| Armadilha |
Alguns dias se
passaram. Durante esse tempo, repousei ao máximo para que os pontos não
arrebentassem, conforme orientação médica. Todos os dias a Talita me ligava,
cobrando-me algum resultado positivo quanto às suas tramoias. Na situação em
que eu me encontrava, não dispunha de condição física para ir muito longe,
porém, fiz o que estava ao meu alcance, mantendo contato telefônico com o
Leonardo todos os dias tendo como desculpa a preocupação com o ferimento.
Manhã de quinta-feira.
Levantei da cama com os olhos pequenos, caminhando em direção ao banheiro
segurando nas paredes para não cair. Tomei um banho frio, pois o calor estava
demais, enxugando-me parcialmente com uma das macias toalhas do flat.
Enquanto tomava café,
fiquei pensando em como iria abordar o Leonardo pela terceira vez, o que iria
dizer. Tudo bem que dessa vez seria mais fácil, porque já havia um motivo e assunto,
mesmo assim a inexperiência deixava-me com receio.
Antes de sair de casa,
telefonei para seu celular, o avisando que iria até a clinica retirar os pontos
conforme ele havia me orientado:
-Alô?
-Leonardo?
Aqui é o Claus...
-Opa!
Tudo certinho?
-Indo...
Queria dar uma passada na clínica para tirar esses pontos hoje. É possível?
-Bem, ao
meio dia eu vou almoçar. Se você quiser... Tô livre.
Eu sabia que não era,
mas mesmo assim resolvi bancar o inconveniente e perguntar:
-Nossa!...
Ocê tá me convidando para almoçar cocê?
-Bem...
Se você quiser...
- Respondeu sem jeito.
-Vou
adorar! Estou me sentindo muito sozinho nessa cidade...
-Então
beleza. Você tem o endereço da clínica, né?
-Tenho
sim. Daqui a pouco tô passando aí.
-Firmeza.
Coitadinho. Ficou tão sem
graça que me deu até vontade de rir. Confesso que fui atrevido, oferecido, mas
se não fizesse dessa forma e esperasse por aquela "lesma" tomar
alguma iniciativa, com certeza nada aconteceria.
Cheguei a clinica
faltando cinco minutos para o horário dele sair para seu almoço. Cruzei à porta
de vidro com a logomarca estampada, e logo à minha frente havia o balcão da
recepção.
Ambiente moderno, bem
decorado, mais parecia um SPA. No meio da sala de espera havia uma escada com
corrimãos de inox, tão branca quanto às paredes, além de uma divisória de
ambiente feita de vidro, onde água corria por dentro refrescando o ambiente e
os olhos.
Aproximei-me do balcão
e perguntei à recepcionista:
-Bom dia!
-Bom dia.
Por favor, avise o Doutor Leonardo que o Claus já chegou.
-Ah
sim... Claus de onde?
-Ele
sabe.
-Tudo
bem, só um momento.
-Valeu.
Enquanto ela
interfonava, fiquei olhando aqueles quadros idiotas que decoravam as paredes.
Eu nunca entendi o porquê que em todo consultório médico existe alguma pintura
horrorosa na sala de espera. Se aquilo fosse considerado como “arte”,
certamente eu seria um artista por fazer bem melhor.
Impaciente, peguei um
chocolate com leite em uma máquina de bebidas quentes que ficava sobre uma mesa
lotada de guloseimas, próxima a parede de vidro. Dentro das bandejas havia
açúcar, adoçante, biscoitos, chás, e um monte de outras frescuras para agradar
as madames ricas que lá iam gastar o dinheiro do marido.
Soprando à xícara, eu
mancava de um lado pro outro, até o Leonardo aparecer na metade da escada
exclamando:
-Bom
dia!...
-Bom dia!
-Pode vir
até minha sala, Claus.
-Com
licença.
- Falei direcionando o olhar à enfermeira que o acompanhava.
Subimos até sua sala no andar de cima. Um cheiro de lavanda perfumava todos os
ambientes daquela clínica, demonstrando ser limpo, organizado e muito bem frequentado.
Após fechar à porta, sua enfermeira forrou um fino papel sobre uma maca,
enquanto o Leonardo coloca suas luvas.
Esboçando um simpático sorriso, sua auxiliar falou com uma voz aguda:
-Pode
deitar aqui!
Caminhei até a maca e deitei-me conforme pediram. Preferi não olhar para o
ferimento enquanto mexiam, aconselhado por eles. Senti um líquido gelado sendo
derramado sobre minha perna, logo fechei os olhos e apertei os dentes.
-Ai!... - Exclamei dando uma
leve tremida.
-Calma... - Falou o Leonardo
deixando uma risada escapar.
Enquanto efetuavam o procedimento, esboçavam uma expressão séria, deixando-me
apreensivo no início. A retirada dos pontos aconteceu tão rápido que nem senti
dor.
-Pronto! - Disse a enfermeira
enxugando minha perna após colar um adesivo da cor da pele.
-Você
está novo em folha.
- Falou o Leonardo retirando as luvas.
-Mas eu
não vou poder ver?
-Claro...
Mostre pra ele, Deise.
Com a retirada de parte do adesivo pude observar que praticamente não havia
marca alguma. Embora sua promessa tivesse sido cumprida, não deixei de
questionar o motivo pelo qual deveria tampar a antiga ferida.
-Por que
ocê colou esse adesivo?
-É que eu
passei um creminho e pode manchar se exposto ao sol. - Explicou a Deise.
-Mas eu
vou ter que usar isso sempre?
-Não, só
hoje.
- Respondeu o Leonardo.
Fiquei contente por ter meu joelho liso de volta, além de aumentarem as
possibilidades de uma maior convivência entre nós dois, já que eu teria que
pagar a aposta. Sorte a minha de ter guardado um dinheirinho, porque eu até
tinha pensado em torrar tudo, e se fizesse estaria ferrado.
Deixamos sua sala. Segurando o batente da porta, falei à Deise que ficou
arrumando os instrumentos na sala:
-Tchau,
Deise!
-Tchau,
lindo!
-Obrigado
pela ajuda.
Cruzando a recepção em
direção à porta, o Leonardo falou para sua secretária:
-Fernanda,
vou almoçar e só volto depois dás duas.
-Sim,
doutor.
-Vamos,
Claus?
-Claro!
Fomos almoçar em um
restaurante que ficava ali próximo. Até que ele foi simpático ao abrir à porta
de seu carro pra mim, mas como a Talita havia dito, as aparências enganavam se
tratando de Leonardo Darvi.
O ambiente era bem
sofisticado, cheio de frescura, assim como ele. Sentamo-nos em uma mesa bem ao
fundo, próxima à janela com vista pra calçada. Os garçons nos tratavam como
reis, e eu, claro, estava adorando todo aquele luxo e bajulação.
-Acho que
vou pedir um pato ao molho de manga... - Comentou o Leonardo entregando o cardápio ao
garçom.
-E eu um
filé de peixe.
- Falei ainda lendo o menu.
-Sim
senhor. Gostariam de alguma bebida?
-Bem...
-Pode
trazer aquele vinho de sempre. - Pediu o Leonardo cortando-me.
Com todo cinismo que eu
tinha, tentei persuadi-lo emocionalmente:
-Que bom
que ocê me convidou para almoçar... Eu estava a ponto de fazer uma besteira.
-Por quê?
-Me sinto
muito sozinho, perdido nessa cidade enorme. Não tenho amigos, família longe...
-Posso
imaginar... Mas no começo é assim, depois você acostuma.
Droga! Tudo que eu
falava não era suficiente para fazê-lo entender que eu estava a fim, ou melhor,
fingindo estar. O Leonardo conseguia se sobressair muito bem, com elegância e
inteligência. Se as coisas fossem caminhar daquela maneira eu teria mais
trabalho do que imaginei.
Alguma coisa precisava
ser feita. Eu tinha que criar uma maneira de fazê-lo cair na minha “teia”, caso
contrário já poderia começar a me despedir da boa vida que estava levando.
-Em que
você está pensando, Claus? - Perguntou o Leonardo levando o garfo à boca.
-Eu? Em
nada, por quê?
-De
repente ficou calado...
-Desculpa,
é que não estou passando muito bem.
-O que
você tem?
Levei a mão à testa.
-Sei
lá... Um pouco de tontura.
-Quer que
eu te leve ao hospital?
-Acho que
não precisa tanto... Será que ocê poderia me deixar em casa? É que se eu for de
ônibus posso...
-Tudo
bem, eu te levo sim.
-Obrigado!
Interrompi seu almoço
propositalmente, e claro, fiz um pequeno drama para que não parecesse tramoia.
Levando em consideração a cobrança da Talita e o temperamento imprevisível do
Leonardo, qualquer brecha poderia ser uma oportunidade única, e desperdiçá-las
era uma hipótese impensável.
Durante o caminho,
permaneci calado, sem dar uma palavra, até ele puxar assunto:
-Você
quer descrever o que está sentindo, Claus?
-Não sei
explicar... Um mal estar muito ruim.
-Você
passou por algum stress?
-Eu?
-Sim.
-Bem...
Eu... Passei! Fui assaltado, foi horrível aquela arma apontada pra mim...
-Caraca!
Quando foi isso?
-Essa
semana... Acho que fiquei traumatizado.
-Pare de
pensar nisso. O importante é que você está bem.
-Bom...
Isso é verdade.
Uma mentirinha de leve
não mata ninguém, além do mais, eu precisava sensibilizá-lo de alguma forma, e
por mais que eu tentasse, era visível que minhas investidas não estavam
surtindo muito efeito.
Ao chegarmos a frente
ao flat, desci do carro e percebi que
o Leonardo já iria partir. Para tentar prendê-lo um pouco mais, levei novamente
a mão à cabeça e comecei a fingir que estava passando muito mal.
-Ai...
-Claus?
Você está sentindo algo?
-Não
estou passando muito bem... - Respondi apoiando a outra mão ao capô do carro.
Preocupado, ele desceu
questionando:
-O que você
está sentindo?
-Muita
tontura...
-Vem que
eu te acompanho até seu apartamento...
Sou um gênio! - Pensei.
O primeiro passo deu certo, agora só restava acertar o plano B, que era um
pouco mais complicado.
Abraçado ao Leonardo,
subi até meu apartamento. Logo quando ele deitou-me à cama, comecei a chorar.
Foi engraçada a cara que ele fez, pois não sabia o que fazer pra me ajudar.
Preocupado, o Leonardo
quis saber:
-O que
foi?
-Eu sou
um imbecil!
-Por que
diz isso?
Fechei os olhos e virei o rosto.
-Porque
estraguei seu almoço, fiz ocê perder seu tempo... Desculpa?
-Sem
crise, cara.
Tirei minha camisa.
Após jogá-la ao chão, pedi:
-Posso te
dar um abraço?
-Tudo
bem...
Passei meu corpo sem
camisa ao dele sutilmente, esperando alguma manifestação hormonal, e claro,
surtiu efeito porque senti, porém, o Leonardo soube controlar-se muito bem.
Sem graça e um pouco
suado, levantou-se do sofá dizendo após um profundo suspiro:
-Bem...
Acho melhor você repousar um pouco.
-Não vá
agora...
-Preciso
voltar pra clínica...
-E o
nosso cinema?
-Por mim
pode ser na sexta-feira.
-Ótimo!
-Eu te
ligo para combinarmos.
-Vai
ligar mesmo?
-Ligo.
Tudo bem que não estava
ocorrendo tudo conforme eu havia planejado, mas isso era o de menos, porque o
que mais interessava estava dando certo, e logo eu o teria em minhas mãos para
fazer o que quisesse.
Próximo capítulo: |
Jantar nas alturas |
Dia 05/03
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