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Arrependimento mata |
Ao chegar à Avenida Paulista, parei o carro na primeira farmácia que encontrei
aberta. A pressa era tanta que nem tirei a chave do contato, deixando o veículo
estacionado de qualquer jeito com o pisca alerta ligado.
Entreguei o papel para o farmacêutico e para minha sorte havia o remédio.
Imediatamente o comprei e voltei pra casa do Leonardo, dirigindo como um louco,
correndo contra o tempo.
Abri à porta da sala e deparei-me com o Leonardo segurando a Giovana no colo,
saindo para levá-la ao hospital. Logo atrás vinha a Talita, que ao me ver
fingiu não conhecer-me intimamente.
Percebi que os dois discutiam, e ao entrar exclamei erguendo o pacote:
-O
remédio!
-Você
conseguiu achar?
- Questionou o Leonardo desesperado.
-Sim...
Lembrei que na Avenida Paulista têm farmácias que não fecham...
-Putz!...
É verdade. Na hora nem me lembrei... Muito obrigado!
Enquanto ele levou-a de volta ao quarto acompanhado pela babá, permaneci na
sala, e junto comigo ficou a Talita. Aproveitando que estávamos sozinhos, ela
quis saber:
-Tem dedo
seu nisso, não é?
-Eu não
sabia da gravidade do problema. - Falei caminhando em direção à janela.
-Só
espero que minha filha não seja prejudicada com sua ideia imbecil...
-Escute
aqui... Estou fazendo o que eu posso, não tenho como prever se dará certo ou
não.
-Faça o
que tiver que ser feito, mas tire meus filhos disso...
Percebi que a Vera
aproximava-se, então fiz sinal com os olhos para alertá-la. Sem dar mais uma
palavra a Talita subiu pro quarto da Giovana, enquanto permaneci onde estava,
aguardando ansioso por uma boa notícia.
Felizmente o pior não aconteceu, e pouco a pouco a Giovana foi se recuperando
graças ao remédio que levei, aliviando o peso enorme que devorava minha
consciência.
Durante a semana quase nada fiz. Algumas vezes visitei o Leonardo após seu
trabalho, e foi numa dessas noites que ao voltar fui levado à loucura.
Deixei sua casa já
passava das onze e meia de quarta-feira. Antes de voltar ao flat fui dar um passeio pelo
Centro, e no caminho de volta, ao pegar à Avenida Nove de Julho, logo após o
túnel, passei por alguma coisa que estava caída sobre o asfalto, rebatendo e
danificando o escapamento do carro que eu acabara de ganhar.
Merda! Imediatamente
percebi uma diferença no veículo, e o barulho que começou a soar não me restou
dúvida de que algo de errado havia acontecido. Com medo de ficar pela estrada,
entrei na primeira rua à direita e perguntei em um posto de gasolina que havia
na esquina:
-Boa
noite!
-Boa
noite!
-Eu quero
saber se por aqui tem algum mecânico aberto há essa hora?
Apontando para frente, o frentista falou:
-Na
Alameda Itu tem uma oficina, mas ela fecha meia noite.
-E onde
fica essa rua?
-É aquela
de cima.
-Então é
melhor eu correr... Valeu!
Arranquei com o carro e
subi até a rua de cima, onde o cara havia dito que existia uma oficina mecânica.
Meu pé intercalava entre o freio e o acelerador, enquanto meus olhos fixavam
entre os dois lados das calçadas daquela deserta rua.
Duas quadras depois
avistei um clarão logo à frente. Acelerei em sua direção, e quando aproximei-me
percebi que já estavam baixando às portas da oficina. Parei o carro. Somente
com o freio de mão acionado, desci do veículo e corri até lá dizendo a um rapaz
com um enorme ferro à mão:
-Por
favor, será que você poderia me ajudar?
Tirando os pinos do
fecho da porta de aço, o cara respondeu:
-Já estou
fechando, mano.
-É que
estou com um problema... Eu pago a mais se for o caso...
-O que
houve?
- Questionou sem muito me dar atenção.
-Não sei
ao certo o que atingiu meu carro, mas está fazendo um barulho estranho...
Colocando uma chave
suja de graxa sobre uma mesa lotada de sucatas, questionou:
-Você
percebeu algum vazamento depois disso?
-Não...
-Cadê o
carro?
-Está
ali. -
Falei apontando pro veículo que estava pouco mais de dez metros de distância.
-Vamos lá
ver...
Vestindo uma calça jeans manchada e uma camisa aberta na
mesma situação, caminhou pela rua em direção ao meu carro. A carteira em seu
bolso traseiro direito fazia com que o caimento de sua calça mostrasse sua
cueca branca, aparentemente limpa. Barba por fazer, jeito rústico, mãos grandes
e maltratadas. Deveria ser um furacão na cama.
O cara não parecia ter
mais que trinta anos. Peitoral definido coberto por pelos serrados, porte bem
masculino, jeito rústico. Confesso que no começo fiquei um pouco amedrontado
com seu olhar de caçador, parecendo que iria me engolir. Safado como eu era,
imaginei loucuras observando aquele corpo enquanto ajudava-me.
Deitando-se ao chão ele entrou embaixo do carro. A forma como fazia demonstrava
que possuía muita prática e habilidade naquela função. Que tesão! Enquanto seus
braços fortes verificavam, apoiei-me ao capô e observava parte de suas pernas e
pés que ficaram pra fora. Coxas torneadas, deveria “bombar” com força, sem
dó.
Olhei ao relógio e já
passava da meia noite. Levantando-se, ele falou batendo uma mão à outra:
-Aparentemente
não tem nada de errado. Mas vou levar ele até a oficina pra dar uma olhada com
mais detalhe...
-Disse já entrando em meu carro.
-E você
vai entrar com essa calça suja? - Questionei aproximando-me dele.
-Bem...
Só se eu tirar.
-Eu não
me importaria se isso acontecesse.
Sem responder ele
entrou no veículo e o levou até a oficina. Eu deveria ter sido mais incisivo ao
impedi-lo de entrar no meu carro, pois assim quem sabe ele tirasse aquela calça
logo e me fizesse parar de “sofrer”.
Logo ao entrar notei
que havia um carro bem ao fundo. Do meu lado direito existia uma banheira cheia
de peças sujas, cujo ocupava um grande espaço na porta do banheiro estampado
com vários calendários de mulheres nuas, algo típico desse tipo de lugar.
Curioso, questionei:
-Você...
Trabalha aqui... Sozinho?
-Não...
Tem mais três mecânicos, mas estão de folga hoje. - Respondeu abrindo o
capô do carro, com a calça ainda mais caída.
Vendo aquela cena, pensei besteira. Por acreditar que todo homem no fundo, no
fundo é bissexual, pelo menos na atividade sexual em si, não hesitei em testar
até onde eu poderia ir e o que poderia conseguir, porque passar vontade não era
comigo.
-E seus
colegas são todos assim como você?
-"Assim"
como?
- Perguntou entrando embaixo do motor.
-Assim...
Fortes, sujos de graxa...
-É
obvio... Nessa profissão precisa de força.
-Realmente,
é uma atividade bem máscula... Excitante...
Deslizando de volta
sobre um carrinho, ele perguntou:
-O que
você está querendo?
-Eu?
-Essas
suas perguntas... Você quer o quê afinal?
-Relaxa,
só fiquei curioso em saber um pouco mais sobre a profissão.
Cruzando os braços e
apoiando-se na lateral do veículo, ele questionou:
-Beleza,
o que você quer saber então?
Fiquei com água na boca
ao ver aqueles bíceps ressaltados pelos braços cruzados. Delícia! Uma tatuagem
com o desenho de um arame farpado o contornava, deixando-me ainda mais curioso
para prová-lo e sentir aquela “potencia” toda.
Suspirei fundo, engolindo
a saliva seca. Curioso, quis saber:
-Qual sua
idade?
-27.
-Você...
O que ocorreu com o carro? Já sabe dizer?
-Sim, foi
apenas o escapamento que soltou do suporte e fez aquele barulho que você
reclamou, nada demais.
-Você tem
certeza? Não quer dar mais uma olhada? - Insisti desanimado.
-Tenho...
Eu trabalho com isso, não tem nada mais danificado além desse problema que já
arrumei.
-Não sei,
mas acho que você deveria dar uma atenção melhor ao meu problema... Será que
não danificou o tanque...
Sem responder ele foi
até à porta de aço, pegou o longo ferro e a desceu de uma só vez. Fiquei sem
reação.
-Ei...
Você não vai me trancar aqui, né?
Calado, ele
aproximou-se de mim, prendeu-me à parede com seu quadril, tirou sua camisa e
começou a me beijar. Sua mão suja, assim como seu corpo, tocavam o meu com
vontade. Pegada forte. Iria deixar-me todo marcado, mas não estava nem me
importando, porque gostoso do jeito que o mecânico aparentava ser, não deixaria
passar aquela oportunidade.
Com brutalidade ele arrancou minha roupa, arrebentando alguns botões da camisa.
Que tesão! Quando desceu sua calça, perdi o fôlego e o juízo. Os indícios do
que havia por baixo daquela cueca preta já me deixou cabreiro devido ao volume.
Descendo minha calça,
ele virou-me de costas e foi com tudo. Segurei àquelas paredes com força, ou
melhor, forçado pela pressão de seu corpo robusto e truculento, cujo nem sabia
o nome. Sua mão áspera e calejada alisava minhas costas, exalando cheiro de
menta deixado pela camisinha que ele havia colocado.
Transamos ali mesmo, em pé. O gel que havia em meu cabelo quando cheguei, não
deixou rastro, dissolvendo-se entre seus dedos a cada puxão que me dava,
seguido de um tranco alavancado. Suas bombadas fortes fizeram com que meu peito
ficasse todo arranhado no atrito com a parede.
Após vestir minha roupa, perguntei:
-Por que
você fez isso?
-Você
estava pedindo.
- Respondeu subindo sua calça.
-Eu?
-Cara,
sem essa. Taí seu carro, o problema já está resolvido... - Falou erguendo à
porta de aço.
Entrei no carro
enquanto ele seguiu para os fundos da oficina. Arranquei daquele lugar imundo,
e realmente o barulho havia sido sanado. Quando estava quase chegando em casa
dei-me conta de que não havia pagado pelo seu serviço, sendo assim, teria um
pretexto para voltar lá qualquer hora, e quem sabe, repetir a dose.
Entrei à sala, peguei
meu celular à mão e notei que haviam algumas ligações não atendidas. Joguei-o
sobre o sofá dando a mínima importância, pois o número que acusava era privado,
e se fosse algo urgente ligariam novamente.
Deitei-me à cama e o
telefone de casa começou a tocar:
-Alô?
-Claus?
-Eu!
-O que
aconteceu?
- Perguntou o Leonardo preocupado.
-Por quê? - Questionei roendo a
unha.
-Liguei
pra você e não me atendeu...
-Ah...
É... É que eu acabei de chegar.
-E o
celular?
-Desculpa,
é que eu não ouvi...
-Tudo
bem, eu fiquei preocupado, pois você saiu daqui tão tarde...
-Relaxa,
acabou me dando fome e eu passei numa lanchonete pra comer alguma coisa...
-Tá bom.
Depois de conversarmos um pouco, desliguei o telefone e fui tomar um banho para
tirar aquele cheiro rústico de suor da minha pele, além das manchas de graxa
que ficaram por todo meu corpo.
Ficar em casa o dia inteiro sem fazer anda estava me cansando, ou melhor,
aquela vida mansa estava entediando-me. No começo até que estava legal, era
tudo maravilha, porém, a falta de novidade somada à monotonia cotidiana chega a
ser mais chata do que a de um operário.
No outro dia fui almoçar no shopping,
aproveitando que às segundas feiras costumava ser vazio em relação aos outros
dias da semana. Desde que havia chego a São Paulo, eu só havia comido
estrogonofe uma vez, e minhas lombrigas já estavam alvoroçadas para que eu
provasse novamente.
Enquanto comia, assistia ao telejornal no televisor de plasma enorme que havia
na praça de alimentação. Não sei se meu paladar que não estava muito bom
naquele dia ou era a comida, pois pra mim estava horrorosa.
Deixei metade na bandeja sobre a bancada do lixo e saí daquele lugar, largado
às moscas de tão vazio. Como sobremesa tomava um café gelado com creme, e ao
descer à escada rolante ouvi meu nome:
-Claus!?
Virei-me e avistei o Rubens, o mesmo que dividia quarto comigo na pensa daquela
velha ordinária, Marcelina:
-Rubens!
-Eaí
cara... Como você está?
-Eu tô
bem, e você?
-Tô legal
também... Casei, saí da pensão...
-Aquilo
não era lugar pra ninguém.
-Pois
é... Aquela velha me roubou.
-Roubou?
-É... Ela
é uma pilantra, não me deu recibo da quinzena e me colocou pra fora.
-E você
saiu?
-Foi até
bom, sabe... Eu já estava mesmo a fim de cair fora daquele pulgueiro.
-Você
ainda está trabalhando lá na gráfica?
-Ainda...
Tô voltando agora do trampo.
-Você é
um cara trabalhador que eu sei.
-É...
Ainda mais agora que vou ser papai.
-Caraca!
Que massa, cara!
-Pois
é...
-Já sabe
qual é o sexo?
-É um
moleque... Sete meses já.
-Parabéns,
papai!
Dei-lhe um abraço para cumprimentá-lo.
-Eu tô
morando no Tatuapé agora. Passa lá em casa qualquer hora.
-Passo
sim. Anota meu telefone e meu e-mail...
-Falae...
O tempo realmente passa voando, e quando a gente se sente inútil, nem o vê
passar.
-Pode
deixar que eu te mando mensagem com o endereço.
-Beleza.
-Falou,
mano!
-Boa
sorte pra ti.
Fiquei feliz em rever o Rubens. Sempre o admirei por ser um cara honesto e
trabalhador, mesmo nunca ter sido reconhecido pelas suas qualidades. Às vezes
eu chegava a pensar que viver uma vida politicamente correta não valesse a
pena, mas cedo ou tarde a vida me mostraria que não era verdade.
Na terça-feira pela manhã telefonei para minha mãe. Até estava meio apreensivo
devido à sua saúde não andar muito bem, mas para minha surpresa ela demonstrou
estar melhor do que eu. Nos falamos por quase meia hora, até minha irmã
interromper nossa conversa com sua visita inconveniente.
Desliguei o telefone e fui dar um passeio no jardim do flat. Mal pisei à pista de caminhada quando meu celular começou a
tocar. O número do telefone identificado era da casa do Leonardo, mas eu sabia
que não era ele porque estava trabalhando em sua clínica, ao menos que tivesse
acontecido algo que o impedisse.
-Alô?
-Senhor
Claus?
-Eu...
-É a
Cíntia...
-Oi!?
Cíntia era outra empregada do Leonardo. Ela quem cuidava da arrumação da casa,
diferente da Vera, que só cozinhava e palpitava na vida dos outros.
-Fala,
Cíntia?
-Por
favor, venha até aqui... - Disse em voz baixa.
-O que
houve?
-Não
posso falar por telefone, mas se o senhor não vim pode se complicar.
Alguma coisa séria estava acontecendo. Será que o Leonardo sofrera um acidente?
Melhor nem pensar antes de saber o que realmente acontecia, pois hipóteses eram
o que não faltava.
Voltei ao meu apartamento, peguei à chave do carro e desci. Fechei os vidros do
veículo e liguei o ar condicionado, pois o calor estava insuportável. Por mais
que eu tentasse ficar calmo, manter o controle estava difícil, principalmente
pelo tom de voz e mistério que a Cíntia contou-me.
Cheguei à casa do Leonardo em menos de quinze minutos. Toquei à campainha e
logo fui recebido pela Cíntia, que após abrir o portão, comentou apreensiva:
-Eu não
quero acreditar que foi o senhor... - Falou levando sua mão a boca.
-Que foi
eu o quê?
- Questionei seguindo em direção à porta da sala.
Nesse momento a Vera apareceu. Seus olhos cuspiam fogo, e segurando um saco
plástico à mão, o jogou sobre a mesa da cozinha perguntando:
-Era isso
que enterrava na noite em que a Gigi passou mal?
-O que é
isso?
Dentro daquele pacote continha o vidro de insulina que eu havia enterrado para
que a Giovana passasse mal. Merda! Como será que ela foi achar aquilo?
-Não
finja que não sabe. Vamos acabar com essa farsa.
-Gente...
Eu não sei de nada. Por que estão me acusando?
-Eu falei
pra você, Vera. Não foi ele... - Disse a Cíntia.
-Não
sei... Acho muita coincidência...
-O que eu
ganharia com isso? Me digam?
Embora a Vera não tivesse convencida quanto ao meu argumento, parou de insistir
no interrogatório. Fiquei preocupado. Caminhei até a sala, peguei meu celular
do bolso e liguei para a Talita:
-Talita...
Preciso da sua ajuda.
-Ai,
agora não posso, estou muito ocupada.
-Você
precisa me ouvir...
-Fala
logo?
-A Vera
me colocou contra a parede... Está desconfiada de que fui eu que dei sumiço na
insulina...
-Desconfiada
como?
-Ela
achou o vidro enterrado no jardim... Se a Vera descobrir que nós estamos
armando contra o Leonardo, pode ser quê...
Nesse momento avistei a Vera parada próxima à porta da cozinha. Larguei o
celular e fui atrás dela, que irada, falou:
-Eu sabia
que tinha sido o senhor... Não vou deixar meu doutor ser enganado...
-Do que
você está falando, velha alcoviteira?
-Vou
agora mesmo contar toda a verdade pra ele.
Pegando sua bolsa ela saiu. Imediatamente corri até a sala, peguei o telefone e
voltei a falar com a Talita:
-Fudeu,
Talita!
-Mas o
que está acontecendo, garoto?
-A
Vera...
-O que
houve?
-Ela saiu
daqui dizendo que vai contar tudo ao Leonardo...
-Seu
incompetente!
-Eu vou
atrás dela...
-Nada
disso... Vai colocar tudo a perder.
-Então o
que eu faço?
Após um profundo suspiro ela disse:
-Vá até a
clínica e não deixe que essa subalterna se aproxime do Leonardo.
-Como eu
faço isso?
-Céus! Se
vira, foi você que criou essa confusão toda.
-Ao invés
de ficar me criticando, poderia me ajudar, né?
-Eu acho
melhor você correr, ou quer que ela chegue antes de você?
-Tudo
bem...
-Deixe
que eu cuido do resto.
Desliguei o telefone e tratei de correr pra clínica do Leonardo. Se aquela
estúpida contasse algo a ele, nosso plano iria por água abaixo, e perder a boa
vida que eu estava levando era algo que eu não pretendia tão cedo.
Cheguei rapidamente, cabreiro, com receio de que ela houvesse chego primeiro
que eu.
-Boa
tarde!
-Olá,
tudo bem?
-Tudo...
O Leonardo está ai?
-Não...
Ele deu uma saída.
-Ah!...
Ele avisou aonde foi?
-Não
disse. O senhor quer esperá-lo?
-Eu
posso?
-Claro!
Sentei-me ao sofá, e após pegar uma revista para distrair-me, perguntei
apreensivo:
-Você
sabe se esteve alguém aqui hoje perguntando por ele?
-Não sei,
porque quando cheguei do almoço o doutor já não estava.
-Entendi.
Obrigado!
Liguei em seu celular e
deu caixa postal nas quatro tentativas seguidas que efetuei. Até então, a Vera
ainda não havia passado pela clínica, e óbvio que eu não sairia de lá enquanto
um dos dois não chegasse.
Duas horas se passaram. Se aquela perturbada quisesse falar com o Leonardo em
seu local de trabalho, tempo suficiente já havia se passado, fazendo-me
concluir que ela não iria mais. Já o Leonardo, provavelmente não voltaria mais
naquele dia, sendo assim, resolvi seguir pra casa, pensando e já me preparando
para possivelmente voltar às estatísticas de desemprego do país.
Ao cruzar à recepção perguntei ao recepcionista:
-Boa
tarde, senhor Claus!
-Boa
tarde! Alguma correspondência pra mim?
-Hoje
não.
-Tudo
bem... Ah!... Alguém esteve aqui me procurando?
-Não
senhor.
-Beleza.
Peguei o elevador que já aguardava parado no térreo. Eu não via à hora de
chegar em casa, tomar um banho e cair na cama, de tão cansado. Minhas pernas
estavam doloridas de tanto que corri, além de moles pelo medo que me consumia a
consciência.
Abri à porta da sala. Entrei jogando à chave sobre a bancada da cozinha.
Fechei-a em seguida e acendi a luz. Encostei a cabeça à porta, de olhos
fechados. Respirei fundo, tentando livrar-me da leve dor de cabeça que começava
a me pegar. Ao abri-los novamente, deparei-me com uma horrível cena, cujo
jamais havia visto na vida.
Caída sobre o tapete
estava a Vera, banhada em uma poça de sangue, de bruços, segurando em sua mão
esquerda um telefone celular. Abismado, dei dois passos à frente, e nesse
momento aquele telefone começou a tocar. Maldição! Levei um susto. O que será
que ela fazia dentro do meu apartamento? E o pior, como ela havia entrado em
casa? Perguntas essas que não queriam calar, e certamente eu estava encrencado.
Amedrontado, peguei o
aparelho de sua mão e notei que o número chamado era da casa do Leonardo.
Inferno! Tudo para atrapalhar minha vida, meus planos. Pulando à poça
coloquei-o sobre a mesa. Em seguida, corri até o quarto, sentei-me à cama e
apoiei a cabeça sobre as mãos, sem saber o quê fazer, confuso.
Telefonei para a Talita, trêmulo, implorando por ajuda.
-Alô? - Atendeu com a voz
ofegante.
-Talita...
-O que
foi dessa vez?
-A
Vera...
-Não me
diga que você deixou ela chegar na...
-Não,
não... Ela está aqui.
-O que
ela faz ai?
-Não
sei... Quando cheguei encontrei ela caída na sala... Morta!
-O quê?
-Por
favor, me ajude?
-Inferno!
Você me traz mais problemas do que solução...
-O que eu
faço?
-Não
toque nessa infeliz, aguarde eu chegar ai.
-Tudo
bem.
Desliguei o telefone e permaneci no quarto, apavorado. O silêncio daquele
apartamento logo foi quebrado pelo seu celular que começou a tocar novamente.
Caminhei até a porta e o espiei, vibrando sobre a mesa até cair ao chão e se
quebrar, um trabalho a menos para mim.
O silêncio voltou a se
fazer presente naquele apartamento, interrompido apenas pelo barulho do vento
batendo ao vidro das janelas. Certamente alguém já deveria ter notado a
ausência daquela infeliz, e algo deveria ser feito antes que a polícia fosse
comunicada e as buscas pela desaparecida começassem.
Aquele sangue se secando ao chão estava deixando-me aflito. Calado, dei um
profundo suspiro, levando um tremendo susto ao toque da campainha. Se alguém
descobrisse algo, eu estaria fodido, pois não saberia explicar o que aquele
corpo fazia caído na sala da minha casa.
Com a perna bamba, caminhei até a porta. Espiei através do olho mágico quem era
antes de abrir. Respirei aliviado quando vi a Talita, aparentemente nervosa.
Puxando uma mala, ela falou "educada" como sempre ao entrar:
-Sai do
meu caminho e me ajude aqui com essa mala.
Após fechar à porta, perguntei:
-Pra que
essa... Coisa?
-Como o
senhorito pretende se livrar dessa marmota? Jogando pela janela?
-Sei
lá...
-Se não
tem ideia melhor, não reclame.
Abrindo à mala, ela questionou:
-Vai
ficar ai parado feito um soldado de chumbo, ou vai me ajudar aqui?
-O que eu
faço?
-Me ajude
colocá-la dentro dessa mala...
-Tá.
Nossa!... É magra, mas pesada... - Exclamei carregando-a.
-Maldita
foi à hora que eu te contratei.
-Agora
não é hora de se lamentar.
Nesse momento a campainha tocou. Levamos um susto. Imediatamente larguei as
mãos da defunta. Quem seria uma hora daquela?
Caminhando na ponta dos pés segui até a porta, espiando através do olho mágico
quem era. Merda! Encostei-me ao lado da porta anestesiado, não acreditando que
fosse verdade a presença de quem eu acabara de ver.
Fechando à mala, a
Talita perguntou sussurrando:
-Quem é?
-O
Leonardo!
- Exclamei batendo o queixo.
-O quê?
-E agora?
-Desligue
o seu celular agora.
-Por quê?
-Não
pense, faça só o que eu mando.
Cumprindo suas orientações desliguei meu celular. Ficamos calados, nos mantendo
o mais imóvel possível para não chamar atenção de quem estivesse no corredor.
Após tocar a campainha por três vezes, o Leonardo. Aguardei alguns
minutos e espiei novamente. Corredor vazio, barra limpa. Suspirei aliviado, mas
ainda havia uma missão a ser cumprida, que era dar um sumiço naquele corpo
maldito.
Com o dedo à boca, a Talita perguntou:
-Ele já
foi?
-Sim.
-Precisamos
limpar todo esse sangue...
-É
verdade, antes que seque.
-Pegue
logo um pano úmido...
Inferno! Eu não tinha nada a ver com aquilo e ainda sobrou-me a
responsabilidade de ocultar a prova do crime. Motivos para suspeitar da Talita
eu tinha de sobra, porque ela possuía a chave do meu apartamento, além de tranquilizar-me
por telefone com palavras suspeitas e o ódio pela Vera.
Esfregamos aquele chão
como loucos e, ainda assim, restaram algumas manchas no piso que insistiam em
permanecer. Retiramos o pequeno tapete que estava encharcado e o colocamos
junto com o corpo dentro daquela enorme mala, além do pano que nos ajudou a
limpar.
-Isso tá
parecendo aquele caso do crime da mala. - Falei puxando-a para próximo da porta.
-Com
exceção de que não esquartejamos ninguém.
-Nem
matamos.
-Quanto a
isso eu já não sei... Não estava aqui na hora...
-O quê?
Não acredita em mim?
-Temos
uma relação profissional apenas, e não de confiança.
Safada! Agora queria me deixar como suspeito na história para tirar o dela da
reta.
-Esse
negócio de mala não vai dar certo...
-Desencana.
Não somos os primeiros nem seremos os últimos a apelar pra uma mala para
ocultar um cadáver.
- Disse a Talita com toda frieza.
-Ai,
ai...
-Pior
seria ter que explicar o que esse corpo faz caído na sua sala. Não é?
-Você
acha que eu fui capaz de fazer isso?
-Querido,
que outra explicação se dá para essa infeliz aparecer aqui enforcada?
-Eu não
sei, é serio... Aliás, como você sabe que ela foi enforcada?
Desconsertada, caminhou em direção à janela tentando justificar:
-Eu?...
Bem, eu... Ora essa, eu não sei de nada... Foi maneira de dizer.
-Sei...
-Difícil
de acreditar em seus argumentos, Claus...
-E o que
você fez nessas últimas horas, hein?
-Como
assim, o que eu fiz?
-Você
disse que resolveria tudo e que era pra eu seguir até a clínica...
Caminhando em direção à porta a Talita interrompeu o assunto:
-Ficar
discutindo quem ou o quê essa mulher imbecil veio fazer aqui é perca de tempo.
Precisamos nos livrar logo desse corpo antes que alguém o descubra.
Arrastei aquela pesada mala e, antes de abrir à porta, questionei:
-E agora?
-Deixa
que eu desço primeiro.
-Mas e
eu?
-Você
espera um pouco e desce em seguida, mas pegue o elevador de serviço.
-Tá.
-E não
ouse aceitar qualquer ajuda dos funcionários.
-Tudo
bem.
-Espero
você no meu carro.
-Você
deixou ele estacionado onde?
-Na saída
da Joaquim Floriano.
-Tá...
Logo estou descendo.
Assim que ela saiu, tranquei a porta. Enquanto aguardava no silêncio da sala,
olhava para aquele trambolho, ali parado, tendo a impressão de que a Vera
pudesse acordar a qualquer momento e me acusar de algo.
Quinze minutos depois
deixei o apartamento e fui carregando aquela enorme mala até o elevador de
serviço. A porta se abriu e, mesmo havendo uma arrumadeira com um carrinho
cheio de lençóis e panos, resolvi entrar sem dar muita trela.
Ajeitando aquele trambolho no canto, ela disse:
-Senhor,
esse é o elevador de serviço...
-Eu sei,
não sou burro.
- Respondi irritado.
Desci até o térreo sem dizer um "a", pois como a Talita dizia, dar
confiança para serviçal era o mesmo que dar queijo aos ratos, ou seja, eles
montavam em cima.
Arrastei aquele estorvo pelas calçadas, driblando os pedestres e atento ao
movimento das pessoas que por ali passavam. Poderia ter dado mais trabalho se
não fossem as rodas para facilitarem na locomoção até o carro da Talita, que
estava parado na rua de cima.
Com o olhar desconfiado ela olhava de um lado pro outro, sem tirar seus óculos
escuros. Abrindo o porta-malas do carro, a Talita disse:
-Coloca
logo isso ai dentro.
-Está
muito pesada...
-Vai,
força...
- Disse ela ajudando-me.
Fizemos tudo da maneira mais discreta possível. Eu estava muito nervoso, e se
não fosse a Talita ajudar-me, não sei o que faria com aquele cadáver, ou quem
sabe ele nem existisse.
Entramos no carro e seguimos em direção à Marginal Pinheiros. Enquanto guiava,
a Talita falou:
-Agora
ligue para o Leonardo do seu celular.
-Pra quê?
-Você
quer que ele desconfie de algo?
-Não.
-Então
vai... Liga.
-E o que
eu digo?
-Se
vira... Se fosse pra eu fazer tudo, não teria contratado seus serviços...
A desculpa teria que ser muito boa, pois o Leonardo não era idiota e qualquer
deslize meu colocaria tudo a perder. Tive que me concentrar por alguns minutos,
respirar fundo e discar torcendo para que ele não me fizesse muitos
questionamentos.
-Alô,
Leo?
-Claus...
O que aconteceu?
-Por quê?
-Estava
tentando falar com você...
-Comigo?
-Sim.
-Era algo
urgente?
-Nós
tínhamos combinado de jantar hoje. Esqueceu?
-Putz!...
Desculpa, é que esqueci minha carteira na livraria onde fui comprar um livro...
-Que
horas a gente se encontra então?
-Bem,
ainda não sei... Podemos deixar pra outro dia?
-Você
quem sabe. De qualquer maneira terei que jantar fora.
-Ué...
Por quê?
-Porque a
Vera não está em casa, nem deixou nada pronto...
Nesse momento um frio na barriga bateu-me fundo.
-Vai ver
ela foi ao mercado...
-Hoje não
é dia de fazer compras... O pior de tudo é que ela não atende o celular...
-Tente
depois.
-É o que
farei.
-Beijos,
nos falamos mais tarde.
-Tá bom.
Desliguei o telefone exclamando:
-Fudeu!
-O que
foi?
-O
Leonardo já deu falta da Vera...
-Inferno! - Exclamou dando um
soco no volante.
-Estamos
perdidos.
-Cale
essa boca. Até que eles encontrem esse corpo, nós já estaremos bem longe,
distantes de qualquer suspeita.
-Assim
espero.
Começava a anoitecer e depois de andarmos por quase uma hora de carro, eu já me
considerava perdido nessa cidade de concreto.
Parando próximo a um lixão, a Talita disse puxando o freio de mão:
-Precisamos
ser rápidos antes que alguém nos perceba.
-Tá...
Abri à porta do carro tapando o nariz, pois o cheiro era insuportável. Ao
tirarmos "o pacote" de dentro do porta-malas, reparei que no canto
esquerdo havia uma mancha de sangue no carpete.
Antes que eu dissesse, a Talita percebeu e reclamou:
-Inferno!
Manchou meu carro...
-Depois
você manda lavar a seco. - Falei fechando o porta-malas.
-Não sei
até onde vai sua ignorância, mas sangue mancha, e pode ser detectado com uma
luz especial.
-Mesmo
depois de lavado?
-Mesmo
assim.
-Caralho!
Como essa infeliz foi aparecer na minha casa?
-Isso é
uma função que cabe a polícia investigar.
-Será que
tem alguém tentando me incriminar?
-Nesse mundo,
tudo é possível. Agora vamos tirar logo isso daqui antes que alguém nos
perceba.
Juntos, arrastamos aquele trambolho até o incinerador, onde misturamos a mala
ao monte de lixo que estava sendo queimado. Nos aproveitamos que os funcionários
estavam distraídos com suas inchadas, dessa forma não perceberam nossa
aproximação. Havia também a preocupação com os catadores de lixo, mas eles
estavam tão ocupados que não perceberam nossa presença, ou não deram
importância.
Assistimos de longe
toda a prova do crime sendo destruída, afastando-nos de qualquer suspeita que
viesse surgir.
Próximo capítulo: | O filme proibido |
Dia 19/03
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