terça-feira, 15 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPITULO 12


| Nem funcionário escapa |
  
            Alguns dias se passaram. Caminhava pela Avenida Paulista, quando meu celular começou a tocar. O identificador de chamadas indicava um número privado, deixando-me curioso.
-Alô?
-Claus?
            Pela voz identifiquei o Leonardo, que simpático dizia:
-Preciso de um favor seu...
-Que favor?
-Você está onde agora?
-Eu?... Bem... Estou na Avenida Paulista.
-Dá um pulo aqui na clínica, pois preciso pagar um boleto e não terei tempo de ir ao banco. Você pode fazer isso por mim?
-Claro!
-Tô te esperando então.
            Desliguei o telefone puto. Por que ele não pediu para que um motoboy fizesse esse serviço?
            Tive vontade de ligar novamente e mandá-lo tomar banho, mas pensei duas vezes e achei melhor não dar sorte pro azar, vai que o Leonardo desistisse de mim e aí eu possivelmente estaria no olho da rua, escorraçado pela mocréia da Talita.
            Cheguei à clínica e mal aproximei-me do balcão quando a recepcionista falou colocando o telefone ao gancho:
-Senhor Claus?
-Sou eu.
-O senhor pode ir até a sala do doutor Leonardo que ele espera pelo senhor.
-Obrigado.
            Provavelmente o negócio era urgente mesmo, pois pediu para sua secretária mandar-me entrar direto sem avisar.
Bati duas vezes à porta:
-Com licença...
            Caminhando até mim em passos largos, ele falou:
-Entre logo!
            Fechei à porta.
-Preciso de um pequeno favor seu. - Disse dando-me um selinho.
-Que favor? - Perguntei curioso.
            Caminhando até sua mesa, ele abriu uma gaveta e tirou alguns papeis, entregando-me um deles dizendo:
-Preciso que você vá até o banco e pague pra mim esse boleto...
-Tá... Mas por que você não pagou pela internet?
-Porque o valor é muito alto, e eu acabei não reservando a quantia com o gerente...
-Então poderia ter mandado um motoboy...
-Não confio tanto nele quanto confio em você. - Respondeu entregando-me seu cartão do banco.
            Olhei o valor do boleto e quase cai de costas, pois vinte mil pra mim era muito dinheiro.
            Após anotar algo em uma folha de papel, entregou-me dizendo:
-Toma... Essa é minha senha. Eu liguei pro gerente do banco e já está autorizado o pagamento via débito pelo cartão. Só preciso que você vá até lá e pague pra mim.
-Sim...
-Cuidado, hein...
-Pode deixar.
            Confesso que o achei um trouxa ao entregar-me seu cartão. Quanta confiança em um cara que não valia um grão de arroz. Se eu quisesse, naquele momento poderia sacar toda a grana e sumir, pois seria muito maior a quantia do que a que a Talita iria me pagar ao final do processo, porém, decidi não arriscar, porque certamente seria um fugitivo da polícia e isso eu não queria.
            No outro dia aproveitei que acordei disposto e desci até a academia para malhar um pouco. Nem havia tomado café da manhã direito, apenas comi duas bananas e um suco de laranja. Logo ao entrar na sala dos equipamentos percebi que seria um pouco mais demorado o treino naquele dia, pois havia mais pessoas do que o normal, provavelmente devido ao horário.
            Comecei fazendo um pouco de bicicleta, enquanto isso ia ouvindo música em meu MP5. Aumentei a carga do exercício e acelerei as pedaladas, com isso suei como uma torneira aberta.
            Terminei meus exercícios já passavam das dez da manhã. Minha camiseta pingava de suor. A sala de equipamentos estava vazia, restando apenas eu. Antes de subir para o apartamento, fui até o vestiário “descarregar” toda a água que eu havia bebido, pois minha bexiga já estava dolorida de tanto segurar.
            Lavei o rosto com água fria, e enquanto enxugava com papel, não percebi que havia entrado alguém. Abri o olho e após esfregá-lo avistei o Emersom, parado, encostando lentamente à porta enquanto questionava:
-Tudo bem? - Perguntou com o olhar baixo.
-Bem e você?
-Também... Eu queria muito te ver.
-Mas você me vê todo dia quase...
-Não é nesse sentido que estou me referindo.
-Em qual então?
-Nesse...
            Empurrando-me para dentro de um dos boxes, ele lascou um beijo em minha boca com muita vontade. Que delícia! Com seu pé ele fechou à porta, enquanto suas mãos apalpavam minha pele por baixo da roupa. Às vezes uma gota d'água caía sobre minha cabeça, pois estávamos embaixo do chuveiro, aprontando, feito dois adolescentes irresponsáveis.
            No silêncio da manhã, aproveitávamos calados o sossego do local, quebrado pelo barulho do vélcro da minha bermuda, que foi aberto com a força do tesão em que estávamos. Garoto safado! Parecia que não me via há anos, e eu estava adorando, claro.
            Suas pegadas fortes chegavam a deixar marcas, uma vermelhidão gostosa que nos levava à loucura. Transamos ali mesmo, um sexo selvagem, deixando escapar um alto gemido no auge do orgasmo.
-Psiu... Alguém pode nos ouvir. - Disse o Emersom tapando minha boca após um grito meu.
            Nesse momento alguém entrou no vestiário. Assustado, ele disse sussurrando:
-Pelo amor de Deus... Não faça barulho...
-Quem será?            
-Não sei, calma...
            Um barulho soou, e após espiar pela fresta da porta, o Emersom exclamou:
-É o faxineiro!
-Caralho... E agora?
-Fica frio. Vou dar um jeito, mas não saia daqui enquanto ele estiver.
-Beleza.
            Após vestir sua roupa sem muito se mexer, ele saiu do Box com a postura curvada, como um tigre escondendo-se de sua presa. Apoiando sua mão à barriga o Emerson caminhava em passos curtos, gemendo:
-Ai... Ai...
-O que aconteceu? - Perguntou o faxineiro assustado.
-Estou passando mal. Já vomitei bastante, não tô nem conseguindo respirar direito... Você pode me ajudar a chegar até o ambulatório?
-Claro. Vem que eu... Opa... Te ajudo. Apoia seu braço aqui... Isso.
            Garoto experto! Com o braço apoiado pelo ombro do rapaz o Emerson deixou o vestiário. Assim que eles saíram, cruzei à porta discretamente, olhando de um lado pro outro com receio de ser avistado.
           O Emerson surpreendeu-me naquela manhã, mostrando ser um cara safado e gostoso, mais do que pensei que fosse. Graças a ele ocorreu tudo bem, mas confesso que o perigo deixou ainda mais excitante aquele clima, onde corríamos o risco de sermos surpreendidos a qualquer momento.
            Entrando em meu quarto, acabava de encostar à porta quando o telefone começou a tocar. Colocando a toalha de rosto sobre o sofá, atendi:
-Alô?
-Claus, é a Talita...
-Oi...
-Estou indo até você.
-Fazer o quê?
-Conversar, ué... Podemos almoçar juntos?
-Claro.
-Ótimo. Daqui a pouco estou passando ai.
-Tá, tchau.
            Droga! O que aquela idiota queria comigo? Na maioria das vezes em que a Talita pedia pra nos falarmos, lá vinha bucha, enchendo-me de cobranças como se eu tivesse culpa do fracasso de seu casamento com o Leonardo.
            Enquanto isso, telefonei para minha mãe pra saber como ela estava, pois já faziam alguns dias que eu não dava notícias e a saudade já estava apertando.
-Que bom quocê ligo, meu filho...
-Estou com saudade, mãe.
-Eu também...
-Por que a senhora não me ligou mais?
-Eu tava doente, Clau.
-Doente?
-Eu tava no hospital... Sai ontem...
-E ninguém me ligou pra falar nada?
-Meu filho, eu pedi pra não te preocupa com bobeira.
-Bobeira? A senhora está no hospital e ainda acha que é bobeira? Mas que falta de consideração absurda... Estou muito chateado com isso.
-Não fique, meu filho. Logo eu vou morrer e...
-Não diga isso.
-Desculpa.
-Nunca mais repita isso, por favor.
-Filho... Preciso desligar, tá?
-Tá.
-Quando eu me sentir um pouco melhor, eu te ligo.
-Vou esperar então.
-Beijo.
            Desliguei o telefone e fui tomar um banho para limpar o suor do treino e do outro exercício que o Emersom havia me feito praticar. Após falar com minha mãe, não fiquei nada bem. Péssima ideia aquela de esconder de mim a verdade, afinal, eu era filho e tinha o direito de saber o estado de saúde da minha mãe, mesmo ela não querendo era obrigação dos meus irmãos me deixarem informado.
            Enquanto eu tomava banho, a Talita deixou as crianças na escola e seguiu para o flat. Devido ao fato de deixar seus filhos no colégio, ela teve que fazer um caminho diferente do habitual para ir ao apart-hotel, causando um pequeno contratempo no percurso.
            Ao cruzar a Avenida Brasil ela não viu que um motoqueiro entrou do nada em sua frente. Para não passar por cima dela, acabou freando, despertando a indignação do motorista do automóvel que vinha logo atrás dela.
            Querendo arrumar alguém para descontar seus problemas, o cara conduziu seu veículo ao lado do dela, baixou o vidro do passageiro e começou a reclamar:
-Você viu o que fez?
            Simpática como ela era, respondeu com um sorriso cínico:
-Vi sim, mas não tive como evitar. Desculpe.
-Eu quase bati no seu carro, sabia?
-Já falei que não tive como evitar...
-É... Mas e se eu batesse no seu carro?
-Certamente você pagaria pelo conserto.
-Mas o erro não foi meu.
            Irritada, ela falou:
-Então tá... Vamos voltar lá do começo quando você fez sua aula de condutor... O professor diz que quem bate atrás está sempre errado, e que devemos sempre manter certa distância do carro da frente, certo?
-Sim.
-Pois é, coisa que você não fez. Sinto muito, querido, mas se você batesse no meu carro, você estaria errado. Tchauzinho.
            Fechando o vidro do seu carro ela acelerou, jogando seus cabelos lisos e brilhosos com aquela pose de rainha intocável que ela tinha. Depois do que a Talita disse, o cara não insistiu mais e seguiu seu rumo, enquanto ela retocava seu gloss aguardando o semáforo abrir.
            Saindo do banheiro, enxugava meu cabelo quando o interfone tocou. Deixei a toalha sobre à cama e fui atender:
-Pronto...
-Senhor Claus? A dona Talita está na portaria...
-Pode deixar subir.
            Provavelmente o Emersom havia se resolvido, pois para ter interfonado-me em tão pouco tempo, sinal de que já estava trabalhando normalmente.
            A campainha tocou. Vesti minha bermuda, sem cueca, e fui atender. Abri à porta. Colocando seus óculos escuros à testa, a Talita entrou dizendo:
-Foi você que pediu pra me anunciarem quando chegasse?
-Eu não.
-Bando de gente maluca...
            Caminhando até o quarto, perguntei:
-Para qual restaurante vamos?
-Pode ser no restaurante aqui do flat mesmo. É melhor não circularmos juntos por ai, vai que alguém nos vê.
-Então eu vou vestir uma camiseta e a gente já pode descer.
-Seja rápido.
-Calma, gata.
            Descemos até o restaurante. Embora eu já tivesse passado por ali antes, nunca havia parado para comer algo. Lugar chique, refinado, cheio de frescuras. Sentamos em uma mesa bem ao fundo, longe da circulação das pessoas.
            Forrando o guardanapo no colo, a Talita dizia:
-Meu advogado me ligou hoje...
-E...?
-Deu risada daquelas idiotices que você me mandou.
-Idiotices? Você sabe o quanto eu suei pra conseguir aquilo que você chama de idiotice?
-Estou pouco me importando... Você já sabia que não seria fácil quando te fiz a proposta.
-É... Mas eu não sabia que seu ex-marido era tão chato assim.
-Eu avisei...
            Nesse momento o garçom aproximou-se. À frente do comando, a Talita fez o pedido, enquanto eu não abri a boca.
            Pra falar a verdade, ela era muito folgada. Afinal, o que a Talita queria? Fiz o que estava ao meu alcance, dentro das oportunidades que me apareceram, além das que criei, porque seu marido era muito experto, e qualquer vacilo meu tudo poderia ir por água abaixo.
            Após a saída do garçom, ela ia dizer algo quando seu celular começou a tocar. Rapidamente colocou sua bolsa sobre a mesa, abriu e atendeu depois de dar sua jogada de cabelo, que particularmente eu achava fatal.
-Alô?... E quantos são?... Tá, então troque esse fornecedor. Já cansei de tanto problema desse produto deles. Os clientes também já reclamaram... Pode fazer o pedido com o outro, chegando ai eu assino o cheque... Não se esqueça de conferir a nora fiscal.
-Trabalho? - Perguntei.
-Minha secretária. - Respondeu após um curto suspiro.
-Muitos problemas?
-Estamos trocando de fornecedor... Encontrei um bem melhor.
-Ah!
-Voltando ao assunto...
-Lá vem a bomba...
-Quero que você avance.
-Avançar como?
-Preciso de um argumento mais forte.
-E por acaso, você tem alguma ideia?
            Inclinando seu corpo um pouco à frente e apertando levemente os olhos, ela respondeu:
-Sou uma mulher criativa, meu caro.
-Ah é? Então me diga, o que quer que eu faça?
-Filme.
-O quê?
-Vocês dois “naqueles momentos”.
-Trepando?
-Psiu... Fale baixo! - Exclamou olhando de um lado pro outro com medo que ouvissem.
-Mas Talita, o Leonardo pode desconfiar...
-Eu te pago justamente para isso...  Sua função é seduzi-lo de todas as formas, e não contestar minhas ordens. Portanto, faça a sua parte que eu faço a minha.
-Preciso de um tempo.
-Você tem uma semana pra me enviar isso.
-Uma semana?
-Uhum...
-Mas Talita, eu nem...
-Sem desculpas, Claus. Acredito que fazer um mísero filme é menos complicado que dormir num colchão cheio de pulgas numa pensão na Praça da Sé.
-Você é muito má.
-Sou uma mulher de negócios, meu querido. Tenho certeza que você não iria gostar de acordar cedo para garantir uma vaga naquelas filas quilométricas em busca de emprego...
           A Talita sabia muito bem como manipular as pessoas, tocando fundo nos pontos mais fracos que conseguia enxergar. Um dia é da caça e outro do caçador. Ela poderia estar por cima da carne seca naquele momento, mas minha hora ia chegar.
            Depois de almoçarmos seguimos cada um seu caminho, eu pro apartamento e ela para sua clínica. Não gostei muito de ter passado o início da tarde na companhia daquela “Naja”, principalmente a ideia imbecil de filmar nossa intimidade. Tudo bem que eu era safado e gostava de aprontar, mas não a esse ponto.
            Entrei em meu apartamento e encostei à porta. Caminhei até o quarto, liguei o rádio e deitei-me à cama um pouco, pensando em como e o que faria para convencer o Leonardo de fazer um pequeno filme erótico de nós dois.
            Fazia um mês que eu e o Leonardo estávamos ficando, e até então ele ainda não havia cogitado a hipótese de um namoro, fora das previsões que eu havia planejado. O Natal se aproximava, faltando pouco menos de uma semana. Após passar a noite comigo, logo no início da manhã o Leonardo fez-me um convite:
-Claus... Vai ter a festa de amigo secreto do pessoal do hospital e eu gostaria que você fosse comigo...
            Levantei-me da cama, de corpo nu. Entrando no banheiro, falei:
-Não tenho paciência para essas festas de fim de ano.
-Tudo bem, não posso te obrigar a participar se você não gosta.
Até parece que eu iria perder meu tempo com aquela idiotice de amigo-secreto. Já podia imaginar um monte de doutores reunidos em uma sala da enfermaria, debatendo procedimentos médicos e trocando presentes toscos.
Depois que o Leonardo foi embora, deitei-me ao sofá vestindo apenas uma cueca branca, telefonando para a Talita logo em seguida:
-Alô?
-Bom dia!
-Fala logo que daqui a pouco tenho que atender uma cliente.
-Essa noite o Leonardo dormiu aqui.
-E...? Você conseguiu o que te pedi?
-Ainda não, calma... Acredita que ele teve a coragem de me convidar para um amigo-secreto estúpido?
-O que você respondeu?
-Que não, né? Óbvio...
-Seu animal!
-Por quê?
-Como quer seduzir um cara se você não gosta das mesmas coisas que ele? Além do mais, você é muito burro em recusar esse convite, porque eu já fui uma vez e garanto que é muito bom.
-Você acha que eu deveria ir?
-Você é quem sabe. Se tiver outra ideia para conquistá-lo, vá em frente. Só espero que ele não desista de você.
-Por que está dizendo isso?
-Quem é que aguenta conviver com outra pessoa que não gosta de nada? Acho melhor você rever seus conceitos, caso contrário o Leonardo vai cair fora e a culpa será sua.
-Tá.
            Com um tom imperativo, ela falou:
-Se você se atrever arruinar meus planos, vai se dar muito mal, Claus.
-Não se preocupe, vou me esforçar ao máximo para agradá-lo.
-Quer um conselho? Vá na festa, você vai gostar.
-Acho que você tem razão...
-Eu sempre tenho razão, chéri... Preciso desligar agora. Nos falamos depois.
-Tá bom. Tchau.
            Desliguei o telefone e fiquei pensando por mais de meia hora, em silêncio, decidindo se havia feito certo em recusar o gentil convite do Leonardo, afinal, eu não perderia nada em aceitar, já que o sacrifício maior era ouvir aquela voz entojada da Talita.
            Após um profundo suspiro, telefonei para o Leonardo aceitando, ou melhor, voltando atrás do NÃO que havia lhe dado por ignorância horas antes.
-Alô?
-Oi moleque!
-Oi... Estou te atrapalhando?
-Você nunca atrapalha.
            Uau! Naquele momento senti que eu já havia adquirido um lugar especial em sua vida, isso era um ótimo sinal.
-Bem... Eu pensei melhor e aceito ir com você hoje à noite. - Falei com a voz manhosa.
-Que bom!... Passo ai pra te buscar então. - Respondeu entusiasmado.
-Tá bem... Vou te esperar aqui, ansioso. Beijo.
-Outro.
            Pelo barulho de fundo o Leonardo já deveria estar na emergência do hospital. Com seu jeito na maioria das vezes simpático de me tratar, fazia-me sentir a pessoa mais importante do mundo, enchendo-me de paparicos.
            Adormeci deitado naquele sofá, e só acordei no inicio da noite, com cãibra na perna e o telefone tocando:
-Alô?
-Já está pronto? - Perguntou o Leonardo com uma voz sedutora.
-Pronto? Eu acabei de acordar... - Respondi esfregando os olhos.
-Você tem dez minutos para fazer isso. Já estou indo praí.
-Tá bom.
-Até!
-Tchau.
            Corri pro quarto, descalço. Abri o armário para escolher qual roupa iria usar. Apesar de não possuir muitas, nem em sonho poderia ir de qualquer jeito, afinal, eu não sabia o que aconteceria naquela festa chata.
            Calçava o sapato quando o interfone tocou:
-Pronto?
-Senhor Claus, o senhor Leonardo o aguarda na recepção.
-Tudo bem, já estou descendo.
            Voltei ao quarto, borrifei um pouco de perfume e desci para encontrá-lo. Assim que deixei o elevador, logo avistei o Leonardo, todo elegante como sempre, conversando com um dos seguranças do flat.
            Ao aproximar-me, saudei:
-Boa noite!
-Boa noite! Caprichou, heim? - Disse ele abraçando-me.
-Você merece. - Respondi esboçando um sorriso.
            Entramos no carro e seguimos para sua confraternização de final de ano com todos seus amigos. Naquele momento eu já estava conformado com a ideia e preparado para qualquer decepção que pudesse acontecer, pois um bando de médicos loucos juntos, boa coisa não haveria de sair.
-Para onde estamos indo? - Perguntei ao pararmos no semáforo da Avenida Rebouças.
-Vamos para o hotel.
-Hotel?
-É... Faremos a troca dos presentes no bar do hotel na Alameda Santos.
-Qual deles?
-Calma que você vai ver.
-Hum... Vocês sempre costumam fazer dessa forma?
-Quando não viajamos, sim. - Respondeu engatando a marcha.
-E vão todos os médicos?
-Alguns enfermeiros e parentes também.
-Mas eu nem sou seu parente. - Falei na intenção de receber uma boa resposta, porém, não foi como eu esperava.
-Do que você está falando?
-Sei lá... Você disse que irão os familiares dos seus colegas, e eu não sou NADA seu.
-Tudo há seu tempo, relaxa.
            Depois daquela resposta resolvi me calar. Aquele encontro poderia ser mais interessante do que eu pensava, pois pra mim a reunião aconteceria no hospital, em meio aquele cheiro de álcool e barulho de ambulância o tempo todo.
            Ao chegarmos no bar do hotel já havia vários de seus colegas, todos descontraídos conversando entre si, cena totalmente diferente daquela que eu havia imaginado.
            Sentando-se à uma das mesas, o Leonardo perguntou-me:
-Você quer beber alguma coisa?
-Uma caipirinha. - Respondi olhando uma carta de bebidas.
-Tá.
-Ah... De limão.
-Tá bom.
            O bar do hotel era um luxo. Poltronas de madeira mogno, estofadas, revestidas de tecido camurça preto, muito confortáveis. A iluminação era mesclada, onde as luzes planejadas realçavam e valorizavam a elegante decoração.
            Fiquei impressionado com a prateleira decorada com garrafas de vários formatos que ficava ao fundo do bar. Os espelhos davam a impressão de estarem duplicadas, refletindo o verde de algumas aos olhos dos amantes de bebidas de primeira qualidade.
            Enquanto minha caipirinha estava sendo preparada, encostei-me à cadeira ao mesmo tempo em que conversava com o Leonardo.
-Cadê o presente do seu amigo? - Perguntei olhando para o piano próximo à janela.
-Está aqui.
-Nem tinha reparado...
            Ao meu lado esquerdo havia uma mesa ocupada por um jovem casal, aparentemente noivos, pois uma robusta aliança dourada na mão direita de ambos gritava aos quatro ventos.
            As moças e rapazes que atendiam os clientes do hotel eram bonitos e simpáticos, vestindo uniformes pretos com detalhes em vermelho, cabelos impecáveis, praticamente um atendimento de comissários. Claro que eu não era nem louco de fazer graça com algum daqueles meninos, porém, a vontade de aprontar era enorme.
            Eu já estava na metade da caipirinha quando começaram a troca de presentes, iniciando-se a bagunça. Confesso que depois de ser apresentado aos doutores, comecei a ter outra visão sobre eles, totalmente diferente da que eu havia criado em minha cabeça.
-Bem... O meu amigo-oculto fala demaaaaaaaaaaaaaaaaaais... Vive esquecendo de ligar pra esposa que é muito ciumenta... -Disse uma jovem médica, iniciando a troca de presentes entre os amigos. -Alguém arrisca um palpite de quem eu tirei?
-O Bernardo? - Respondeu o Leonardo.
-Não!... O meu amigo-oculto adora viajar pra praia nos dias de folga e...
-O Flávio! - Responderam todos em clima de festa, rindo.
-Acertaram!
            Entregando-lhe uma pequena sacola, os dois deram um forte abraço seguido de um beijo no rosto. A esposa dele estava lá, rindo com o comentário da colega de trabalho do seu marido, tal como o Leonardo.
            Assim que a médica se sentou, seu amigo começou a palpitar sobre o presente que havia ganhado.
-Bem... Pelo tamanho da caixa e peso já posso dizer que não é um carro.
            Todos rimos.
-Gostaria muito que fosse a capa da revista masculina desse mês em carne e osso, mas também já sei que não é.
-Não se esqueça que sua mulher tá aqui... - Falou uma de suas colegas sentada próxima de mim.
-Ela sabe que a amo. Né amor?
-Hahaha...
            Depois de rasgar o pequeno pacote, o Flávio fez um pequeno suspense antes de revelar o que havia ganhado.
-Tcham, tcham, tcham, tcham...
            O tirando de dentro de um fino estojo, exclamou:
-Uma caneta!
            Fiquei passado ao vê-lo todo feliz com a mísera caneta que ganhou. Que idiota! Com meu pensamento um pouco ignorante, sussurrei para o Leonardo querendo saber:
-Esse seu colega de trabalho é bem fácil de agradar, heim?
-Por quê?
-Ficar feliz em ganhar uma caneta estúpida...
-Acho que qualquer um no lugar dele ficaria.
-Não sei se eu ficaria...
-É que se trata de uma caneta de grife... Provavelmente deve custar quase a metade do valor de um carro popular... Se não mais.
-Caraca!
            Pensando por esse lado, até que havia razão para tanta felicidade, e logo percebi que o dourado detalhe, juntamente com um discreto brilho tratavam-se de ouro e brilhante, provavelmente custando mesmo o olho da cara.
            Erguendo uma caixa que estava à mesa onde ele sentava-se, o Flávio começou a descrever sobre o presente que havia comprado para seu amigo.
-Olha só... O presente do meu amigo é raro, e não pode ser apreciado por qualquer pessoa. Claro que o presente tem a ver com essa pessoa, por ser romântica, às vezes chata com um jeito de ser todo certinho...
-Leonardo! - Gritou uma das enfermeiras.
-Puts!... Assim não vale...
            Falou em romantismo e chatice, eis que a associação é feita ao Leonardo. Por que será?
            Pegando a caixa, ele respondeu:
-Então quer dizer que sou chato...
            Gargalhada coletiva.
-É bom saber... O que será que eu ganhei... É pesado! Será um bom sinal?
-Abre, abre, abre, abre... - Iniciou-se um coro entre todos.
-Calmaaaaa... Opa, opa, opa... Uau!
            Com os olhos brilhando, o Leonardo retirou de dentro daquela caixa uma garrafa de vinho. Garrafa de vinho? Mas que presente idiota, falta de imaginação! Isso era o que eu pensava, até saber que aquela bebida era uma das mais raras do mundo, custando quase cinco mil a mísera garrafinha.
            A troca de presentes continuou, um mais caro que o outro, e enquanto a brincadeira rolava, um Buffet de petiscos maravilhoso serviam aos participantes, além das bebidas requintadas que estavam à vontade.
            Vida de rico é muito boa. Pode comprar tudo que quer, comer das melhores comidas, viajar sem preocupações com o quanto gastar. Pena que eu não tive a sorte de nascer em uma família com posses, levando aquela vidinha de pobre, passando necessidades, humilhações. Como dizia o velho ditado: "Nenhum mal é tão ruim que dure para sempre", e eu que não viveria o resto dos dias na miséria, nem que para isso eu tivesse eu passar por cima de alguém.
            A confraternização durou até a uma da manhã. Todos satisfeitos com seus presentes, de barriga cheia, e ricos. Aquela brincadeira custou uma boa grana se somadas todas as "lembranças" trocadas entre os colegas de trabalho. O presente mais bonito na minha opinião foi uma pulseira de ouro branco com cristais, uma linda joia dada à uma das colegas de plantão do Leonardo pelo chefe da equipe deles, o Doutor Henrique.

            Realmente, a Talita tinha razão quando disse que a festa era boa, e eu, com minhas ideias idiotas, quase perdi uma baita "boca livre".




Próximo capítulo:   | Noite de Natal |
Dia 16/03


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