... Não gosto de te ver sofrer assim...
-Sei que você se preocupa,
mas sinônimo de amar é sofrer, miguxa...
-Depois de te ver daquele
jeito ontem... Estou me sentindo culpada...
-Culpada pelo quê?
-Eu... Não sei se deveria,
mas vou contar.
-Você está me
assustando... Contar o quê?
-O Cauê foi ameaçado, por
isso ele mentiu.
-Ameaçado? Como assim?
-O Cristiano o procurou
naquela manhã que vocês foram falar com o reitor, depois de você ter o jogado
na piscina... E disse que se ele fosse acusado de algo, você iria apanhar até
não aguentar mais.
-Não acredito que o
Cristiano foi capaz disso... E o Cauê não me contou nada...
-O Cauê fez isso para te
proteger... Ele te ama. Quer prova maior que essa?
-Por que você não me falou
isso antes?
-Fiquei sabendo faz pouco
tempo...
-Droga! E eu sofrendo
achando que ele não prestava...
Levantei-me da cadeira e saí correndo em direção ao
estacionamento. Peguei o carro e segui para a casa do Cauê. Receber aquela
notícia foi como se a orquestra do amor voltasse a tocar em meu ouvido, a
serenata dos eternos apaixonados. Eu não via a hora de reencontrá-lo e poder
abraçar, beijar, sentir sua pele, seu cheiro novamente.
Por mais que eu tivesse ficado chateado com sua atitude,
compreendi que havia sido por uma boa causa, como a Soraia havia dito,
realmente foi uma verdadeira prova de amor. Não houve um só dia em que peguei o
telefone para ligar e pedir desculpa, mas na hora faltava coragem.
Estacionei o carro em frente ao portão de sua casa. Desci
com a pressão arterial às alturas. Toquei a campainha, trêmulo, nostálgico.
Pouco tempo depois sua mãe apareceu à porta. Com a mão esquerda apoiada ao
gradil, perguntei:
-Dona Irene... O Cauê está
em casa?
Percebi que ela não estava à vontade em me ver. Compreensível
devido ao rompimento entre eu e seu filho ter acontecido de uma forma tão
conturbada, cheia de mágoas. Após um longo suspiro ela cruzou seus braços ao
peito, caminhou em minha direção e disse:
-Tom... Eu acho que vocês
já se magoaram demais para...
-Por favor, dona Irene...
Eu preciso falar com o Cauê.
-Eu não quero mais que meu
filho se magoe.
-Dê-me uma chance de
tentar?
Silêncio. Olhando em seus olhos, implorei:
-Por favor, me deixe viver
novamente?
Emocionada, ela abriu o portão dizendo:
-Ele está no quarto.
-Obrigado!
Corri em direção ao seu quarto. Meu coração parecia
querer sair pela boca, e o frio na barriga era constante. Ao aproximar-me da
porta, percebi que estava aberta. Sentado em sua cama, o Cauê dobrava uma
camisa, e ao seu lado esquerdo uma mala aberta com algumas peças de roupa
ocupava parte do colchão.
Em passos lentos, entrei no quarto. Ao ver nossa foto
sobre as roupas, não consegui segurar as lágrimas.
Colocando a blusa sobre a cama ele falou:
-Mãe... Já pode chamar o
táxi...
Permaneci calado. Levantando-se, ele disse:
-Esse perfume...
Levando sua mão ao peito, completou:
-Será que estou
enganado?... É você, Tom?
-Sim...
-Por favor... Não quero
mais brigar...
-Calma. Eu... Não vim aqui
brigar com você.
-Não?
-Não... Eu já sei toda a
verdade...
-Que verdade?
-A única verdade... De que
você só quis me proteger...
-Tom...
-Você me perdoa?
Exibindo um leve sorriso ele falou:
-Eu te amei desde a
primeira vez que te conheci... A gente não perdoa um amor, apenas sente.
-Você deveria ter me
contado.
-O amor que sinto por você
é grande demais, não há lugar para egoísmo. Eu quero você bem, ileso... Mesmo
que para isso o preço seja você longe de mim.
-Você não existe.
-Existo sim... Existo pra
te amar.
Suas palavras me tocaram fundo. Imediatamente o abracei e
começamos a nos beijar loucamente. Sentir seu toque novamente me fez sentir
vivo outra vez. Nossos corações batiam acelerados, e o encostar de nossas peles
recarregavam as baterias de nossa paixão.
-Para que são essas malas?
-Estou indo viajar.
-Viajar?
-É... Eu ganhei um convite
para ir àquele congresso de Direito...
-O de Porto Alegre?
-É.
-E... Quando você embarca?
-Hoje, às três e meia da
tarde.
Acariciei seu rosto perguntando:
-E quando você volta?
-Dia dezessete, terça-feira.
-Tudo bem... Eu vou morrer
de saudade sua...
-E você acha que eu não?
-Sua mãe também vai?
-Sim... Ela pediu cinco
dias de férias no trabalho para me acompanhar...
-Humpf...
-Para ser sincero eu nem
queria ir.
-Por quê?
-Eu preferia ficar aqui
com você...
-Nós teremos muito tempo
para ficarmos juntos... Não perca essa oportunidade única.
-É... Você tem razão...
-Quando você voltar,
iremos passar uma semana na praia.
-Você promete?
-Prometo.
-Eu não vejo a hora...
Você vai cuidar bem de mim?
-Claro... Não confia em
mim?
-Confio.
Nesse momento sua mãe apareceu à porta dizendo:
-Já está pronto, Cauê?
-Sim...
-Então vamos nos apressar
se não acabaremos pegando transito na Washington Luiz...
-O táxi já chegou?
-Ainda não.
-Pode deixar que eu levo
vocês até o aeroporto.
-Não há necessidade, Tom.
-Mas eu quero
acompanhá-los, dona Irene...
-Deixe ele nos levar,
mãe... Assim passamos um pouco mais de tempo juntos.
-Bem... Eu só não quero
incomodar...
-Vocês nunca incomodam.
-Então vamos, meninos...
Após colocarmos as malas no carro, seguimos para o
aeroporto. Até que o trânsito estava bom, e a consequência disso foi chegarmos
lá em vinte minutos, uma hora antes de embarcar. O Emílio também viajaria com
eles, claro, pois o Cauê não conseguia ficar muito tempo longe de seu melhor
amigo.
Enquanto sua mãe fazia o check-in, ficamos eu e o
Cauê sentados no saguão de espera, abraçados um ao outro, matando a eterna
saudade de um tempo perdido e jamais recuperado.
-Pronto... Já fiz o
check-in, agora é só esperar.
Encostando sua cabeça em meu ombro o Cauê disse:
-Eu queria tanto que você
fosse comigo...
-Mas eu vou te acompanhar
em seu coração, não vou?
-De lá você nunca saiu.
-Que bom!
-Promete que vai me
esperar?
-Pra sempre.
É incrível como o amor tem o poder de transformar as
pessoas. A presença do Cauê me fazia tão bem que meu organismo respondia por si
só. Jamais amei alguém como amava aquele garoto, uma sensação difícil de
explicar, mas muito boa de sentir.
“Atenção
passageiros do voo com destino à Porto Alegre, embarque imediato no portão 5.”
Levantando-se das poltronas a dona Irene falou:
-Precisamos ir...
Dando-me um abraço bem forte o Cauê disse:
-Estou com medo, Tom.
-Medo por quê?
-É que eu nunca andei de
avião... Hahaha...
-Você vai gostar... É
muito legal.
-Provavelmente sim... Eu
não enxergo mesmo.
-Acredite em mim... Esse
fator lhe ajudará muito.
-Queria tanto que você
estivesse comigo...
Nesse momento tirei meu bracelete e o coloquei em sua mão
dizendo:
-Leve isso com você...
Assim poderá me ter mais perto de você nesse tempo.
-Eu te amo, Tom!
-Também te amo!... E não
se preocupe, vou colocar todos aqueles que te fizeram mal na cadeia.
-É muito difícil...
-Você confia em mim?
-Confio.
Vê-lo caminhar em direção ao portão de embarque
apertou-me a alma. Seu jeito tímido de caminhar, sua voz meio roca, a
gargalhada, mal sabia ele o tamanho da saudade que deixaria em meu coração
durante esse tempo em que ficaria fora, mesmo sendo pouco, mas pra mim era uma
eternidade.
Antes de entrar no portão de embarque ele se virou e
acenou para mim. Aquele momento eu jamais vou esquecer, principalmente o
sorriso daquele instante, diferente de todos os outros que já tinha visto
vindos dele. O avião nem havia decolado ainda e eu já morria de saudade,
esperando eternamente pela volta do meu amor, que pouco a pouco ganhava os
céus.
Naquele mesmo dia nos falamos por telefone, com o Cauê já
em Porto Alegre.
-Tom...
-Fala, mozinho?
-Sabe que... Eu tô
sonhando com o dia em que você me levará para conhecer o mar?
-Ah é?
-Sim...
-Quando você voltar,
iremos realizar muitos sonhos juntos.
-Você promete?
-Prometo.
-Preciso desligar agora, mô.
-Está bem.
-Olha...
-Hum?
-Eu amo você, tá?
-Também te amo, mozinho.
Desliguei o telefone. Pouco tempo depois minha mãe bateu
à porta do meu quarto:
-Rustom?
-Oi, mãe!
-O que você acha de
sairmos para jantar?
-Jantar? Nossa!... Que
horas são?
-Sete e meia.
-Caraca!... Nem notei às
horas passarem... Aonde você quer ir?
-Vamos a uma churrascaria?
-Um rodízio?
-Ótimo!
-Vou tomar banho.
-Não demore que logo irei
eu.
-Tá.
Depois que meu pai sumiu no mundo sem dar notícias, eu e
minha mãe nos tornávamos cada vez mais próximos um do outro.
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