quarta-feira, 2 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE: CAPÍTULOS 1 E 2




| O dinheiro da pensão |

O ser humano é o único animal que se corrompe por dinheiro. Não sabem o mal que fazem a si mesmos, e eu não ficava fora disso. Dizem que a felicidade aparece para nós quando menos se espera, sei que é verdade, e posso provar que acontece.
Sentado à beira da cama, eu olhava pela janela enquanto pensava no que faria da minha vida. Fazia apenas dois meses que havia chego a São Paulo, deixando minha mãe doente em Juiz de Fora, cidade onde nasci e cresci. Em busca de trabalho, não sabia a dimensão da dificuldade de se viver em uma cidade tão grande e exigente como essa, oferecendo poucas oportunidades às pessoas que não possuem nível intermediário de estudo.
No Brasil, a região metropolitana de São Paulo passou por grandes mudanças demográficas e socioeconômicas nos últimos 25 anos, sofrendo muitas transformações, entre elas a forte interrupção de seu crescimento populacional. Além disso, seguiu a tendência nacional no aumento da pobreza e deterioração nas condições materiais de vida, problemas habitacionais e de infraestrutura.
A região ainda é a principal porta de entrada dos migrantes que se dirigem ao estado em busca de oportunidade, competindo também com outras cidades do interior paulista. Há uma nova característica com relação ao crescimento de sua emigração, marcado pelo retorno das pessoas para suas cidades de origem.
Nunca fui um filho exemplar, pelo contrário, entre os seis irmãos eu era o único “vida torta”. Terminei meus estudos do ensino médio, e nunca havia trabalhado. Fiz amizades com pessoas de má índole, usei drogas, educação totalmente oposta a que recebi.
Perdi meu pai aos meus sete anos de idade. No começo foi difícil aceitar a perca de uma das pessoas que mais amava na vida, acredito que até hoje eu ainda não tenha me recuperado desse trauma, podendo ser esse o motivo de tanta amargura e maldade em meu coração.
O dinheiro que eu havia juntando estava acabando. Existem certos momentos em nossas vidas que somos obrigados a fazer escolhas difíceis, e naquele instante eu teria que optar entre pagar a quinzena da pensão onde eu estava, ou comer.
A riqueza e promessa de vida próspera começou a despertar interesse no restante dos brasileiros, principalmente naqueles que habitavam em cidades muito pobres. Em busca de melhores oportunidades, milhares de pessoas de todos os cantos do país chegaram a São Paulo com um sonho, o de progredir, mas logo se tornava pesadelo quando se deparava com uma metrópole agitada, moderna, e cada vez mais populosa.
Porta de entrada da tecnologia no país e responsável por metade do PIB nacional, São Paulo teve seu mercado de trabalho renovado, onde a mão de obra foi perdendo espaço para as máquinas, exigindo mais intelecto ao invés de mão de obra, principalmente a partir da segunda década do século XX com a industrialização.
Sem trabalho, muitas pessoas que não se preocuparam em se atualizar, assim como eu, viram-se nas estatísticas do desemprego do país, ficando impedidos de voltarem para suas cidades de origem devido à falta de condições financeiras. Essa situação começou a refletir na paisagem da cidade, tornando-a cada vez mais populosa, aumentando o número de favelas, moradores de rua, desigualdade social, afetando até o desequilibro ecológico, contribuindo para o aumento da poluição de córregos, desestruturação familiar, crescimento desenfreado da violência urbana.
Ainda hoje, muitos brasileiros sonham em viver em São Paulo, na esperança de conquistar uma oportunidade de viver melhor, e acabam investindo tudo que possuem na realização desse sonho.
A cidade não comporta mais tanta gente, que a maltrata e ignora as belezas que têm a oferecer, a história, a locomotiva do Brasil.
Submerso em meus pensamentos permaneci, até ser interrompido pela Marcelina, dona da quitinete onde eu estava hospedado desde que cheguei à cidade:
-Claus? Posso entrar?
-Sim, entre.
Enxugando suas mãos em um pano branco, disse:
-Com licença... Só vim avisar que amanhã passarei recolhendo a quinzena...
Levantei-me da cama. Apoiei a mão esquerda à parede e comentei:
-Mas que eu me lembre, já deixei pago até a semana que vem, dona Marcelina.
-Eu sei, meu querido... É que costumo cobrar adiantado.
-A senhora vai ter que esperar, porque por enquanto não tenho como lhe pagar adiantado.
-Espero que você consiga o dinheiro até domingo, se não terá que deixar a pensão.
-Domingo? Mas hoje já é sexta...
-Sinto muito...
-Vou ver o que posso fazer.
-Tudo bem. Com licença...
Eu havia andado durante o dia inteiro procurando emprego. Embaixo de sol eu misturava-me aos desempregados no Centro, sentindo fome e sede. Meu almoço daquele dia resumiu-se em um pequeno sanduíche e um copo de suco, rodeado de pombos beliscando farelos dos pães que caiam pelo chão.
Peguei minha toalha e fui tomar um banho. Enquanto a água caia sobre minha cabeça, tentava encontrar uma maneira de conseguir dinheiro, caso contrário já teria que começar a acostumar-me com a ideia de dormir na rua.
            Ainda com o corpo pingando, vesti apenas uma toalha envolta da cintura e voltei para o quarto. No caminho cruzei com o Rubens, companheiro de quarto que saia para trabalhar naquele momento. Cumprimentamo-nos rapidamente, fechando a porta logo em seguida. Deitei um pouco na cama, e olhando para o teto fiquei pensando em que faria da minha vida. Com minha mãe doente e sem poder contar muito com a ajuda dos meus irmãos, a preocupação triplicava.
Antes que me afundasse completamente na angústia e cometer alguma besteira, um telefone celular começou a tocar. Levantei-me e segui o ruído que vinha das coisas do Rubens.
Sem jeito, acabei atendendo:
-Alô?
-Oi... Quem está falando?
-Aqui é o Claus, colega de quarto do Rubens...
-Nossa... Já estava pensando que tinha discado o número errado. Cadê o Rubão?
-Ele acabou de sair para trabalhar...
-Caramba! Eu precisava tanto falar com ele...
-Espera um pouco que vou dar uma corrida até o final da rua, ele acabou de sair... Acho que ainda consigo alcançar...
-Ai... Ficarei muito grata se você fizer isso por mim...
-Dá um tempinho aê. Liga daqui cinco minuto, beleza?
-Está bem... Obrigada!
Desliguei o telefone. Vesti a primeira calça que encontrei pela frente, calcei um tênis e sai à procura do Rubens pelo Centro da cidade. Já passava das dez da noite. As ruas estavam um pouco desertas, e o vento úmido fazia com que meus pelos do peito se arrepiassem, pois eu havia saído sem camisa.
Corri por dois quarteirões procurando por ele, mas nem sinal do cara. Seu celular tocou novamente, e com a respiração ofegante, atendi:
-Alô?
-Oi... Conseguiu encontrá-lo?
-Não.
-Sem problemas, eu ligo no serviço dele mais tarde...
-Tudo bem.
-Obrigada!
            Desliguei o telefone. Parado na esquina eu aguardava o semáforo fechar para que eu pudesse atravessar. O vento gelado fazia-me tremer, bater os queixos. Não que a noite estivesse exageradamente fria, pois dava pra sair tranquilamente vestindo apenas uma camiseta, porém, eu havia acabado de tomar banho quente, talvez fosse esse o motivo que me deixava tremer tanto.
            Antes que eu atravessasse a rua, fui bloqueado por um luxuoso carro que parou sobre a faixa de pedestre. Fiquei curioso, ao mesmo tempo apreensivo. Não sabia o que poderia sair de dentro daquele veículo de vidros escuros.
            Pouco a pouco o motorista foi se revelando em uma figura feminina. De início estranhei o que aquela moça fazia parada sobre a faixa de pedestres atrapalhando minha passagem, mas como eu era novo na cidade, achei que fosse um hábito regional.
            Esboçando um leve sorriso, ela exclamou:
-Boa noite!
-Boa noite! - Respondi empolgado.
-Podemos conversar?
-Claro.
            Aproximei-me de seu carro questionando:
-Precisa de ajuda?
-Sim... Qual seu nome?
-Claus.
-Hum... Bonito nome!
-Obrigado!
-Seu sotaque revela que você não é de São Paulo... - Comentou com um leve sorriso estampado a face.
-Eu sou de Juiz de Fora.
Modéstia à parte eu era um cara esperto, vivido, e logo percebi que havia segundas intenções quando ela começou acariciar minha barriga. Não demorou muito para que algo em mim se animasse.
Aproximei-me ainda mais para que continuasse a me tocar. Debruçando-me sobre sua janela, falei sorrindo:
-Ah... Eu já estou entendendo o que ocê tá querendo...
            O vestido vermelho que ela usava permitia que seu lindo par de pernas ficassem à mostra, chamando-me atenção. Mulher perfumada aparentava ter muita grana, tudo que eu precisava naquele momento.
            Destravando a porta do carro, ela falou:
-Gostaria de conversar mais com você... Entre aqui para ficarmos mais à vontade?
-Bem, eu...
-Entre no carro e vamos dar uma volta.
-Tudo bem, mas por meia hora apenas.
-Não se preocupe, eu pago por duas horas.
Dei meia volta por trás do automóvel, olhei de um lado para o outro e entrei logo em seguida. Vários questionamentos intrigavam-me. Afinal, o que uma mulher tão fina iria querer comigo? O que procurava naquela região?
Após subir os vidros ela acionou as travas. Arrancando com o carro ela disse:
-Vamos para um lugar mais calmo onde a gente possa conversar mais à vontade...
-Tudo bem.
-Qual sua idade, Claus?
-Eu tenho 19 anos, e ocê?
-Eu tenho 34.
-Nossa! - Exclamei espantado.
-O que houve?
-Não parece...
-Hahaha... Está querendo me agradar?
-É sério... Ocê não aparenta ter mais que 25 anos...
-Obrigada!... Você é muito bonito, Claus.
-Obrigado! Qual seu nome?
-Talita.
-Prazer, Talita!
A Talita era uma mulher muito bonita. Pele clara, cabelos castanhos escuros, lisos e repicados até um pouco abaixo do ombro. Voz suave, ainda de menina, e apesar disso demonstrava ser dona de uma personalidade forte, autoritária.

Enquanto conversávamos, notei que se tratava de uma pessoa muito inteligente, viajada, independente, uma típica mulher moderna. No início fiquei um pouco sem jeito devido aos trajes que vestia no momento, mas o papo fluía tão bem que não demorou muito para que eu ficasse a vontade.




  | Pobre mulher rica |
  
Seguimos pelas ruas da cidade que estavam um pouco mais movimentadas, até pararmos em um motel. Fiquei na minha, observando até onde a Talita seria capaz de chegar. Provavelmente ela estaria pensando que eu fosse um michê, pois parado em uma esquina, sem camisa, e na região onde eu estava, não poderia ser coisa muito diferente.
Ao entrarmos no quarto, tentei logo esclarecer as coisas, para que não se sentisse enganada:
-Olha, Talita...
-Tudo bem, eu já sei que o pagamento tem que ser adiantado... - Disse interrompendo-me.
-Pagamento?
-Aqui está.
Quando a vi retirar de sua carteira um bolo de notas de cinquenta, achei melhor calar minha boca. Se ela estava a fim de me pagar por uma trepada, eu não seria idiota de recusar a grana estando na situação em que me encontrava, e gostosa como ela aparentava ser, seria um enorme prazer.
Entregando-me o dinheiro ela perguntou:
-Isso é o bastante?
Aquela quantia era suficiente para eu ficar na cidade por mais uns dois meses sem precisar trabalhar, dispondo de recurso para enviar à minha mãe, e assim podendo ela comprar seus remédios necessários para o tratamento.
Colocando sua carteira de volta à bolsa, a Talita frisou:
-Bem... Eu não te trouxe aqui para transar.
-Não?
-Não.
-Uai... Para que trouxe então?
-Para conversarmos...
-Por que não fomos para uma lanchonete?
-Não quero que ninguém conhecido nos veja juntos.
-E por quê?
-Bem, vou direto ao assunto...
            Sentei-me à cama.
-Trouxe você aqui para tratar de negócios.
-Negócios? Mas eu não sou nenhum empresário...
-Ai, Claus...
            Apoiando-se à janela ela começou a chorar. Fiquei sem saber o que fazer, pois não resistia ver uma mulher chorando. Provavelmente algo de grave estava acontecendo, e claro que se eu pudesse fazer qualquer coisa para ajudar, não hesitaria.
            Sensibilizado, aproximei-me dela. Tocando em seus cabelos, questionei:
-O que está acontecendo?
            Encostando sua cabeça em meu peito, ela questionou:
-Pode me dar um abraço?
-Claro!
-Desculpe, Claus... Não consegui resistir...
-Quer me contar o que está acontecendo?
            Limpando suas lágrimas, ela caminhou em direção à cama.
-Eu estou separada do meu marido há um ano...
-Sei...
-E estou passando por um momento muito difícil, que é a briga na justiça pela guarda de nossos filhos...
-Seu marido quer tirar eles docê?
-Sim... Eu os amo muito, não posso perder meus filhos, assim...
-Mas ocê acha que ele conseguirá?
-Certamente que sim... O Leonardo é um homem influente, médico conceituado...
            Abraçando-me ao travesseiro, questionei:
-E ocê trabalha com o quê?
-Sou formada em Nutrição... Tenho uma clínica de estética.
-Então ocê tem uma vida confortável.
-Nada adianta ter dinheiro sem meus filhos... Não quero perdê-los...
            Fiquei sensibilizado. Levantei-me à cama e disse:
-Bem, se eu pudesse te ajudar, até...
            Aproximando-se de mim, ela interrompeu:
-Você pode ajudar!
-Como?
-Pouco tempo depois que nos separamos, eu... Descobri que o Leonardo é gay...
-E?
-Se eu conseguir juntar provas de que seu estilo de vida é imoral, certamente ganharei a guarda das crianças. - Falou colocando seu cabelo pra atrás da orelha.
-Sei... E como eu posso ajudar?
-Seduzindo o Leonardo.
            Caminhando em direção à janela, questionei:
-O quê? Está louca?
-Calma...
-Eu não sou viado. - Respondi irritado.
-Não falei que você é viado, mas achei que pudesse contratá-lo para me ajudar...
            Novamente ela começou a chorar.
-Talita, pare com isso...
-Ai Claus... Uma mãe sem seus filhos é como um peixe fora d'água... Estou disposta a pagar o que for preciso para alguém me ajudar a tê-los comigo, mas já que você não pode...
-Espera!...
            Quando ela falou em dinheiro, o assunto começou a me interessar. Passando a mão em seu cabelo, perguntei:
-Explique melhor esse plano que ocê tem em mente?
-Você vai me ajudar? - Perguntou exibindo um sorriso espontâneo.
-Depende... Se o capital me interessar... - Falei jogando-me à cama.
-Eu só preciso provar que ele é uma pessoa irresponsável. Mas não posso fazer isso sozinha, preciso da ajuda de alguém...
-Mas ele é irresponsável?
-Não... O Leonardo é correto demais com suas coisas.
-Então? Como acha que poderei te ajudar?
-Pensei que você fosse um pouco mais inteligente. - Disse a Talita após um profundo suspiro seguindo em direção ao banheiro.
-E ocê acha que seduzindo seu ex, isso será mais fácil?
-Claro!... O Leonardo quando está apaixonado se entrega por completo, irá comer nas suas mãos...
-Bem... Podemos negociar então.
            Voltando ao quarto, questionou entusiasmada:
-Jura que você irá me ajudar?
-Isso vai depender da proposta que ocê me ofertar...
-Então bote seu preço.
-Atualmente estou morando em uma pensão muito furreca... Se eu tivesse grana para bancar um lugar melhor, seria bom...
-Posso te alojar em um flat.
-Hum... Legal!... Eu preciso me manter em São Paulo, cheguei faz pouco tempo e não conheço muita coisa, não fiz faculdade... Além disso, minha mãe está passando por algumas dificuldades, portadora de uma doença quê...
-Quanto ela precisa?
-Bem... Seus remédios são caros...
-Dois mil reais por mês está bom para você?
-Mais o aluguel do flat pago?
-Sim.
-Fechado!
            Eu estava adorando a ideia de ganhar aquele dinheiro fácil. De início até fiquei com um pouco de dó do cara, mas não estava nem ai, o importante era que eu iria me dar bem e poder ajudar minha mãe.
Pegando sua bolsa, a Talita caminhou em direção à porta dizendo:
-Ótimo! A partir de agora seremos sócios.
-E como faremos?
-Não se preocupe, entrarei em contato com você.
Após anotar o número do meu celular, deixamos o motel. Saí com o sorriso de orelha a orelha, tamanha felicidade com meu novo “trampo”. Várias coisas começaram a passar pela minha cabeça, muitos planos para o futuro, enfim, sonhei acordado.
No caminho de volta, ao pararmos no semáforo da Consolação ela jogou o cabelo para trás, tirou um pacote de dentro do porta-luvas e entregou-me dizendo:
-Pegue!
-Que trem é esse?
Passando a língua levemente sobre os lábios, respondeu:
-Fotos.
-Que são fotos eu sei, já deu para reparar.
Em meio a alguns papéis, eis que caiu sobre meu colo o retrato de um homem, aparentemente feliz. Sorriso espontâneo, saindo da piscina com um charme admirável.
Acionando a seta para à direita, a Talita falou:
-Esse é meu ex-marido Leonardo.
-Boa pinta ele!
-Lindo! Mas não se iluda, meu querido... Ele pode ser um homem bonito, mas não vale nada.
-Quantos anos ele tem? - Questionei vasculhando outras fotos.
-42.
-Uau!... Não parece ter mais que 30.
-Realmente, nos cuidamos muito.
Ao pararmos em frente ao prédio, nos despedimos com um beijo na boca, iniciado pela Talita, claro. Desci do carro e segui pela calçada, feliz da vida. Chegando em casa fechei à porta do quarto. Coloquei o envelope embaixo do travesseiro. Deixei o telefone celular do Rubens no mesmo lugar onde ele havia esquecido, em seguida fui dormir.
Às vezes fico pensando em como nossas vidas podem mudar de uma hora para outra. Quando achei que voltaria para minha terra mais pobre do que cheguei, o destino colocou-me em um outro caminho, dando-me a oportunidade que eu buscava.
No outro dia acordei com o Rubens entrando no quarto. Esfregando os olhos, levantei dizendo:
-Rubens...
-Bom dia!
-Bom dia! Ontem à noite sua namorada ligou e...
-Ah sim! Eu já estou sabendo... Lembrei que havia esquecido o telefone quando já estava no metrô.
-Deixei ele no mesmo lugar que encontrei.
-Valeu, cara!
-Não foi nada...
-Ah!... Entreguei seu currículo lá na gráfica. Eles disseram que no momento não estão pegando ninguém, mas quando aparecer uma oportunidade...
-Não esquenta.
Após vestir uma bermuda e uma camiseta, deixei a pensão e fui tomar meu café da manhã na padaria, pois as refeições servidas pela Marcelina eram caras, além de ruins.
Dava a primeira mordida no pão com manteiga, quando meu celular começou a tocar:
-Alô!
-Claus?
-Sim.
-É Talita...
-Bom dia, gata!... A que devo a honra?
-Quero que junte logo suas tranqueiras. Arrumei um lugar pra você ficar.
-Sério?
-Sim. Passo pra te buscar no horário do almoço.
-Certo. Onde?
-Em frente ao Copam.
-Meio dia?
-Não. Às onze. Vou tirar meu horário de almoço mais cedo.
-Perfeito!
-Até mais.
-Até.
Terminei de tomar meu café e passei em uma lotérica na Praça da República pra carregar meu celular. Para um sábado, até que a cidade estava bem cheia, principalmente a feirinha que acontece todo final de semana na praça.
Voltei para a pensão. Deitado em sua cama estava o Rubens, que ao ver-me arrumar minhas coisas, questionou:
-Está indo embora, cara?
-Graças a Deus!
-E vai pra onde?
-Para um lugar bem melhor que aqui, com certeza.
-Bom...
-Não vou esperar vencer minha quinzena.
-Pede uma parte de volta.
-Ah... Deixa pra lá...
-Se bem que cinquenta reais não dá pra nada.
-Que cinquenta?
-O valor da quinzena, ué.
-Uai... Eu paguei cento e vinte.
-Caraca!... Aqui os rapazes pagam cinquenta reais quinzenal...
Nesse momento a Marcelina entrou no quarto perguntando:
-Aonde você vai, Claus?
-Estou indo embora dessa espelunca. O dinheiro que eu já te dei, fica como pagamento do mês todo.
-Mas você só deixou pago por quinze dias.
-Não seja ordinária, velha trambiqueira... Sei muito bem que você me levou no bico, seu fóssil ambulante.
Deitado em sua cama, o Rubens tentava disfarçar sua risada.
-Você me respeite!... - Disse a Marcelina esbugalhando os olhos.
-Sei muito bem que ocê me engrupiu.
            Colocando a mão esquerda à cintura, questionou:
-Como ousa duvidar da minha integridade?
-Ocê não passa de uma velha safada.
-Seu atrevido!... Fora daqui, biltre!
-Já estou indo.
-Moleque mal agradecido.
Enquanto caminhava em direção à porta, virei-me e gritei:
-Eu quero que esse pulgueiro pegue fogo com a senhora dentro.
Coloquei minha mochila nas costas e a deixei resmungando sozinha. Logo desconfiei que algo de errado estava acontecendo. Aquela mercenária se aproveitou achando que eu era idiota, e de certa forma eu fui, mas ela ia ter o dela, cedo ou tarde.
Parei em frente ao prédio, e não demorou muito para que eu avistasse a Talita. Com o pisca alerta ligado, ela fez sinal para que eu entrasse em seu carro.
-Demorei? - Perguntei abrindo à porta do passageiro.
-Não, cheguei agora também. Feche o vidro que eu vou ligar o ar condicionado.
-Tudo bem... Aonde ocê vai me levar?
-Não muito longe daqui... Aluguei um flat no Itaim Bibi, confortável para você ficar enquanto presta serviços pra mim.
-Legal!
-Já está pago por um mês.
-Beleza... - Falei esfregando as palmas das mãos uma na outra.
-Só espero que você cumpra o combinado.
-Pode deixar... Eu posso te fazer uma pergunta?
-Faça?
-Por que está me instalando no flat?
-Porque fica mais fácil pra te vigiar.
-Entendi.
-Quero te lembrar que terei livre acesso ao apartamento.
-Sabia que estava bom demais para ser verdade...
            Claro que ela não seria idiota em me deixar livre, leve e solto, mas pra falar a verdade, seria muito bom dispor de total liberdade para fazer o que eu quisesse. Mesmo com parte dos meus passos vigiados, ainda assim estava sendo uma maravilha, porque eu desfrutaria de uma vida cujo jamais tive morando com meus pais.
-Chegamos! - Exclamou puxando o freio de mão.
-É aqui? - Perguntei descendo o vidro do carro.
            Abrindo à porta, ela respondeu:
-Sim.
Descemos do carro e o manobrista o pegou para estacioná-lo na vaga de visitante. Nossa! Quanto luxo! Logo na recepção fomos muito bem recebidos pelos empregados, com muita atenção e gentileza, fazendo-me sentir como um rei.
A temperatura ambiente estava agradável, local bem confortável e decoração moderna.
-Bom dia, senhores! - Exclamou um recepcionista com um sorriso no rosto.
-Bom dia!
-Bom dia! - Respondi esticando o pescoço reparando todo o hall.
Entramos no elevador e subimos até o décimo nono andar, calados. A Talita era uma mulher fina e de bom gosto, tanto que os empregados do flat quando a viram cruzar à recepção, não questionaram minha presença no local estando ao seu lado.
Abrindo à porta do apartamento, ela disse:
-Essa será sua nova casa por um tempo. Seja bem vindo!
-Uau!
A primeira coisa que fiz foi me jogar naquela cama enorme, abraçando aqueles travesseiros macios em meio ao lençol branco e perfumado que a cobria.
Colocando minha mochila sobre uma mesa, a Talita falou:
-Desfrute bem dos luxos e mordomias que você está tendo, pois não será por muito tempo.
-Como assim? - Questionei sentando-me à cama.
            Andando em minha direção, ela dizia:
-Ora... Não está pensando que irei te sustentar a vida toda, né? Sua estadia nesse lugar será por pouco tempo, ao menos que você queira continuar aqui e bancar os próprios gastos.
-Eu já entendi...
-Ah!... Antes que eu me esqueça...
Sentando-se à mesa, ela tirou uma pasta de dentro de sua frasqueira. Curioso, questionei:
-O que é isso?
Entregando-me uma caneta, ela respondeu:
-É um contrato.
-Contrato?
-Sim... Contrato de prestação de serviço, ou melhor, uma confissão de dívida.
-Mas pra quê?
-Meu querido, no mundo em que vivemos hoje, não dá pra confiar em ninguém apenas pela palavra. Eu preciso de uma garantia de que o dinheiro que estou investindo será recompensado. Agora preencha com seus documentos e assine. - Disse batendo a caneta sobre a mesa.
-E se eu não quiser assinar?
-Nesse caso nem precisa se dar ao trabalho de desfazer suas tranqueiras, pois não ficará um segundo se quer a mais nesse lugar.
-Tudo bem... Eu tenho que preencher com RG e CPF?
-Mas é claro. Vai saber quantos Claus existem por ai...
-Peraí que preciso olhar... Não sei os números de cabeça.
            Olhando-me chocada, ela perguntou:
-O quê? Você ainda não decorou?
-Não. Qual o problema?
            Levando a mão à boca, respondeu:
-Tô passada! Você usa a vida inteira esses números e não decorou?
-Cada um com seus problemas.
-Me avise quando você estrear a outra metade do seu cérebro para eu dar uma festa. - Comentou cruzando as pernas sentada à cama..
-O quê?
-Nada não... Preencha logo isso, por favor.
-Já fiz... Onde é que eu assino?
Com seu dedo indicador ela apontou a linha para eu assinar.
-Aqui nessa linha.
Assinei e preenchi aquele contrato estúpido como ela havia pedido, já que não haveria alternativa.
Enquanto a Talita guardava-o novamente na pasta, suspirava dizendo:
-Bem... Adorei fazer negócios com você. Agora eu preciso ir.
-Sim senhora...
Jogando-me na cama novamente, questionei:
-Quando é que a gente volta a se ver?
-No momento certo eu te procuro.
-Tá bem.
-Até logo.
-Até.
Tranquei a porta do quarto e fui correndo telefonar para minha mãe, morto de saudade dela:
-Alô?
-Alô... Sérgio?
-Sim.
-Aqui é o Claus, filho da dona Judite...
-Ah sim... Como vai?
-Bem... Você poderia chamar minha mãe?
-Vou ver se ela tá em casa.
-Tá bom.
Na casa da minha mãe não havia telefone fixo, assim como as casas da maioria das pessoas que moravam no quarteirão. Sempre quando eu precisava falar com ela, ligava para um telefone público que ficava em frente à padaria do Sérgio, conhecido de todo mundo no bairro.
-Alô?
-Mãe?
-Clau, meu filho!...
-Oh mãe!... Como a senhora tá?
-Eu não tô muito bem não.
-O que houve?                   
-Continuo com o mesmo pobrema...
-Olha, essa semana vou mandar um dinheirinho pra senhora, tá bom?
-Precisa não, meu filho.
-Precisa sim.
-Tá bom.
-Mãe?
-Sim?
-Pede para o Xande ou a Neide me mandar a receita do seu remédio, aqui em São Paulo é mais fácil de encontrar...
-Jucineide num tá...
-Aonde ela foi?
-Foi visita à sogra dela com o Janaelso, só volta semana que vem.
-Então pede pra alguém ai manda pra mim. Meu novo endereço eu passo na carta junto com o dinheiro.
-Tá bom, meu filho.
-Benção, mãe.
-Deus te abençoe.
Minha mãe era o único motivo que me preocupava por conta de sua doença. Sendo o filho mais novo e paparicado, sentia-me na obrigação de ajudá-la, esse foi o motivo que me fez assinar aquele contrato com a gostosa da Talita.


Próximo capítulo:  | O encontro forjado |
Dia 03/03


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