sexta-feira, 4 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPITULO 4



 | Armadilha |
  
Alguns dias se passaram. Durante esse tempo, repousei ao máximo para que os pontos não arrebentassem, conforme orientação médica. Todos os dias a Talita me ligava, cobrando-me algum resultado positivo quanto às suas tramoias. Na situação em que eu me encontrava, não dispunha de condição física para ir muito longe, porém, fiz o que estava ao meu alcance, mantendo contato telefônico com o Leonardo todos os dias tendo como desculpa a preocupação com o ferimento.
Manhã de quinta-feira. Levantei da cama com os olhos pequenos, caminhando em direção ao banheiro segurando nas paredes para não cair. Tomei um banho frio, pois o calor estava demais, enxugando-me parcialmente com uma das macias toalhas do flat.
Enquanto tomava café, fiquei pensando em como iria abordar o Leonardo pela terceira vez, o que iria dizer. Tudo bem que dessa vez seria mais fácil, porque já havia um motivo e assunto, mesmo assim a inexperiência deixava-me com receio.
Antes de sair de casa, telefonei para seu celular, o avisando que iria até a clinica retirar os pontos conforme ele havia me orientado:
-Alô?
-Leonardo? Aqui é o Claus...
-Opa! Tudo certinho?
-Indo... Queria dar uma passada na clínica para tirar esses pontos hoje. É possível?
-Bem, ao meio dia eu vou almoçar. Se você quiser... Tô livre.
Eu sabia que não era, mas mesmo assim resolvi bancar o inconveniente e perguntar:
-Nossa!... Ocê tá me convidando para almoçar cocê?
-Bem... Se você quiser... - Respondeu sem jeito.
-Vou adorar! Estou me sentindo muito sozinho nessa cidade...
-Então beleza. Você tem o endereço da clínica, né?
-Tenho sim. Daqui a pouco tô passando aí.
-Firmeza.
Coitadinho. Ficou tão sem graça que me deu até vontade de rir. Confesso que fui atrevido, oferecido, mas se não fizesse dessa forma e esperasse por aquela "lesma" tomar alguma iniciativa, com certeza nada aconteceria.
Cheguei a clinica faltando cinco minutos para o horário dele sair para seu almoço. Cruzei à porta de vidro com a logomarca estampada, e logo à minha frente havia o balcão da recepção.
Ambiente moderno, bem decorado, mais parecia um SPA. No meio da sala de espera havia uma escada com corrimãos de inox, tão branca quanto às paredes, além de uma divisória de ambiente feita de vidro, onde água corria por dentro refrescando o ambiente e os olhos.
Aproximei-me do balcão e perguntei à recepcionista:
-Bom dia!
-Bom dia. Por favor, avise o Doutor Leonardo que o Claus já chegou.
-Ah sim... Claus de onde?
-Ele sabe.
-Tudo bem, só um momento.
-Valeu.
Enquanto ela interfonava, fiquei olhando aqueles quadros idiotas que decoravam as paredes. Eu nunca entendi o porquê que em todo consultório médico existe alguma pintura horrorosa na sala de espera. Se aquilo fosse considerado como “arte”, certamente eu seria um artista por fazer bem melhor.
Impaciente, peguei um chocolate com leite em uma máquina de bebidas quentes que ficava sobre uma mesa lotada de guloseimas, próxima a parede de vidro. Dentro das bandejas havia açúcar, adoçante, biscoitos, chás, e um monte de outras frescuras para agradar as madames ricas que lá iam gastar o dinheiro do marido.
Soprando à xícara, eu mancava de um lado pro outro, até o Leonardo aparecer na metade da escada exclamando:
-Bom dia!...
-Bom dia!
-Pode vir até minha sala, Claus.
-Com licença. - Falei direcionando o olhar à enfermeira que o acompanhava.
            Subimos até sua sala no andar de cima. Um cheiro de lavanda perfumava todos os ambientes daquela clínica, demonstrando ser limpo, organizado e muito bem frequentado. Após fechar à porta, sua enfermeira forrou um fino papel sobre uma maca, enquanto o Leonardo coloca suas luvas.
            Esboçando um simpático sorriso, sua auxiliar falou com uma voz aguda:
-Pode deitar aqui!
            Caminhei até a maca e deitei-me conforme pediram. Preferi não olhar para o ferimento enquanto mexiam, aconselhado por eles. Senti um líquido gelado sendo derramado sobre minha perna, logo fechei os olhos e apertei os dentes.
-Ai!... - Exclamei dando uma leve tremida.
-Calma... - Falou o Leonardo deixando uma risada escapar. 
            Enquanto efetuavam o procedimento, esboçavam uma expressão séria, deixando-me apreensivo no início. A retirada dos pontos aconteceu tão rápido que nem senti dor.
-Pronto! - Disse a enfermeira enxugando minha perna após colar um adesivo da cor da pele.
-Você está novo em folha. - Falou o Leonardo retirando as luvas.
-Mas eu não vou poder ver?
-Claro... Mostre pra ele, Deise.
            Com a retirada de parte do adesivo pude observar que praticamente não havia marca alguma. Embora sua promessa tivesse sido cumprida, não deixei de questionar o motivo pelo qual deveria tampar a antiga ferida.
-Por que ocê colou esse adesivo?
-É que eu passei um creminho e pode manchar se exposto ao sol. - Explicou a Deise.
-Mas eu vou ter que usar isso sempre?
-Não, só hoje. - Respondeu o Leonardo. 
            Fiquei contente por ter meu joelho liso de volta, além de aumentarem as possibilidades de uma maior convivência entre nós dois, já que eu teria que pagar a aposta. Sorte a minha de ter guardado um dinheirinho, porque eu até tinha pensado em torrar tudo, e se fizesse estaria ferrado.
            Deixamos sua sala. Segurando o batente da porta, falei à Deise que ficou arrumando os instrumentos na sala:
-Tchau, Deise!
-Tchau, lindo!
-Obrigado pela ajuda.
Cruzando a recepção em direção à porta, o Leonardo falou para sua secretária:
-Fernanda, vou almoçar e só volto depois dás duas.
-Sim, doutor.
-Vamos, Claus?
-Claro!
Fomos almoçar em um restaurante que ficava ali próximo. Até que ele foi simpático ao abrir à porta de seu carro pra mim, mas como a Talita havia dito, as aparências enganavam se tratando de Leonardo Darvi.
O ambiente era bem sofisticado, cheio de frescura, assim como ele. Sentamo-nos em uma mesa bem ao fundo, próxima à janela com vista pra calçada. Os garçons nos tratavam como reis, e eu, claro, estava adorando todo aquele luxo e bajulação.
-Acho que vou pedir um pato ao molho de manga... - Comentou o Leonardo entregando o cardápio ao garçom.
-E eu um filé de peixe. - Falei ainda lendo o menu.
-Sim senhor. Gostariam de alguma bebida?
-Bem...
-Pode trazer aquele vinho de sempre. - Pediu o Leonardo cortando-me.
Com todo cinismo que eu tinha, tentei persuadi-lo emocionalmente:
-Que bom que ocê me convidou para almoçar... Eu estava a ponto de fazer uma besteira.
-Por quê?
-Me sinto muito sozinho, perdido nessa cidade enorme. Não tenho amigos, família longe...
-Posso imaginar... Mas no começo é assim, depois você acostuma.
Droga! Tudo que eu falava não era suficiente para fazê-lo entender que eu estava a fim, ou melhor, fingindo estar. O Leonardo conseguia se sobressair muito bem, com elegância e inteligência. Se as coisas fossem caminhar daquela maneira eu teria mais trabalho do que imaginei.
Alguma coisa precisava ser feita. Eu tinha que criar uma maneira de fazê-lo cair na minha “teia”, caso contrário já poderia começar a me despedir da boa vida que estava levando.
-Em que você está pensando, Claus? - Perguntou o Leonardo levando o garfo à boca.
-Eu? Em nada, por quê?
-De repente ficou calado...
-Desculpa, é que não estou passando muito bem.
-O que você tem?
            Levei a mão à testa.
-Sei lá... Um pouco de tontura.
-Quer que eu te leve ao hospital?
-Acho que não precisa tanto... Será que ocê poderia me deixar em casa? É que se eu for de ônibus posso...
-Tudo bem, eu te levo sim.
-Obrigado!
Interrompi seu almoço propositalmente, e claro, fiz um pequeno drama para que não parecesse tramoia. Levando em consideração a cobrança da Talita e o temperamento imprevisível do Leonardo, qualquer brecha poderia ser uma oportunidade única, e desperdiçá-las era uma hipótese impensável.
Durante o caminho, permaneci calado, sem dar uma palavra, até ele puxar assunto:
-Você quer descrever o que está sentindo, Claus?
-Não sei explicar... Um mal estar muito ruim.
-Você passou por algum stress?
-Eu?
-Sim.
-Bem... Eu... Passei! Fui assaltado, foi horrível aquela arma apontada pra mim...
-Caraca! Quando foi isso?
-Essa semana... Acho que fiquei traumatizado.
-Pare de pensar nisso. O importante é que você está bem.
-Bom... Isso é verdade.
Uma mentirinha de leve não mata ninguém, além do mais, eu precisava sensibilizá-lo de alguma forma, e por mais que eu tentasse, era visível que minhas investidas não estavam surtindo muito efeito.
Ao chegarmos a frente ao flat, desci do carro e percebi que o Leonardo já iria partir. Para tentar prendê-lo um pouco mais, levei novamente a mão à cabeça e comecei a fingir que estava passando muito mal.
-Ai...
-Claus? Você está sentindo algo?
-Não estou passando muito bem... - Respondi apoiando a outra mão ao capô do carro.
Preocupado, ele desceu questionando:
-O que você está sentindo?
-Muita tontura...
-Vem que eu te acompanho até seu apartamento...
Sou um gênio! - Pensei. O primeiro passo deu certo, agora só restava acertar o plano B, que era um pouco mais complicado.
Abraçado ao Leonardo, subi até meu apartamento. Logo quando ele deitou-me à cama, comecei a chorar. Foi engraçada a cara que ele fez, pois não sabia o que fazer pra me ajudar.
Preocupado, o Leonardo quis saber:
-O que foi?
-Eu sou um imbecil!
-Por que diz isso?
            Fechei os olhos e virei o rosto.
-Porque estraguei seu almoço, fiz ocê perder seu tempo... Desculpa?
-Sem crise, cara.
Tirei minha camisa. Após jogá-la ao chão, pedi:
-Posso te dar um abraço?
-Tudo bem...
Passei meu corpo sem camisa ao dele sutilmente, esperando alguma manifestação hormonal, e claro, surtiu efeito porque senti, porém, o Leonardo soube controlar-se muito bem.
Sem graça e um pouco suado, levantou-se do sofá dizendo após um profundo suspiro:
-Bem... Acho melhor você repousar um pouco.
-Não vá agora...
-Preciso voltar pra clínica...
-E o nosso cinema?
-Por mim pode ser na sexta-feira.
-Ótimo!
-Eu te ligo para combinarmos.
-Vai ligar mesmo?
-Ligo.
Tudo bem que não estava ocorrendo tudo conforme eu havia planejado, mas isso era o de menos, porque o que mais interessava estava dando certo, e logo eu o teria em minhas mãos para fazer o que quisesse.
  

Próximo capítulo: | Jantar nas alturas |
Dia 05/03





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