domingo, 20 de março de 2016

LIVRO: PROFISSÃO AMANTE - CAPÍTULO 16





 | Pic Nic no Zoo |
  
A manhã estava bonita, ensolarada. Enquanto Leonardo decidia com a Cíntia sobre o que iríamos levar para o pic-nic ao zoológico, tratei de dar uma escapada sem que fosse percebido. Se eu convivesse com aquela gente durante vinte e quatro horas acabaria pirando.
            Destravei o alarme do carro do qual iríamos utilizar para o passeio. Abri à porta rapidamente, pois não tinha muito tempo a perder. Soltei as travas da cadeira de segurança do Artur, de forma a deixá-la solta, porém, tomando cuidado para que ficasse imperceptível.
            Minha maldade não possuía fim. Na verdade, todo mundo tem em si um lado bom e ruim, só que em algumas pessoas algum dos lados se sobressai, e no meu caso optei pelo ruim, do qual me orgulhava demais em não ser passado a perna por ninguém.
Acionei as travas novamente e voltei pra sala, colocando a chave do carro sobre a mesa onde estava quando a peguei.
Segurando a mão do Artur que pulava feito um macaco, o Leonardo dizia à Giovana:
-Filha, vá até o quarto e pegue o protetor solar... Calma, Artur!
-Já vamos? - Perguntei levantando-me do sofá, ofegante.
-Sim. Vou colocar esse menino no carro antes que ele me deixe louco... Espero vocês lá.
-Tudo bem. - Respondi apreensivo.
            Após pegar a chave de cima da mesa, o seguiu cambaleando em direção à garagem, arrastando aquele encapetado. Haja paciência para aturar aquelas crianças! Se fosse eu, já tinha dado um peteleco bem dado na orelha dele pra ver se sossegava um pouco.
            Segurando algo à mão a Giovana descia a escada, ao mesmo tempo em que a Claudia vinha da cozinha trazendo um cesto enorme cheio de coisas.
            Abrindo parte do pano que o recobria, ela perguntou:
-O doutor Leonardo já saiu?
-Está nos esperando no carro.
-Podemos ir?
-Claro... Vá na frente.
-Obrigada!
            Fui o último a entrar, pois tive que ajudar aquela paspalha da Cláudia a colocar o cesto no porta-malas, que por sinal nem era tão grande quanto eu pensava. Prendia o cinto de segurança em quando Leonardo ajustava a temperatura do ar condicionado. Com o calor que fazia, logo meu humor mudaria, claro que pra pior.
            Lá íamos nós, em mais um passeio chato com aquela família chata, naquele lugar chato. Acionando as travas do carro e subindo os vidros, o Leonardo falou:
-Giovana, não quero que você se afaste do papai ou da Cláudia enquanto estivermos no zoológico. Entendeu?
-Tá!
-Você também, Artur.
-Papai... Quero ver o macaco. - Disse o Artur balançando as pernas.
-Nós vamos ver o macaco, a girafa, o elefante...
-Oba!
            Conviver com aqueles dois filhos do Leonardo exigia-me uma paciência que eu não tinha. Claro que, depois de passar por toda aquela prova de fogo eu iria diretamente para o reino dos céus, pois estava pagando todos os meus pecados.
            Encostei minha cabeça ao banco e quando entrarmos na Avenida Jabaquara, questionei:
-Por que você está indo por esta avenida?
-Ué... Você nunca foi ao zoológico?
-Não.
-As crianças também não. Que bom, assim todo mundo curte junto.
-Sim, claro!    
            O Zoológico de São Paulo é uma particularidade comparado com outros do mundo. Afastado do Centro da cidade, o parque aloja nascentes do riacho do Ipiranga, que formam um grande lago, responsável por abrigar vários exemplares de aves. Além disso, está localizado em uma área de 824.529 m² de Mata Atlântica original, umas das mais ricas e importantes faunas do mundo. Anualmente, milhares de pessoas visitam os mais de 3.200 animais em exposição entre mamíferos, anfíbios, aves, répteis, entre muitos outros.
            A forma e tom com que o Leonardo falou parecia ser o melhor programa do mundo, olhar aquele monte de animal fedorento através de grades e vidros. Se eu pudesse, abriria a porta do carro e sairia correndo para bem longe daquela família metódica, com aquela menina super inteligente e um pirralho que valia por três.
            Cuidadoso como sempre, percebi que meu plano não surtiria efeito algum se não tomasse nenhuma iniciativa para provocar a freada brusca, dessa forma o cinto e a cadeirinha iriam se desprender.
            Sem que o Leonardo esperasse, gritei:
-Cuidado!
            Imediatamente o Leonardo brecou o carro. Bingo! Como eu esperava! A cadeira em que o Artur estava desprendeu-se como eu já esperava, sendo jogada de encontro ao vão entre os bancos dianteiros.
            Com a inércia, todos os nossos corpos foram lançados para frente, mas como estavam presos ao cinto de segurança, nada sofremos, porém, o Artur não teve a mesma sorte. A repentina freada fez com que ele batesse sua cabeça no banco do passageiro, deixando a Cláudia e o Leonardo super assustados e preocupados.
-Caralho! - Exclamou Leonardo emputecido.
            No mesmo instante o Artur começou a chorar, ou melhor, espernear-se. Furioso, ele parou o carro no quarteirão seguinte e disse olhando-me seriamente:
-Você está louco de fazer isso?
-O que eu fiz? - Questionei fazendo-me de vítima.
-Quase capotei o carro!
-Desculpa, é que vi que um carro se aproximava e pensei...
-Atitude irresponsável.
-Irresponsável por te avisar?
-Irresponsável pela forma idiota... O Artur se machucou, Cláudia? - Perguntou com parte do corpo virado para trás.
-Não, não... Foi só um susto.
-Está tudo bem ai atrás?
-Está sim. - Respondeu a Cláudia prendendo a cadeirinha novamente.
-Como que essa cadeira foi se desprender assim? - Perguntou o Leonardo.
-Acho que ela já estava solta, doutor.
-Solta? Mas eu a prendi...
            Interrompi dizendo:
-Vai ver que você esqueceu, Leo... Não disse que você anda estressado? Tá precisando relaxar...
            Se não fosse a Cláudia segurar a cadeira ao perceber o impacto e amenizá-lo, com certeza o Artur teria se ferido gravemente, e claro, tudo por culpa minha.      Confesso que fiquei arrependido depois. Eu poderia ter machucado gravemente uma criança inocente. Embora eu não os suportasse, não tinham culpa de terem uma mãe mercenária como a Talita, e foi a partir daquele momento que eu decidi deixá-los fora das minhas tramoias.
            O restante do caminho procurei não abrir minha boca, pois se o Leonardo fosse discutir e se aprofundar no tema daquela cadeira solta, provavelmente eu iria me complicar.
            Às vezes criamos conceitos sobre as coisas que não correspondem com a realidade. De tanto que havia resmungado, criticado e esnobado aquele passeio que até então ao meu ver era idiota, passei a ter um novo conceito após nossa chegada.
            Até pensei que iríamos ver animais dentro de jaulas em piso de concreto, amarrados, e logo quando avistei aquela floresta da entrada do zoológico, dei-me conta de que minha concepção estava realmente errada.
-Nossa!... Esse zoológico fica dentro da floresta? - Perguntei impressionado.
-Da Mata Atlântica. - Respondeu o Leonardo pegando na mão do Artur.
-Caraca!
            Ver aqueles enormes animais à minha frente fez-me deslumbrar. Meus olhos brilhavam observando àquelas girafas caminhando próximas de mim, algo que pensei existir apenas na TV.
-Olha, pai! - Exclamou o Artur tão impressionado quanto eu.
-Tô vendo, filho...
            Aquele passeio fez-me sentir criança outra vez. Cada quarteirão era uma surpresa, mas foi no aquário das focas que os pentelhos se encantaram, assim como eu.
-Papai! Olha a foca...
-Eu tô vendo...
            Fazendo sinal com o olhar, ele disse à Cláudia:
-Não solte a mão deles.
-Sim senhor.
            Afastando-se um pouco do vidro o Leonardo atendeu ao celular. Sua cara de preocupado deixou-me assustado. Tendo culpa no cartório como eu, o tempo inteiro vivia com a sensação de estar sendo perseguido.
            Depois que ele desligou o telefone, perguntei como quem não queria nada:
-Aconteceu alguma coisa?
-A Vera foi dada como desaparecida...
-Ainda não encontraram ela?
-Não... E meu quadro também sumiu.
-Nossa! Mas... Você acha que ela...
-Não sei. Tudo indica que sim...
-O que pretende fazer agora?
-Esperar a polícia fazer a parte dela.
            Assustado questionei:
-Polícia?
-É...
-Você deu parte do sumiço da Vera?
-E registrei também um boletim de ocorrência quanto ao sumiço do meu quadro favorito.

            Fodeu! Se a polícia fosse investigar as pistas, poderia chegar até mim e acusarem-me de matá-la. Embora a Talita e eu tenhamos feito tudo para não deixar pistas, não éramos profissionais, pelo menos no meu caso. 



Próximo capítulo:    | Sentimento suspeito |
Dia 21/03


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