| O dinheiro da pensão |
O ser humano é o único
animal que se corrompe por dinheiro. Não sabem o mal que fazem a si mesmos, e
eu não ficava fora disso. Dizem que a felicidade aparece para nós quando menos
se espera, sei que é verdade, e posso provar que acontece.
Sentado à beira da
cama, eu olhava pela janela enquanto pensava no que faria da minha vida. Fazia
apenas dois meses que havia chego a São Paulo, deixando minha mãe doente em
Juiz de Fora, cidade onde nasci e cresci. Em busca de trabalho, não sabia a
dimensão da dificuldade de se viver em uma cidade tão grande e exigente como
essa, oferecendo poucas oportunidades às pessoas que não possuem nível
intermediário de estudo.
No Brasil, a região metropolitana
de São Paulo passou por grandes mudanças demográficas e socioeconômicas nos
últimos 25 anos, sofrendo muitas transformações, entre elas a forte interrupção
de seu crescimento populacional. Além disso, seguiu a tendência nacional no
aumento da pobreza e deterioração nas condições materiais de vida, problemas
habitacionais e de infraestrutura.
A região ainda é a
principal porta de entrada dos migrantes que se dirigem ao estado em busca de
oportunidade, competindo também com outras cidades do interior paulista. Há uma
nova característica com relação ao crescimento de sua emigração, marcado pelo
retorno das pessoas para suas cidades de origem.
Nunca fui um filho
exemplar, pelo contrário, entre os seis irmãos eu era o único “vida torta”.
Terminei meus estudos do ensino médio, e nunca havia trabalhado. Fiz amizades
com pessoas de má índole, usei drogas, educação totalmente oposta a que recebi.
Perdi meu pai aos meus
sete anos de idade. No começo foi difícil aceitar a perca de uma das pessoas
que mais amava na vida, acredito que até hoje eu ainda não tenha me recuperado
desse trauma, podendo ser esse o motivo de tanta amargura e maldade em meu
coração.
O dinheiro que eu havia
juntando estava acabando. Existem certos momentos em nossas vidas que somos obrigados
a fazer escolhas difíceis, e naquele instante eu teria que optar entre pagar a
quinzena da pensão onde eu estava, ou comer.
A riqueza e promessa de
vida próspera começou a despertar interesse no restante dos brasileiros,
principalmente naqueles que habitavam em cidades muito pobres. Em busca de
melhores oportunidades, milhares de pessoas de todos os cantos do país chegaram
a São Paulo com um sonho, o de progredir, mas logo se tornava pesadelo quando
se deparava com uma metrópole agitada, moderna, e cada vez mais populosa.
Porta de entrada da
tecnologia no país e responsável por metade do PIB nacional, São Paulo teve seu
mercado de trabalho renovado, onde a mão de obra foi perdendo espaço para as
máquinas, exigindo mais intelecto ao invés de mão de obra, principalmente a
partir da segunda década do século XX com a industrialização.
Sem trabalho, muitas
pessoas que não se preocuparam em se atualizar, assim como eu, viram-se nas
estatísticas do desemprego do país, ficando impedidos de voltarem para suas cidades
de origem devido à falta de condições financeiras. Essa situação começou a
refletir na paisagem da cidade, tornando-a cada vez mais populosa, aumentando o
número de favelas, moradores de rua, desigualdade social, afetando até o
desequilibro ecológico, contribuindo para o aumento da poluição de córregos,
desestruturação familiar, crescimento desenfreado da violência urbana.
Ainda hoje, muitos
brasileiros sonham em viver em São Paulo, na esperança de conquistar uma
oportunidade de viver melhor, e acabam investindo tudo que possuem na
realização desse sonho.
A cidade não comporta
mais tanta gente, que a maltrata e ignora as belezas que têm a oferecer, a
história, a locomotiva do Brasil.
Submerso em meus
pensamentos permaneci, até ser interrompido pela Marcelina, dona da quitinete
onde eu estava hospedado desde que cheguei à cidade:
-Claus?
Posso entrar?
-Sim,
entre.
Enxugando suas mãos em
um pano branco, disse:
-Com
licença... Só vim avisar que amanhã passarei recolhendo a quinzena...
Levantei-me da cama.
Apoiei a mão esquerda à parede e comentei:
-Mas que
eu me lembre, já deixei pago até a semana que vem, dona Marcelina.
-Eu sei,
meu querido... É que costumo cobrar adiantado.
-A
senhora vai ter que esperar, porque por enquanto não tenho como lhe pagar adiantado.
-Espero
que você consiga o dinheiro até domingo, se não terá que deixar a pensão.
-Domingo?
Mas hoje já é sexta...
-Sinto
muito...
-Vou ver
o que posso fazer.
-Tudo
bem. Com licença...
Eu havia andado durante
o dia inteiro procurando emprego. Embaixo de sol eu misturava-me aos
desempregados no Centro, sentindo fome e sede. Meu almoço daquele dia
resumiu-se em um pequeno sanduíche e um copo de suco, rodeado de pombos
beliscando farelos dos pães que caiam pelo chão.
Peguei minha toalha e
fui tomar um banho. Enquanto a água caia sobre minha cabeça, tentava encontrar
uma maneira de conseguir dinheiro, caso contrário já teria que começar a
acostumar-me com a ideia de dormir na rua.
Ainda com o corpo pingando, vesti apenas uma toalha envolta da cintura e voltei
para o quarto. No caminho cruzei com o Rubens, companheiro de quarto que saia
para trabalhar naquele momento. Cumprimentamo-nos rapidamente, fechando a porta
logo em seguida. Deitei um pouco na cama, e olhando para o teto fiquei pensando
em que faria da minha vida. Com minha mãe doente e sem poder contar muito com a
ajuda dos meus irmãos, a preocupação triplicava.
Antes que me afundasse
completamente na angústia e cometer alguma besteira, um telefone celular
começou a tocar. Levantei-me e segui o ruído que vinha das coisas do Rubens.
Sem jeito, acabei
atendendo:
-Alô?
-Oi...
Quem está falando?
-Aqui é o
Claus, colega de quarto do Rubens...
-Nossa...
Já estava pensando que tinha discado o número errado. Cadê o Rubão?
-Ele
acabou de sair para trabalhar...
-Caramba!
Eu precisava tanto falar com ele...
-Espera
um pouco que vou dar uma corrida até o final da rua, ele acabou de sair... Acho
que ainda consigo alcançar...
-Ai...
Ficarei muito grata se você fizer isso por mim...
-Dá um
tempinho aê. Liga daqui cinco minuto, beleza?
-Está
bem... Obrigada!
Desliguei o telefone.
Vesti a primeira calça que encontrei pela frente, calcei um tênis e sai à
procura do Rubens pelo Centro da cidade. Já passava das dez da noite. As ruas
estavam um pouco desertas, e o vento úmido fazia com que meus pelos do peito se
arrepiassem, pois eu havia saído sem camisa.
Corri por dois
quarteirões procurando por ele, mas nem sinal do cara. Seu celular tocou
novamente, e com a respiração ofegante, atendi:
-Alô?
-Oi...
Conseguiu encontrá-lo?
-Não.
-Sem
problemas, eu ligo no serviço dele mais tarde...
-Tudo
bem.
-Obrigada!
Desliguei o telefone. Parado na esquina eu aguardava o semáforo fechar para que
eu pudesse atravessar. O vento gelado fazia-me tremer, bater os queixos. Não
que a noite estivesse exageradamente fria, pois dava pra sair tranquilamente
vestindo apenas uma camiseta, porém, eu havia acabado de tomar banho quente,
talvez fosse esse o motivo que me deixava tremer tanto.
Antes que eu atravessasse a rua, fui bloqueado por um luxuoso carro que parou
sobre a faixa de pedestre. Fiquei curioso, ao mesmo tempo apreensivo. Não sabia
o que poderia sair de dentro daquele veículo de vidros escuros.
Pouco a pouco o motorista foi se revelando em uma figura feminina. De início
estranhei o que aquela moça fazia parada sobre a faixa de pedestres
atrapalhando minha passagem, mas como eu era novo na cidade, achei que fosse um
hábito regional.
Esboçando um leve sorriso, ela exclamou:
-Boa
noite!
-Boa
noite!
- Respondi empolgado.
-Podemos
conversar?
-Claro.
Aproximei-me de seu carro questionando:
-Precisa
de ajuda?
-Sim...
Qual seu nome?
-Claus.
-Hum...
Bonito nome!
-Obrigado!
-Seu
sotaque revela que você não é de São Paulo... - Comentou com um leve sorriso
estampado a face.
-Eu sou
de Juiz de Fora.
Modéstia à parte eu era
um cara esperto, vivido, e logo percebi que havia segundas intenções quando ela
começou acariciar minha barriga. Não demorou muito para que algo em mim se
animasse.
Aproximei-me ainda mais
para que continuasse a me tocar. Debruçando-me sobre sua janela, falei
sorrindo:
-Ah... Eu
já estou entendendo o que ocê tá querendo...
O vestido vermelho que ela usava permitia que seu lindo par de pernas ficassem
à mostra, chamando-me atenção. Mulher perfumada aparentava ter muita grana,
tudo que eu precisava naquele momento.
Destravando a porta do carro, ela falou:
-Gostaria
de conversar mais com você... Entre aqui para ficarmos mais à vontade?
-Bem,
eu...
-Entre no
carro e vamos dar uma volta.
-Tudo
bem, mas por meia hora apenas.
-Não se
preocupe, eu pago por duas horas.
Dei meia volta por trás
do automóvel, olhei de um lado para o outro e entrei logo em seguida. Vários
questionamentos intrigavam-me. Afinal, o que uma mulher tão fina iria querer
comigo? O que procurava naquela região?
Após subir os vidros
ela acionou as travas. Arrancando com o carro ela disse:
-Vamos
para um lugar mais calmo onde a gente possa conversar mais à vontade...
-Tudo
bem.
-Qual sua
idade, Claus?
-Eu tenho
19 anos, e ocê?
-Eu tenho
34.
-Nossa! - Exclamei espantado.
-O que
houve?
-Não
parece...
-Hahaha...
Está querendo me agradar?
-É
sério... Ocê não aparenta ter mais que 25 anos...
-Obrigada!...
Você é muito bonito, Claus.
-Obrigado!
Qual seu nome?
-Talita.
-Prazer,
Talita!
A Talita era uma mulher
muito bonita. Pele clara, cabelos castanhos escuros, lisos e repicados até um
pouco abaixo do ombro. Voz suave, ainda de menina, e apesar disso demonstrava
ser dona de uma personalidade forte, autoritária.
Enquanto conversávamos,
notei que se tratava de uma pessoa muito inteligente, viajada, independente,
uma típica mulher moderna. No início fiquei um pouco sem jeito devido aos
trajes que vestia no momento, mas o papo fluía tão bem que não demorou muito
para que eu ficasse a vontade.
| Pobre mulher rica |
Seguimos pelas ruas da
cidade que estavam um pouco mais movimentadas, até pararmos em um motel. Fiquei
na minha, observando até onde a Talita seria capaz de chegar. Provavelmente ela
estaria pensando que eu fosse um michê, pois parado em uma esquina, sem camisa,
e na região onde eu estava, não poderia ser coisa muito diferente.
Ao entrarmos no quarto,
tentei logo esclarecer as coisas, para que não se sentisse enganada:
-Olha,
Talita...
-Tudo
bem, eu já sei que o pagamento tem que ser adiantado... - Disse
interrompendo-me.
-Pagamento?
-Aqui
está.
Quando a vi retirar de
sua carteira um bolo de notas de cinquenta, achei melhor calar minha boca. Se
ela estava a fim de me pagar por uma trepada, eu não seria idiota de recusar a
grana estando na situação em que me encontrava, e gostosa como ela aparentava
ser, seria um enorme prazer.
Entregando-me o
dinheiro ela perguntou:
-Isso é o
bastante?
Aquela quantia era suficiente
para eu ficar na cidade por mais uns dois meses sem precisar trabalhar,
dispondo de recurso para enviar à minha mãe, e assim podendo ela comprar seus
remédios necessários para o tratamento.
Colocando sua carteira
de volta à bolsa, a Talita frisou:
-Bem...
Eu não te trouxe aqui para transar.
-Não?
-Não.
-Uai...
Para que trouxe então?
-Para
conversarmos...
-Por que
não fomos para uma lanchonete?
-Não
quero que ninguém conhecido nos veja juntos.
-E por
quê?
-Bem, vou
direto ao assunto...
Sentei-me à cama.
-Trouxe
você aqui para tratar de negócios.
-Negócios?
Mas eu não sou nenhum empresário...
-Ai,
Claus...
Apoiando-se à janela ela começou a chorar. Fiquei sem saber o que fazer, pois
não resistia ver uma mulher chorando. Provavelmente algo de grave estava
acontecendo, e claro que se eu pudesse fazer qualquer coisa para ajudar, não
hesitaria.
Sensibilizado, aproximei-me dela. Tocando em seus cabelos, questionei:
-O que
está acontecendo?
Encostando sua cabeça em meu peito, ela questionou:
-Pode me
dar um abraço?
-Claro!
-Desculpe,
Claus... Não consegui resistir...
-Quer me
contar o que está acontecendo?
Limpando suas lágrimas, ela caminhou em direção à cama.
-Eu estou
separada do meu marido há um ano...
-Sei...
-E estou
passando por um momento muito difícil, que é a briga na justiça pela guarda de
nossos filhos...
-Seu
marido quer tirar eles docê?
-Sim...
Eu os amo muito, não posso perder meus filhos, assim...
-Mas ocê
acha que ele conseguirá?
-Certamente
que sim... O Leonardo é um homem influente, médico conceituado...
Abraçando-me ao travesseiro, questionei:
-E ocê
trabalha com o quê?
-Sou
formada em Nutrição... Tenho uma clínica de estética.
-Então
ocê tem uma vida confortável.
-Nada
adianta ter dinheiro sem meus filhos... Não quero perdê-los...
Fiquei sensibilizado. Levantei-me à cama e disse:
-Bem, se
eu pudesse te ajudar, até...
Aproximando-se de mim, ela interrompeu:
-Você
pode ajudar!
-Como?
-Pouco
tempo depois que nos separamos, eu... Descobri que o Leonardo é gay...
-E?
-Se eu
conseguir juntar provas de que seu estilo de vida é imoral, certamente ganharei
a guarda das crianças. - Falou colocando seu cabelo pra atrás da orelha.
-Sei... E
como eu posso ajudar?
-Seduzindo
o Leonardo.
Caminhando em direção à janela, questionei:
-O quê?
Está louca?
-Calma...
-Eu não
sou viado.
- Respondi irritado.
-Não
falei que você é viado, mas achei que pudesse contratá-lo para me ajudar...
Novamente ela começou a chorar.
-Talita,
pare com isso...
-Ai
Claus... Uma mãe sem seus filhos é como um peixe fora d'água... Estou disposta
a pagar o que for preciso para alguém me ajudar a tê-los comigo, mas já que
você não pode...
-Espera!...
Quando ela falou em dinheiro, o assunto começou a me interessar. Passando a mão
em seu cabelo, perguntei:
-Explique
melhor esse plano que ocê tem em mente?
-Você vai
me ajudar?
- Perguntou exibindo um sorriso espontâneo.
-Depende...
Se o capital me interessar... - Falei jogando-me à cama.
-Eu só
preciso provar que ele é uma pessoa irresponsável. Mas não posso fazer isso
sozinha, preciso da ajuda de alguém...
-Mas ele
é irresponsável?
-Não... O
Leonardo é correto demais com suas coisas.
-Então?
Como acha que poderei te ajudar?
-Pensei
que você fosse um pouco mais inteligente. - Disse a Talita após um profundo
suspiro seguindo em direção ao banheiro.
-E ocê
acha que seduzindo seu ex, isso será mais fácil?
-Claro!...
O Leonardo quando está apaixonado se entrega por completo, irá comer nas suas
mãos...
-Bem...
Podemos negociar então.
Voltando ao quarto, questionou entusiasmada:
-Jura que
você irá me ajudar?
-Isso vai
depender da proposta que ocê me ofertar...
-Então
bote seu preço.
-Atualmente
estou morando em uma pensão muito furreca... Se eu tivesse grana para bancar um
lugar melhor, seria bom...
-Posso te
alojar em um flat.
-Hum...
Legal!... Eu preciso me manter em São Paulo, cheguei faz pouco tempo e não
conheço muita coisa, não fiz faculdade... Além disso, minha mãe está passando
por algumas dificuldades, portadora de uma doença quê...
-Quanto
ela precisa?
-Bem...
Seus remédios são caros...
-Dois mil
reais por mês está bom para você?
-Mais o
aluguel do flat pago?
-Sim.
-Fechado!
Eu estava adorando a ideia de ganhar aquele dinheiro fácil. De início até fiquei
com um pouco de dó do cara, mas não estava nem ai, o importante era que eu iria
me dar bem e poder ajudar minha mãe.
Pegando sua bolsa, a
Talita caminhou em direção à porta dizendo:
-Ótimo! A
partir de agora seremos sócios.
-E como
faremos?
-Não se
preocupe, entrarei em contato com você.
Após anotar o número do
meu celular, deixamos o motel. Saí com o sorriso de orelha a orelha, tamanha
felicidade com meu novo “trampo”. Várias coisas começaram a passar pela minha
cabeça, muitos planos para o futuro, enfim, sonhei acordado.
No caminho de volta, ao
pararmos no semáforo da Consolação ela jogou o cabelo para trás, tirou um
pacote de dentro do porta-luvas e entregou-me dizendo:
-Pegue!
-Que trem
é esse?
Passando a língua
levemente sobre os lábios, respondeu:
-Fotos.
-Que são
fotos eu sei, já deu para reparar.
Em meio a alguns
papéis, eis que caiu sobre meu colo o retrato de um homem, aparentemente feliz.
Sorriso espontâneo, saindo da piscina com um charme admirável.
Acionando a seta para à
direita, a Talita falou:
-Esse é
meu ex-marido Leonardo.
-Boa
pinta ele!
-Lindo!
Mas não se iluda, meu querido... Ele pode ser um homem bonito, mas não vale
nada.
-Quantos
anos ele tem?
- Questionei vasculhando outras fotos.
-42.
-Uau!...
Não parece ter mais que 30.
-Realmente,
nos cuidamos muito.
Ao pararmos em frente
ao prédio, nos despedimos com um beijo na boca, iniciado pela Talita, claro.
Desci do carro e segui pela calçada, feliz da vida. Chegando em casa fechei à
porta do quarto. Coloquei o envelope embaixo do travesseiro. Deixei o telefone
celular do Rubens no mesmo lugar onde ele havia esquecido, em seguida fui
dormir.
Às vezes fico pensando
em como nossas vidas podem mudar de uma hora para outra. Quando achei que
voltaria para minha terra mais pobre do que cheguei, o destino colocou-me em um
outro caminho, dando-me a oportunidade que eu buscava.
No outro dia acordei
com o Rubens entrando no quarto. Esfregando os olhos, levantei dizendo:
-Rubens...
-Bom dia!
-Bom dia!
Ontem à noite sua namorada ligou e...
-Ah sim!
Eu já estou sabendo... Lembrei que havia esquecido o telefone quando já estava
no metrô.
-Deixei
ele no mesmo lugar que encontrei.
-Valeu,
cara!
-Não foi
nada...
-Ah!...
Entreguei seu currículo lá na gráfica. Eles disseram que no momento não estão
pegando ninguém, mas quando aparecer uma oportunidade...
-Não
esquenta.
Após vestir uma bermuda
e uma camiseta, deixei a pensão e fui tomar meu café da manhã na padaria, pois
as refeições servidas pela Marcelina eram caras, além de ruins.
Dava a primeira mordida
no pão com manteiga, quando meu celular começou a tocar:
-Alô!
-Claus?
-Sim.
-É
Talita...
-Bom dia,
gata!... A que devo a honra?
-Quero
que junte logo suas tranqueiras. Arrumei um lugar pra você ficar.
-Sério?
-Sim.
Passo pra te buscar no horário do almoço.
-Certo.
Onde?
-Em
frente ao Copam.
-Meio
dia?
-Não. Às
onze. Vou tirar meu horário de almoço mais cedo.
-Perfeito!
-Até
mais.
-Até.
Terminei de tomar meu
café e passei em uma lotérica na Praça da República pra carregar meu celular.
Para um sábado, até que a cidade estava bem cheia, principalmente a feirinha
que acontece todo final de semana na praça.
Voltei para a pensão.
Deitado em sua cama estava o Rubens, que ao ver-me arrumar minhas coisas,
questionou:
-Está
indo embora, cara?
-Graças a
Deus!
-E vai
pra onde?
-Para um
lugar bem melhor que aqui, com certeza.
-Bom...
-Não vou
esperar vencer minha quinzena.
-Pede uma
parte de volta.
-Ah...
Deixa pra lá...
-Se bem
que cinquenta reais não dá pra nada.
-Que cinquenta?
-O valor
da quinzena, ué.
-Uai...
Eu paguei cento e vinte.
-Caraca!...
Aqui os rapazes pagam cinquenta reais quinzenal...
Nesse momento a
Marcelina entrou no quarto perguntando:
-Aonde
você vai, Claus?
-Estou
indo embora dessa espelunca. O dinheiro que eu já te dei, fica como pagamento
do mês todo.
-Mas você
só deixou pago por quinze dias.
-Não seja
ordinária, velha trambiqueira... Sei muito bem que você me levou no bico, seu
fóssil ambulante.
Deitado em sua cama, o
Rubens tentava disfarçar sua risada.
-Você me
respeite!...
- Disse a Marcelina esbugalhando os olhos.
-Sei
muito bem que ocê me engrupiu.
Colocando a mão esquerda à cintura, questionou:
-Como
ousa duvidar da minha integridade?
-Ocê não
passa de uma velha safada.
-Seu
atrevido!... Fora daqui, biltre!
-Já estou
indo.
-Moleque
mal agradecido.
Enquanto caminhava em
direção à porta, virei-me e gritei:
-Eu quero
que esse pulgueiro pegue fogo com a senhora dentro.
Coloquei minha mochila
nas costas e a deixei resmungando sozinha. Logo desconfiei que algo de errado
estava acontecendo. Aquela mercenária se aproveitou achando que eu era idiota,
e de certa forma eu fui, mas ela ia ter o dela, cedo ou tarde.
Parei em frente ao
prédio, e não demorou muito para que eu avistasse a Talita. Com o pisca alerta
ligado, ela fez sinal para que eu entrasse em seu carro.
-Demorei? - Perguntei abrindo à
porta do passageiro.
-Não,
cheguei agora também. Feche o vidro que eu vou ligar o ar condicionado.
-Tudo
bem... Aonde ocê vai me levar?
-Não
muito longe daqui... Aluguei um flat no Itaim Bibi, confortável para você ficar
enquanto presta serviços pra mim.
-Legal!
-Já está
pago por um mês.
-Beleza... - Falei esfregando as
palmas das mãos uma na outra.
-Só
espero que você cumpra o combinado.
-Pode
deixar... Eu posso te fazer uma pergunta?
-Faça?
-Por que
está me instalando no flat?
-Porque
fica mais fácil pra te vigiar.
-Entendi.
-Quero te
lembrar que terei livre acesso ao apartamento.
-Sabia
que estava bom demais para ser verdade...
Claro que ela não seria idiota em me deixar livre, leve e solto, mas pra falar
a verdade, seria muito bom dispor de total liberdade para fazer o que eu
quisesse. Mesmo com parte dos meus passos vigiados, ainda assim estava sendo
uma maravilha, porque eu desfrutaria de uma vida cujo jamais tive morando com
meus pais.
-Chegamos! - Exclamou puxando o
freio de mão.
-É aqui? - Perguntei descendo o
vidro do carro.
Abrindo à porta, ela respondeu:
-Sim.
Descemos do carro e o
manobrista o pegou para estacioná-lo na vaga de visitante. Nossa! Quanto luxo!
Logo na recepção fomos muito bem recebidos pelos empregados, com muita atenção
e gentileza, fazendo-me sentir como um rei.
A temperatura ambiente
estava agradável, local bem confortável e decoração moderna.
-Bom dia,
senhores!
- Exclamou um recepcionista com um sorriso no rosto.
-Bom dia!
-Bom dia! - Respondi esticando o
pescoço reparando todo o hall.
Entramos no elevador e
subimos até o décimo nono andar, calados. A Talita era uma mulher fina e de bom
gosto, tanto que os empregados do flat
quando a viram cruzar à recepção, não questionaram minha presença no local
estando ao seu lado.
Abrindo à porta do
apartamento, ela disse:
-Essa
será sua nova casa por um tempo. Seja bem vindo!
-Uau!
A primeira coisa que
fiz foi me jogar naquela cama enorme, abraçando aqueles travesseiros macios em
meio ao lençol branco e perfumado que a cobria.
Colocando minha mochila
sobre uma mesa, a Talita falou:
-Desfrute
bem dos luxos e mordomias que você está tendo, pois não será por muito tempo.
-Como
assim?
- Questionei sentando-me à cama.
Andando em minha direção, ela dizia:
-Ora...
Não está pensando que irei te sustentar a vida toda, né? Sua estadia nesse
lugar será por pouco tempo, ao menos que você queira continuar aqui e bancar os
próprios gastos.
-Eu já
entendi...
-Ah!...
Antes que eu me esqueça...
Sentando-se à mesa, ela
tirou uma pasta de dentro de sua frasqueira. Curioso, questionei:
-O que é
isso?
Entregando-me uma
caneta, ela respondeu:
-É um
contrato.
-Contrato?
-Sim...
Contrato de prestação de serviço, ou melhor, uma confissão de dívida.
-Mas pra
quê?
-Meu
querido, no mundo em que vivemos hoje, não dá pra confiar em ninguém apenas
pela palavra. Eu preciso de uma garantia de que o dinheiro que estou investindo
será recompensado. Agora preencha com seus documentos e assine. - Disse batendo a
caneta sobre a mesa.
-E se eu
não quiser assinar?
-Nesse
caso nem precisa se dar ao trabalho de desfazer suas tranqueiras, pois não
ficará um segundo se quer a mais nesse lugar.
-Tudo
bem... Eu tenho que preencher com RG e CPF?
-Mas é
claro. Vai saber quantos Claus existem por ai...
-Peraí
que preciso olhar... Não sei os números de cabeça.
Olhando-me chocada, ela perguntou:
-O quê?
Você ainda não decorou?
-Não.
Qual o problema?
Levando a mão à boca, respondeu:
-Tô
passada! Você usa a vida inteira esses números e não decorou?
-Cada um
com seus problemas.
-Me avise
quando você estrear a outra metade do seu cérebro para eu dar uma festa. - Comentou cruzando
as pernas sentada à cama..
-O quê?
-Nada
não... Preencha logo isso, por favor.
-Já
fiz... Onde é que eu assino?
Com seu dedo indicador
ela apontou a linha para eu assinar.
-Aqui
nessa linha.
Assinei e preenchi
aquele contrato estúpido como ela havia pedido, já que não haveria alternativa.
Enquanto a Talita
guardava-o novamente na pasta, suspirava dizendo:
-Bem...
Adorei fazer negócios com você. Agora eu preciso ir.
-Sim
senhora...
Jogando-me na cama
novamente, questionei:
-Quando é
que a gente volta a se ver?
-No
momento certo eu te procuro.
-Tá bem.
-Até
logo.
-Até.
Tranquei a porta do
quarto e fui correndo telefonar para minha mãe, morto de saudade dela:
-Alô?
-Alô...
Sérgio?
-Sim.
-Aqui é o
Claus, filho da dona Judite...
-Ah
sim... Como vai?
-Bem...
Você poderia chamar minha mãe?
-Vou ver
se ela tá em casa.
-Tá bom.
Na casa da minha mãe
não havia telefone fixo, assim como as casas da maioria das pessoas que moravam
no quarteirão. Sempre quando eu precisava falar com ela, ligava para um
telefone público que ficava em frente à padaria do Sérgio, conhecido de todo
mundo no bairro.
-Alô?
-Mãe?
-Clau,
meu filho!...
-Oh
mãe!... Como a senhora tá?
-Eu não tô
muito bem não.
-O que
houve?
-Continuo
com o mesmo pobrema...
-Olha,
essa semana vou mandar um dinheirinho pra senhora, tá bom?
-Precisa
não, meu filho.
-Precisa
sim.
-Tá bom.
-Mãe?
-Sim?
-Pede
para o Xande ou a Neide me mandar a receita do seu remédio, aqui em São Paulo é mais fácil de encontrar...
-Jucineide
num tá...
-Aonde
ela foi?
-Foi
visita à sogra dela com o Janaelso, só volta semana que vem.
-Então
pede pra alguém ai manda pra mim. Meu novo endereço eu passo na carta junto com
o dinheiro.
-Tá bom,
meu filho.
-Benção,
mãe.
-Deus te
abençoe.
Minha mãe era o único
motivo que me preocupava por conta de sua doença. Sendo o filho mais novo e
paparicado, sentia-me na obrigação de ajudá-la, esse foi o motivo que me fez
assinar aquele contrato com a gostosa da Talita.
Próximo capítulo: | O encontro forjado |
Dia 03/03
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