terça-feira, 22 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPÍTULO 18




  | O pedido sincero |
  
            Três semanas se passaram. Durante esse tempo, por insistência do Leonardo eu li alguns livros para poder fazer o vestibular e agradá-lo. Sua preocupação comigo às vezes chegava a comover-me, pois nem minha mãe cobrou-me tanto como ele.
            Deitado no sofá, folheava Dom Casmurro quando o telefone tocou:
-Clau?
-Oi mãe!
-Como cê tá?
-Bem e a senhora?
-Estou na mesma...
-A senhora me deixa preocupado falando assim.
-Não fique não...
-Quer que eu vá até ai ficar com a senhora?
-Não precisa, filho.
-Então vem passar alguns dias aqui comigo em São Paulo?
-Eu?
-É...
-Mas Clau... São Paulo é muito grande, tenho medo.
-Medo de quê?
-Não sei...
-Então pense e depois me dê a resposta.
-Tá bão.
-Mas pense com carinho.
-Sim.
-Tenho uma novidade pra te contar.
-Qual?
-Vou voltar a estudar.
-Quem bom, meu filho!
            Percebi que a notícia deixou-a emocionada, incentivando-me ainda mais para continuar meus estudos. O Leonardo havia incentivando-me a fazer um cursinho preparatório antes do vestibular, mas não vi necessidade. Embora eu não gostasse muito de estudar, sempre fui autodidata. Aprendi sozinho o nome de todas as capitais do Brasil, depois de ganhar um velho Atlas de uma velhinha na fila do posto de saúde. A partir de então, passei a ler vários livros e frequentar a biblioteca, até me perder com as más companhias.
            Depois que desliguei o telefone, mal dei um passo a frente para que tocasse novamente.
Inferno! Quem seria dessa vez?
-Alô?
-Acabei de ficar sabendo do descuido de vocês. - Disse a Talita ironizando.
-Do que você está falando, sua maluca?
-Hoje a Cláudia comentou sobre vocês dois dormindo abraçadinhos...
-Caraca! Mas já?
-Pois é, meu querido.
-E agora, o que você pensa em fazer?
-Já fiz. Adicionei no processo e já pedi pra intimarem ela como testemunha a meu favor...
-Tô vendo que esse processo é mais complicado do que eu pensava.
-Isso já não é problema seu.
-Você tem razão. Tchau.
Malcriada! Nem sei por que eu ainda lhe dava atenção. Pra falar a verdade, eu já não aguentava mais aquela palhaçada, e precisava dar um rumo em minha vida. Enquanto não encontrava nada melhor, teria que continuar aguentando aquela pistoleira, mas todas as humilhações que me fez passar não deixaria barato.
            Entrei no banheiro, e ainda de roupa banhei-me naquela água fria, tentando encontrar-me de algo perdido dentro de mim mesmo. Meu peito estava angustiado, apertado, como se eu estivesse submerso em uma profunda piscina, sem poder respirar nem gritar, apenas esperar para morrer, morrer lentamente, tomado por uma dor que só aumenta.
Com a toalha enrolada à cintura, deixei o banheiro, tremendo. Antes de a desenrolar, ouvi três toques à porta soarem, sinal que o Emerson fazia quando ia encontrar-me escondido em seus intervalos.
-Tudo bem? - Perguntou entrando em casa com o olhar desconfiado.
-Tudo sim e com você?
-Melhor agora.
            Agarrando-me, puxou minha toalha e tapou minha boca com um molhado beijo. O que antes pra mim era excitante, tornou-se normal, necessitando de algo diferenciado para me deixar com tesão, pois suas pegadas, cheiro e beijo já haviam caído na rotina.
            Com meu corpo todo nu, o prendi entre a parede, e em pouco tempo seu uniforme já se misturava ao carpete da sala, espalhados naqueles pequenos metros quadrados.
Sobre minha cama nos esfregávamos, porém, os pelos de suas pernas estavam incomodando-me. Percebendo que algo não me agradava, o Emerson interrompeu o que estávamos fazendo e perguntou ofegante:
-O que está havendo?
-Os pelos da sua perna estão me fazendo cócegas.
-Ué... Você nunca reclamou... - Respondeu tentando encontrar o problema que não existia.
-Mas agora eu estou reclamando.
            Levantando-se da cama, continuou falando:
-Você anda meio estranho... Frio...
-Impressão sua.
-Não, não é. Faz algum tempo que venho notado seu afastamento, cada vez mais longe... Antes, a gente trepava com muito mais vontade, você beijava minha boca diferente... Hoje não é mais assim...
-Você também mudou.
-Eu mudei?
-Sim... Você não morde mais minha orelha, nem meu pescoço como antes.
            Pegando sua calça do chão, o Emerson disse nervoso:
-Pois é... É porque eu nunca mordi sua orelha...
-O Leonardo morde minha orelha e chupa meu pescoço.
-Só que você esqueceu que eu não sou o Leonardo.
            Quando ele fez aquela observação, percebi que eu realmente estava cobrando dele algo que nunca havia recebido. Esperava do Emerson um comportamento que não era seu, o deixando constrangido por não corresponder aos meus estímulos como antes.
            Vestindo sua camisa, ele falou:
-Vou deixar você descansar sua cabeça um pouco... Espero que da próxima vez que nos encontrarmos, você se concentre apenas em nós dois.
            Ao sair, bateu a porta. Ainda sem roupa, encolhi-me à cama e fiquei pensando no que ele havia dito, o achando o cara mais chato do mundo. Embora eu recriminasse sua reação, sei reconhecer o quanto errei em cobrar uma atitude que não fazia parte do seu jeito de ser. Caramba! Se arrependimento matasse, eu já estaria morto.
            Vestindo apenas uma cueca, liguei a TV e fique assistindo ao jornal. No relógio do meu celular marcavam sete da noite, e três minutos depois ele tocou, ou melhor, vibrou como um louco.
-Alô?
-Boa noite! Por favor, poderia falar com o dono dos meus sonhos?
-Dono dos seus sonhos?
-Uhum...
-Acho que você ligou errado.
-Não liguei não... Sei que esse telefone é de um cara muito especial.
            Até aquele momento eu não havia reconhecido que era o Leonardo, pelo menos até ele colocar de fundo a música que marcou nosso primeiro beijo.
-Seu bobo! - Exclamei surpreso.
-Eu pensei que você já soubesse que eras o dono dos meus sonhos.
-Disso eu ainda não sabia.
-Mas agora já está sabendo.
-Sim, estou.
-Quero você pronto em vinte minutos.
-Para quê?
-É surpresa!
-Tá bom.
-Daqui a pouco estou passando ai pra te buscar.
-Beleza.
            Desliguei o telefone e fui vestir uma roupa. Levei mais de dez minutos para decidir o que iria usar, pois sair com o Leonardo exigia um pouco de sofisticação, pelos lugares que gostava e costumava frequentar.
            Foram vinte minutos cravados que se passaram, e o telefone voltou a tocar.
-Já está pronto?
-Sim, estou. - Respondi calçando o tênis.
-Então desce que estou aqui embaixo lhe esperando.
-Tá.
            Sua pontualidade às vezes chegava a me irritar, mas naquele dia eu estava de bom humor, mesmo tendo o pequeno desentendimento com o Emerson.
            Abri à porta do carro. Entrei desconfiado, esperando coisas boas e ruins, pois quem não deve não teme, assim dizia minha mãe.
-Boa noite! - Exclamou o Leonardo colocando um CD pra tocar.
-Boa noite. - Respondi dando-lhe um selinho.
-Pensei que você não viria mais.
-Exagerado! Desci assim que você me ligou...
            Olhando fixamente pra mim, o Leonardo falou esboçando um leve sorriso:
-Adoro ver você com cara de bravo, sabia?
-Cuidado, hein... Não provoca muito que eu fico bravo.
-E eu adoro!
            Começamos a nos beijar. A rua estava deserta, pouco movimento. Os vidros escuros garantiam nossa privacidade, enquanto nos curtíamos sem nos preocupar com o passar do tempo, tornando eterno cada troca de caricia, mordida, abraço.
            Pegando em minha mão o Leonardo espirou através do para-brisa e exclamou olhando pro céu:
-Veja que luar bonito!
-Já vi... Está bonito mesmo.
            Nesse momento passou uma estrela cadente. Era linda! Apontei para ela e falei:
-Veja... Uma estrela cadente!
-Faça um pedido pra ela...
-Um pedido?
-É... Faça um desejo que, segundo antigas crenças, eles se realizam.
-Tá.
            Fechamos os olhos e, em silêncio, cada um fez o seu. Eu nunca acreditei nessas idiotices, pois quando era criança, pedi uma vez para nunca mais passar forme na vida, no entanto, passei por dificuldades posteriores, prova de que não deu certo.
            Curioso, o Leonardo quis saber:
-E ai... O que você pediu?
-Não vou dizer... É segredo!
-Então tá...
            Dando-lhe um abraço, perguntei falando em seu ouvido:
-E você... O que pediu?... Se não quiser falar não tem problema.
-Não sou um homem de segredos.
            Aquela resposta foi praticamente um tapa na cara, mas claro que com toda elegância da qual o Leonardo raramente deixava de usar.
-Eu pedi para que você me ame tanto quanto eu te amo. - Respondeu com as mais sinceras e doces palavras.
-Que lindo!
            Coitado! Se ele soubesse que eu só estava esperando receber o restante da grana combinada para cair fora e sumir pra sempre, certamente teria feito outro pedido. Por um momento senti-me o cara mais sujo do mundo, indigno de tudo que estava acontecendo. Afinal, eu não era de todo ruim.
            Curioso, quis saber:
-Para onde você vai me levar?
-É segredo.
-Não gosto muito de surpresas.
-Mas dessa você vai gostar, tenho certeza.
Confesso que já entrei no carro morto de curiosidade. Todas às vezes que recebi uma surpresa, foram coisas ruins, como a morte do meu pai, por exemplo. Não sei dizer o motivo, mas estava sentindo-me estranho, angustiado, com vontade de chorar. Pensava em minha mãe, em dinheiro, lembranças do meu pai. Tudo vinha ao mesmo tempo mexendo com meu emocional, mas claro, eu não deveria me abalar.
Naquela noite o Leonardo estava todo perfumado, olhar enigmático, cheio de mistérios. No banco de trás do carro havia uma mala, aparentemente lotada de coisa devido ao grande volume.
            Enquanto estávamos parados no semáforo, perguntei curioso:
-Você vai viajar?
-Não. Por quê?
-Então por que aquela mala enorme?
-Ah! Faz parte da surpresa. - Respondeu com um leve sorriso safado.
Caramba! Que surpresa era aquela que ele não revelava nem por decreto? Se fosse alguma coisa ligada ao financeiro eu iria adorar, claro, pois dinheiro nunca era demais.
            Finalmente parte do enigma começou a ser revelado quando entramos em um luxuoso motel. Delícia! Comecei a empolgar-me. Nunca tinha visto antes tanta sofisticação em um ambiente como aquele.
            Paramos na recepção. Enquanto ele pedia a suíte, eu observava o ambiente. E que ambiente! Logo na entrada havia uma cachoeira enorme, que descia sobre pedras e arbustos. A iluminação contribuía ainda mais para incrementar o cenário, nos dando prazer aos olhos.
-Um motel? - Questionei maravilhado.
-Uhum... - Murmurou o Leonardo acelerando o veículo após cruzarmos à recepção.
-Caraca!          
Por fora o lugar era espetacular, parecia um castelo medieval de verdade. O corredor por onde passavam os carros era de pedras e com enormes estátuas que desenhavam um antigo território de batalhas.
Acionando o fechamento do portão eletrônico, o Leonardo subiu à escada em direção à suíte, carregando aquela enorme mala e dizendo:
-Conta no seu relógio cinco minutos, depois você sobe e toque no interruptor, mas não acenda a luz.
            Sem entender, questionei:
-Pra quê?
-Não faça muitas perguntas. Siga apenas minhas orientações.
-Tudo bem. “Só espero que isso valha realmente a pena.” - Pensei.
Cinco minutos se passaram. Subi à escada como ele havia pedido e entrei no quarto. O ambiente estava parcialmente escuro, deliciosamente perfumado.
            Abri à porta e toquei o interruptor. Lá havia um bilhete, e nele estava escrito:

Deite na cama e abra a gaveta do criado mudo.

            Inicialmente achei engraçado, mas contive meu humor e fiz o que lá pedia. Deitei-me à cama e abri a gaveta, onde encontrei outro bilhete que dizia:

Aperte o botão do painel escrito DISCO, e depois aperte o PLAY do CD player.

Procurei no painel pelos botões que o bilhete indicava e o apertei. Nesse momento luzes começaram a piscar e uma agitada música tocava. Que coisa linda! De frente para a escada, avistei um belo e delicioso marinheiro descendo aqueles degraus e seguindo em minha direção.
A suíte possuía dois andares. No superior, uma enorme cama dividia uma bela decoração com um pequeno palco, que fazia parte da discoteca particular. Além de desenhos temáticos nos espelhos, uma linda e grande banheira dava um toque a mais, com uma cascata feita de pedras que começava do teto e ia até o chão.
De óculos escuros e uma algema na mão, o Leonardo caminhou até mim e prendeu-me à cama. Uau, que tesão! Aquela surpresa era muito melhor e mais excitante do que eu pensava, revelando-se um verdadeiro profissional na arte do amor.
            Deixando escapar um sorriso de canto, questionei:
-O que você está fazendo?
Sussurrando ao meu ouvido, respondeu:
-Amor!
            Nossa! Quase derreti naqueles lençóis quando ouvi aquela declaração. Deitado, conseguia mover meu corpo, porém, as mãos estavam limitadas parcialmente por conta das algemas. Eu estava adorando tudo aquilo, deixando-me louco de desejo.
            Enquanto flash's e luzes eram lançados sobre aquele pequeno palco, o Leonardo dançava para mim, da forma mais linda e sensual que alguém pode mostrar. Que loucura! Comecei a suar. O jeito com que ele mexia o quadril era perfeito, arrancando suspiro de qualquer um que gostasse de homens bonitos e charmosos. Resistir foi difícil, aliás, era quase impossível, se não fossem as mãos presas à cama.
No auge da música o Leonardo tirou sua camisa, jogando-a sobre mim. Caralho! Excitado era pouco. Meu pau estava latejando, duro como rocha. Foi difícil segurar. Com movimentos pélvicos ele agredia minha imaginação com tanto tesão. Sua pegada forte apertou minhas pernas, desabotoando minha calça e fazendo-a deslizar com um rústico movimento.
            O volume em minha cueca não negava meu desejo. Esfregando seu corpo ao meu, o Leonardo continuava dançando, pirando minha cabeça. Sinceramente eu não sabia que ele tinha esse outro lado fantasioso e gostoso, fazendo-me ficar ligadão, subindo pelas paredes.
Estralando de tesão, disse a ele:
-Não sabia que você dançava tão gostoso assim...
-Há muitas coisas sobre mim que você não conhece...
-E como faço pra conhecer?
-Eu vou te mostrar...
Nesse momento o Leonardo tirou minha cueca, deixando-me apenas de camiseta. Caraca, que demais! Começamos a nos beijar, como se fosse a primeira vez, tamanha sede de explorar sua boca. Parecíamos dois adolescentes se descobrindo, explorando cada canto em que nossas bocas, pernas e braços nos permitissem.
Já de corpos nus, colados, suados, nos beijávamos sem parar. O que eu senti naquele momento jamais havia sentido. Foi uma sensação inexplicável, indescritível, mas que levou-me ao céu. Meu coração acelerou, pensei que iria enfartar.
Após livrar-me das algemas, fizemos amor gostoso, sexo romântico, mas com uma pitada de safadeza. Aquela noite superou todas e qualquer outras que já tivemos antes. Qualquer palavra que eu tentasse encontrar para comparar seria pouco, perto da satisfação e realização que senti.
            Deitados à cama ficamos nos curtindo, juntinhos trocando carícias. Abraçando-me por trás, o Leonardo acariciava meu braço e cabelo, enquanto conversávamos sobre experiências passadas:
-Claus... Esse nome é russo, alemão?
-Não, é um erro mesmo.
-Erro?
-É... Na verdade meu nome era pra ser Cláudio, mas meu pai quando foi me registrar estava bêbado e não soube pronunciar Cláudio, ai a mulher do cartório registrou conforme entendeu.
-Hahaha... Não acredito!
-Nem minha mãe acreditou... Eles ficaram quase seis meses sem se falar por isso, mas vendo que não tinha mais jeito, minha mãe resolveu deixar pra lá...
            Abraçando-me mais forte, perguntou após um suspiro:
-Você já amou alguém, Claus?
-Eu?
-É...
-Bem... Pra não dizer que não, eu já me apaixonei uma vez sim... Mas não foi bom.
-Por quê?
-Não fui correspondido... Eu tinha dezesseis anos e ela quinze. Conhecemo-nos na escola, na aula de educação física... Começamos a namorar, e a paixão foi surgindo... Sonhava com ela quase todas às noites, namorávamos no portão da casa dela, era muito bom...
-Que legal!
-É... Nossa primeira vez foi no sítio dos pais dela... Estávamos conversando deitados na rede da varanda, e surgiu uma troca de olhares tão profunda entre nós que não conseguimos segurar. Fugimos para o estábulo e... Fizemos.
-Uau!
-Foi lindo, perfeito!
-Sua primeira vez?
-Não, mas a dela foi...
-E por que não deu certo?
-Porque ela foi embora com um cara...
-Embora?
-É. Fugiu de casa com ele, deixando um bilhete dizendo que estava totalmente apaixonada.
-Putz! Deve ter sido muito duro pra você.
-Realmente, foi muito ruim. Mas nada como o tempo pra nos fazer superar tudo...
-Você tem razão.
Pela primeira vez tivemos uma conversa sincera, onde abri parte da minha vida cujo nunca havia feito antes a ninguém. Senti-me aliviado, possuído por uma força jamais sentida antes. Era uma sensação diferente, não sei explicar, só sei dizer que sentir era muito bom.
-Minha primeira paixão foi a Talita.
-A mãe dos seus filhos?
-Uhum... Conhecemo-nos em uma festa de réveillon... Era a mulher mais linda da festa, olhar tímido, voz doce... Namoramos por dois anos e depois nos casamos. A cerimônia parecia um conto de fadas, mais de trezentos convidados...
-Que da hora!
-Passamos nossa lua de mel em Ilhéus, e quando voltamos, recebi a noticia de que ela estava grávida da Giovana... Me lembro até hoje daquele dia, o dia mais feliz da minha vida.
-Imagino...
-Quando a Giovana tinha três anos, a Talita engravidou do Artur... Mas dessa vez ela fez de propósito.
-Por quê?
-Porque nosso casamento não ia muito bem... Estávamos cogitando em nos separar, mas pra tentar me segurar um pouco mais, ela não encontrou outra forma.
-Que burra! Mas por que vocês estavam querendo se separar?
-Somente eu queria, ela não... Com a convivência, fui conhecendo da Talita um outro lado que ela não mostrou ter enquanto namorávamos...
            Segundo alguns especialistas, a insatisfação com o casamento é proporcional ao tempo de existência da relação, aparentemente não sendo um estado transitório a infelicidade. Conforme aumenta a duração do casamento, o descontentamento matrimonial tende a aumentar. Experiências clínicas têm mostrado que os dois primeiros anos que sucedem à separação é o período mais crítico.
            Diversos fatores podem contribuir para o fim do vínculo conjugal, e os mais frequentes são as diferenças de filosofias, valores, personalidades; além de problemas de comunicação, expectativas não atendidas, frustrações sexuais, diminuição da cumplicidade.
Os sentimentos negativos encontrados com maior frequência são: tristeza, isolamento, ansiedade, solidão, insegurança, culpa, medo entre outros. Há aqueles que se decepcionam por criar expectativas irrealistas sobre casamento, acúmulo de raiva com relação e atitudes do outro, esperança que algo de ruim um dia mude.
-O que você não gostou?... - Perguntei alisando seu peito.
-Ciúme obsessivo... Teve uma vez que ela invadiu meu escritório com ciúme de uma paciente.
-Fazendo escândalo?
-Quase armou um barraco, querendo quebrar tudo.
-Nossa!
-E quando ela descobriu que eu já tinha ficado com homem na minha adolescência, ai começaram os tormentos, querendo transformar minha vida num verdadeiro inferno.
-Mas por quê?
-Ela disse que eu a enganei, mas não é verdade. Não vi necessidade de contar isso porque fez parte do meu passado...
-Entendo.
            Aceitar a separação como algo definitivo é encarado com dificuldade tanto para os pais quanto para os filhos. Hoje em dia é menos doloroso ajustar-se à separação, pois nossa cultura vem tornando-se cada vez mais liberal e aceitando a dissolução conjugal, tendo a família de apenas um pai ou uma mãe.
            Não havendo mais acordo sobre a forma de educar os filhos nem a estrutura familiar, o mínimo acontecimento, por mais irrelevante que seja, pode tornar-se motivo de brigas.
            Um indício de que o casamento chegou ao fim é a infidelidade, pois mostra um estado de incerteza e insatisfação com relação ao outro. Quando a consciência da situação precária se torna mais visível, ambos começam a questionar o sentido de prolongar uma relação fundamentada em bases tão vulneráveis.
            Apertando-me um pouco mais, o Leonardo continuou:
-Pelo tempo em que ficamos casados sempre a respeitei, mas ela não se conforma, acha que foi trocada por um homem.
-Você nunca traiu ela?
-Nunca! Se eu a escolhi para fazer parte da minha vida, é porque somente ela me bastava.
-Que caráter!
-Assim como você me basta. - Disse abraçando-me mais forte.
-Vocês não possuem uma relação amistosa então?
-Não que eu não queira, mas sim porque ela declarou guerra contra mim e está nessa sozinha, porque eu não vou retribuir com suas picuinhas. Às vezes eu tento dialogar com ela, mas simplesmente pelos nossos filhos. A única coisa que eu quero, é a guarda das crianças.
-Mas por que você não os deixa com ela? É a mãe deles...
-A Talita é uma péssima mãe. Se não é a babá pra cuidar deles durante a semana, meus filhos ficariam largados.
-Que horror!
-Ela não liga pras crianças, nunca teve paciência para elas.
-Então por que ela quer a guarda deles?
-Porque sabe que meus filhos são o que eu mais amo nessa vida, e para se vingar, ela é capaz de qualquer coisa...
-Nossa!
A Talita não havia me contato esse detalhe, que por sinal, faziam muita diferença. Logo percebi que algo de errado havia, pois eu não conseguia encontrar no Leonardo aquele crápula que ela insistia em pintar.
            Acariciando seu braço, perguntei:
-Por que você proporcionou essa noite justo hoje?
-Porque hoje é uma data especial pra mim.
-Ah é?
-Sim... Mesmo você não lembrando, é como se eu tivesse te conhecido ontem, e hoje já fazem quatro meses que estamos namorando.
            Que mancada! Como poderia ter me esquecido da nossa data de namoro? Situações desse tipo não poderiam acontecer mais, porque colocavam a relação em risco, mesmo o Leonardo sendo um cara pacífico e tranquilo, a rotina pode levar uma relação ao cansaço.
            Mesmo dando mancada, nossa noite não deixou de ser perfeita. Posso dizer que, aquela noite foi a melhor noite que já tive na vida, e será lembrada pra sempre.




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Dia 23/03



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